O Desempenho Recente do Sistema Financeiro Internacional e Propostas de Possíveis Reformas



O desempenho recente do sistema financeiro internacional e propostas de possíveis reformas


Como toda crise do período pós-Breton Woods e, especificamente, após 1973, a recente derrocada do sistema financeiro internacional trouxe à tona não só as fragilidades desse sistema para o centro dos debates econômicos, bem como colocou à prova sua real eficácia, sobretudo em países em desenvolvimento. A fúria do contribuinte em socorrer mega grupos privados que especularam com papéis de alto risco e até podres parece ter gerado um consenso entre os economistas de todo o mundo, para os quais urge a necessidade de uma reforma do sistema financeiro internacional.


Uma reforma moderada e que não implique redução dos investimentos ou do comércio internacional, mas uma redução, em especial, dos movimentos especulativos de curto prazo. Todavia, tal fenômeno tem custos políticos extremamente altos, na medida em que exige um verdadeiro concerto supranacional, no qual as maiores economias do planeta, hoje representadas pelo G-20, estejam dispostas a regular as oportunidades de valorização do capital dos grandes grupos financeiros, sobretudo as sociedades de investimento coletivo .

Para se inserir nesse debate, faz-se necessária não só uma análise de como a Mundialização Financeira evoluiu após 1945 (o que é feito no item 1), mas também uma compreensão do desempenho do sistema financeiro internacional a partir de dois pontos de vista, o do investidor e/ou especulador e o do governo (item 2). Assim, podemos verificar se os benefícios do sistema financeiro internacional superam os prejuízos causados por ele e temos condições de traçar perspectivas futuras para esse sistema (item 3).


1. Evolução da desregulamentação do Sistema Financeiro Internacional
A crise financeira de 2008/2009 e a crise em desenvolvimento em 2011 expoem, mais uma vez, as fragilidades sistêmicas de um regime financeiro internacional essencialmente desregulamentado (o que os americanos chamam de foot-loose, isto é, o sistema financeiro tem "pé solto"). Sistema esse que vem caminhando em direção a essa liberalização financeira desde a década de 1960. Segundo Chesnais (1998), foram três etapas que determinaram esse caráter da economia atual.

Primeiramente, ele destaca o fim do padrão fordista de acumulação na década de 1960, em que o capital produtivo encontra cada vez mais dificuldade de se valorizar, em virtude do aumento da concorrência capitalista e da necessidade constante de inovação, o que abre espaço para novas necessidades de valorização do capital, via financeira nesse caso. Esse processo vai desembocar em constantes ataques especulativos contra a moeda de países com déficits comerciais . Tal fenômeno, aliado aos problemas domésticos dos EUA , acaba por levar o presidente americano da época, Nixon, a decretar o fim das taxas fixas de câmbio no início dos anos 1970. Segundo Krugman & Obstfeld (2010):

"Quando renunciaram às taxas fixas[...], os países industrializados escolheram um sistema que lhes permitia combinar a mobilidade de capital internacional com uma política monetária orientada para políticas internas"(p.457)

Com as mudanças para as taxas flutuantes, os países industrializados começavam a "eliminar controles sobre os fluxos de capitais que cruzavam as fronteiras" (KRUGMAN & OBSTFELD, 2010, p.459). É o "ponto de partida para uma instabilidade monetária crônica (CHESNAIS, 1996, p.20) e para a alavancagem do mercado de eurodólares e, por conseqüência, da maior interdependência financeira ao redor do mundo.

A segunda etapa desse processo de desregulamentação financeira começa com a revolução conservadora dos governos Reagan, nos EUA, e Thatcher, na Inglaterra, a partir de 1979. Ambos os governos implementaram políticas neoliberais tanto na esfera doméstica, quanto na internacional, diminuindo consideravelmente o controle do Estado sobre o movimento de capitais ao exterior, além da liberalização do setor financeiro nacional. Dessa forma, os EUA, via ampliação do mercado internacional de bônus e títulos públicos, puderam financiar seus déficits orçamentários sem emissão de mais moeda. Não obstante, esses dois países ainda pressionaram os países em desenvolvimento a adotar medidas semelhantes, abrindo ainda mais oportunidades para a valorização do capital financeiro.

Para Chesnais (1998) esse período marca o início da era dos juros reais positivos, explosão das dívidas públicas (nos países em desenvolvimento esse fator era agravado pela dívida externa) e pela denominada ditadura dos credores, na qual o capital bancário e as instituições financeiras não bancárias (fundos de pensão, fundos mútuos, corretoras, etc.) adquirem dimensão e poder de pressão sobre políticas governamentais nunca antes vistos.

Por fim, o último fator apontado por Chesnais para a mundialização financeira a que assistimos hoje foi a integração dos mercados de bônus e de câmbio nos anos 1980, a partir da qual os choques e os sobressaltos financeiros tornaram-se mais constantes. Desde então "o poder de contágio através dos mercados internacionais de capitais" tornou-se imensurável, de modo que qualquer país, mesmo em situações saudáveis para padrões normais, pode ser afetado por uma crise . Isso foi particularmente percebido nos anos 1990 com a crise asiática, na qual os países daquela região sofreram sérios problemas mesmo não tendo déficits, inflação ou expansão monetária descontrolados.

2. O mercado de capitais tem tido um bom desempenho?
Historicamente, o mercado financeiro tem sido uma importante ferramenta através da qual é possível aproximar poupadores e investidores, funcionando como centralizadora de capitais. Além disso, é um mecanismo que possibilita a diversificação de investimentos, reduzindo riscos (sobretudo se os investimentos são em países diferentes) e maximizando lucros. É esse mercado que tem possibilitado a valorização de capital não realizado na esfera produtiva ou viabilizado os investimentos produtivos em locais/empresas que não dispõem de recursos suficientes .

O Índice Bovespa, que estava em 100 pontos no início dos anos 1960 chegou a quase 90.000 pontos em 2008. E grande parte desse sucesso é devido aos capitais estrangeiros. Só os investimentos diretos responderam por 18% do PIB brasileiro em 2009 . Só os investidores físicos estrangeiros representaram 13,6% do mercado de ações brasileiro . Como sugere Krugman & Obstfeld (2010, p.465), "as bolsas de valores em todo o mundo estão facilitando a comunicação entre mercados, e as empresas cada vez mais se mostram dispostas a vender suas ações fora do país".
Não bastasse isso, cada vez mais se expandem variações dentro do próprio mercado financeiro, como mercado futuro, mercado a termo, mercado de opções e estratégias puramente especulativas impensáveis, como o aluguel de ações. Ou seja, para o especulador e/ou investidor, para as sociedades anônimas e para instituições financeiras, o mercado financeiro internacional apresenta excelentes oportunidades.

Pela ótica dos governos, o mercado financeiro se tornou, a partir da década de 1960 (para principalmente, os Estados em desenvolvimento), uma importante fonte de capital para financiamento de investimentos. Dada a baixa poupança nacional de países latino-americanos, por exemplo, o mercado financeiro era uma importante fonte para que os governos investissem. Ou seja, a poupança abundante em países centrais e com baixas oportunidades de investimento eram desviadas, via mercado de capitais, para economias com altas oportunidades de investimento, mas baixo nível de poupança . Não obstante, esse mercado é uma oportunidade para o financiamento dos déficits públicos, processo iniciado pelos Estados Unidos.

Entretanto, os efeitos do mau uso ou uso excessivo do mercado financeiro podem ser tão catastróficos quanto a potencialização de lucros que ele proporciona. Para as empresas, investimentos demasiadamente voláteis podem sacrificá-las no próximo exercício social ou até levá-las à falência ou aquisição por outros grupos . Para os governos, o mercado financeiro internacional pode ser ainda mais perigoso, já que representa uma perigosa ferramenta, capaz de socorrê-los no curto prazo, mas condenar a saúde financeira dos mesmos a longo prazo . Títulos públicos que hoje permitem ao país fechar no azul sua balança comercial, por exemplo, comprometem-no 10, 20 e até 30 anos depois, quando esses títulos vencem, além de geralmente aumentar a interferência externa sobre o Estado, diminuindo a autonomia desse.

Mas não devemos, contudo, culpar o sistema financeiro internacional pelos desvios macroeconômicos dos governos. Paulo Roberto de Almeida (2010) nos oferece uma idéia sobre isso:

[...]uma realidade muito simples deve ser lembrada: especuladores apenas atuam em face de desequilíbrios reais e potenciais dos próprios fundamentos da economia. O que isso quer dizer? Nenhum ataque especulativo contra uma economia ? fuga de capitais, manipulações nos mercados cambiais ? é suscetível de manter-se se a economia apresenta fundamentos sólidos.

Essa análise é coerente, embora, em determinadas situações, é sim possível que países com boa saúde financeira sejam contagiados pelos problemas de outra economia. Esses males serão, como destaca Almeida, passageiros se a economia tiver bases sólidas. Não podemos culpar, desse modo, a facilidade trazida pelo sistema financeiro internacional integrado pelos constantes déficits ou pelo alto endividamento externo de governos, sobretudo os de Estados em desenvolvimento.

Se tomarmos um exemplo histórico, essa tese pode ser facilmente comprovada. O Brasil do período militar teve uma clara opção pelo endividamento externo, via emissão de títulos e empréstimos de bancos internacionais, para financiar seus mega projetos de infra-estrutura (I PND, II PND, etc). O governo possuía outras opções, como reforma tributária, emissão controlada de moeda, entre outras, mas a escolha foi pelo endividamento, dados os baixos juros internacionais até 1979. Essa alternativa foi, entretanto, uma das responsáveis pela paralisia de nossa economia nos anos 1980. Diante disso, devemos culpar o mercado financeiro, que facilitou esse fenômeno?

Parece-nos que não. Fica claro que o mercado financeiro tem um importantíssimo papel dentro de qualquer economia e tem apresentado um espetacular desempenho, seja para o especulador, para a empresa e mesmo para o governo, que pretende financiar seus gastos. Todavia, o uso indiscriminado de mecanismos especulativos de alto risco pode facilmente levar a prejuízos significativos. Para os governos, como já ressaltado, recorrer constantemente ao mercado de títulos pode sim comprometer a saúde financeira dos mesmos e de países em condições similares, dada a integração dos mercados mundiais. O mercado pode, de fato, causar instabilidades em economias saudáveis, mas, sobretudo, eles se aproveitam dos desequilíbrios já existentes para criar oportunidades de especulação e/ou valorização do capital. De novo, nenhuma especulação se mantém se a economia tem bases sólidas.

3. Perspectivas para o Sistema Financeiro Internacional: reformas a caminho?

Diante disso, surge o tema, sempre recorrente a cada crise financeira, se o sistema financeiro deve ou não ser mais regulamentado e de que forma isso deve ser feito. Parece-nos claro de que o capital internacional puramente especulativo e altamente volátil deve sim ser controlado, apesar de ele se aproveitar, em sua maioria, dos desequilíbrios já existentes nos Estados. São esses capitais que, ao menor rumor de instabilidade política ou econômica em determinado país, rapidamente se transferem de um local para o outro, comprometendo as reservas ou as contas externas de determinada economia.

Os governos devem ter maiores controles sobre as entradas e saídas de capitais internacionais de curto prazo que, em sua maioria, tem caráter puramente especulativo e não tem pretensões de criar nenhum vínculo mais duradouro, como um Investimento Direto, por exemplo . Além disso, com essa medida, evitam-se oscilações muito bruscas na cotação da moeda local em relação ao dólar e uma maior instabilidade econômica, na medida em que se depende menos de recursos externos.
Ademais, como ressalta Krugman & Obstfeld (2010), não há nenhum tipo "exigibilidades de reserva" (depósito compulsório, no caso do Brasil) no relacionamento interbancário internacional, o que é indispensável para uma maior segurança desse sistema. Outro ponto também destacado pelo autor e que deve ser levado a cabo é a maior solidez de instituições financeiras bancárias e não bancárias, em especial os fundos mútuos e de pensão. Para isso uma maior transparência dos investimentos desses grupos é essencial: uma maior abrangência nas demonstrações financeiras e nos balanços patrimoniais dessas companhias, com a especificação dos investimentos de curto prazo, seriam uma boa medida para acompanhar seu desempenho e seu grau de risco .

Entretanto, essas propostas, controle dos fluxos internacionais de curto prazo (via tributação, por exemplo), alguma forma de "depósito compulsório internacional" (via FMI, por exemplo) e maior transparência nos balanços das sociedades anônimas e instituições financeiras, não são fáceis se ser alcançadas. Medidas isoladas unilaterais não seriam interessantes, haja visto que, se o capital encontra amarras em um local, ele rapidamente flui para outro mais frouxo, sendo que quem perde, nesse caso, é o Estado regulador.

Por isso, só seriam viáveis reformas através de um amplo esforço multilateral entre as maiores economias do mundo (G20), o que sabemos que é extremamente complicado no curto prazo. Todo e qualquer decisão supranacional de tamanha magnitude exige longas e demoradas rodadas de negociação ou os famosos encontros de cúpula.

No curto prazo o sistema financeiro internacional deverá permanecer tão anárquico quanto é hoje e com os mesmos riscos de uma nova crise financeira a qualquer momento. Por enquanto só assistimos a decisões de alteração no sistema financeiro em âmbito nacional e focadas em questões bem pontuais de pouco impacto . No longo prazo, contudo, essa situação pode ser minimizada se os encontros do G20 surtirem algum resultado e se, tanto as economias emergentes e, principalmente as desenvolvidas, estiverem dispostas a ceder em algum ponto, de modo a atingir consenso.
Embora esse processo de consenso seja extremamente complexo nas relações internacionais, conforme as crises financeiras se sucedem, é possível sim que haja reformas que reduzam riscos sistêmicos. As reformas no Sistema Financeiro Internacional são indispensáveis e, embora obviamente não possam impedir a ocorrência de crises, podem ser capazes de minimizá-las ou torná-las mais restritas e menos contagiosas.
O excelente desempenho do mercado financeiro internacional, sob qualquer ângulo que se analise, barra, em partes, essas alterações. Por enquanto, o que temos no cenário próximo são apenas mudanças pontuais que, com muito esforço e diplomacia, podem se concretizar em alterações estruturais significativas no longo prazo.



REFERÊNCIAS


ALMEIDA, P. R. Fluxos Financeiros Internacionais e a proposta de taxação. In: MUNDORAMA, 2010. Disponível em: . Acesso em 19 de junho de 2010.
BBC. Reforma no Senado. Disponível em:. Acesso em 20 de junho de 2010.
BRASIL MELHORES. Índice Bovespa 1963 Até Hoje. Disponível em . Acesso em 20 de junho de 2010
CHESNAIS, F. Mundialização Financeira: gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1998.
FOLHA DE SÃO PAULO. Brasil precisa aumentar poupança interna.. Acesso em 20 de junho de 2010.
KRUGMAN & OBSTFELD. Economia Internacional. São Paulo: Pearson, 2010.
MRE. Bolsas para estrangeiros. Disponível em: . Acesso em 18 de junho de 2010.
VALOR ECONÔMICO. Estrangeiros na bolsa de valores. Disponível em: . Acesso em 20 de junho de 2010.

Autor: Messias Moretto


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