A Mudança Da Mentalidade E Do Comportamento Sócio-moral Da Sociedade De Rio Preto A Partir Da Segunda Metade Do Século XX



Resumo:

Este artigo consiste em uma analise sobre a mudança do comportamento sócio-moral da cidade de Rio Preto que passou por transformações nos domínios culturais e morais tendo a tradição sido esquecida com o passar dos tempos, diversos fatores influenciaram essa mudança constante e progressiva, assim buscamos avaliar os fatos evidenciados nas décadas de 50, 60 e 70 que contribuíram para essa mudança das mentalidades.

Palavras-Chave:

Rio Preto, Mentalidade, Cultura, Tradição, Moral, Inovações, Comportamento.

Résumé:

Cet article consiste à une analyse sur le changement du comportement social et moral  de la ville de Rio Preto qui a passé par des transformations aux domaines culturels et moraux, en ayant la tradition étée oubliée avec le passage du temps, plusieurs facteurs ont influencé ce changement constant et progressif, ainsi nous cherchons évaluer les costumes prouvés dans les décennies de 50, 60 et 70 qui ont contribué à ce changement des mentalités.

Mots-Clés:

Rio Petro, la Mentalité, la Culture, la Tradition, la Morale, des Innovations, le Comportement.

Abstract:

This Article is an anlysis of Rio Preto's moral and social behavior change. The city hás gone through culture and moral changes, and its traditions being forgotten with time. Various factors have influenced this constant and progressive change, therefore we are trying to evaluate what caused this transformation base don studies of 50´s, 60´s and the 70´s.

Keys Word:

Rio Preto, mentality, culture, tradition, moral, innovations, behaviour.

A Mudança da Mentalidade e do Comportamento Sócio-moral da Sociedade de Rio Preto a partir da Segunda Metade do Século XX

Luís Cláudio Campos Duque

Este artigo consiste em uma análise da mudança do comportamento sócio-moral da comunidade do Município de Rio Preto no período compreendido entre as décadas de 1960 e 1970. Visamos identificar as principais influências sobre a construção da mentalidade de época na região. Compreender alguns aspectos culturais da sociedade riopretana, e como princípios morais e éticos de uma cidade do interior foram transformados devido a ação de mediadores com vínculos nas capitais dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro e com o cenário internacional e dos meios de comunicação (jornais, radio e televisão) que contribuíram para uma oferta de novas tendências culturais e conhecimentos. Apontar os principais fatores que podem ter modificado a mentalidade e o comportamento da sociedade riopretana é outra questão de interesse deste artigo.

O interesse por analisar comportamentos humanos influenciou muito na escolha do referido tema, uma vez que historicamente as mentalidades se modificam por meio de interações culturais ou dinâmicas na construção de novas identidades e também por que pouco se pesquisou sobre mentalidades com enfoque regional para a região circunscrita. Portanto trata-se de um estudo inovador para a historiografia.

A sociedade riopretana sofreu um impacto em alguns aspectos, mas em outras situações manteve-se presa ao passado, o que fez com que alguns costumes viessem a se transformar rapidamente, enquanto outros permanecessem como em um passado remoto. Estas são situações que despertam grande interesse em analisar a mentalidade riopretana e suas modificações e como essas mudanças influenciaram a sociedade como um todo.

Elegemos como objeto a análise do comportamento dos riopretanos em meio ao contexto sociocultural da segunda metade do século XX, com recorte temporal a partir da década de 60. Analisamos a mudança de comportamento da sociedade tomando como referência aspectos sócio-culturais ocorridos a partir de 1960: festividades e acontecimentos culturais no cenário nacional e internacional que puderam influir no cotidiano da pequena Rio Preto, trazendo a cada novo dia uma série de informações e avanços tecnológicos, como também as mudanças no cenário político-administrativo deste período que puderam interferir no comportamento individual.

Este tema se cerca de importância dada à penetração em Rio Preto de novidades culturais e comportamentais mediadas por novos meios de comunicação; os modismos impostos por grandes centros, que estão próximos; as festas que por um motivo ou outro passaram a sofrer impactos de estilos musicais, culturais, no modo de vestir, na gastronomia, etc; o cotidiano influenciado por novos avanços na ciência e tecnologia, aguçando o senso de liberdade e a busca por maior acesso a informação que crescia dia após dia na segunda metade do século XX. Tentamos identificar algumas mudanças na mentalidade da sociedade riopretana em diversos aspectos, mas principalmente comportamentais. Por meio das informações colhidas foi possível determinar que os modismos trazidos por novos mediadores impuseram hábitos que são julgados por uns e outros como avanços ou como retrocessos na constituição de uma sociedade.

Também pesquisamos em fontes escritas: livros de autores riopretanos que contam histórias de personalidades em seus cotidianos e edições do Jornal "O Município" que circulou no período a ser estudado. Estes relatam acontecimentos sócio-culturais do período na sociedade riopretana bem como alguns de âmbito nacional e internacional que repercutiram em Rio Preto.

O Vale do Rio Preto, antes de 1780, só possuía os índios como habitantes, pois essa região era denominada "Áreas Proibidas", cujas terras deveriam continuar improdutivas para evitar o extravio do ouro das minas para o litoral[i]. Para controlar esse extravio foi entregue ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier em 1781 a vigilância das margens do Rio Preto; este mais tarde entraria para a história com o nome de Tiradentes. Apesar de todo patrulhamento e repressão, Rio Preto constituiu-se num excelente ponto de passagem para o contrabando de ouro e diamantes[ii]. Em 1798, mais ou menos, surgiu então o primitivo arraial do Ouvidor, conhecido até 1800 como "A Passagem do Rio Preto – Aplicação de Nossa Senhora da Conceição de Ibitipóca – Comarca do Rio das Mortes". Em 1832, por Decreto da Regência, foi o curato de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto do Presídio elevado à paróquia e com o Decreto de 14 de julho de 1832, a criação do povoado. Por diversas vezes, Rio Preto foi elevado ao posto de Município e voltava ao status de vila. No dia 21 de setembro de 1871 por Lei provincial foi definitivamente elevado a Município de Rio Preto[iii].

Rio Preto está inserido na Serra da Mantiqueira no Médio Vale do Paraíba do Sul, região da Zona da Mata de Minas Gerais, bem na divisa do Rio de Janeiro. Recebeu o nome devido ao rio homônimo que divide os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Está situado em um belo vale, o Vale do Rio Preto, que tem como principal fonte econômica a agropecuária. No inicio de seu povoamento se deu à exploração de ouro[iv], posteriormente a tentativa de se produzir cana de açúcar na Fazenda Santa Clara, de propriedade do Comendador Thereziano, mas com a queda do preço do açúcar no Brasil[v], iniciou-se o cultivo do café que vigorou até a queda da cafeicultura no Vale do Paraíba do Sul. A produção leiteira veio substituir o café e até os dias atuais movimenta a cidade e região. Rio Preto faz divisas geográficas com Santa Rita de Jacutinga, Bom Jardim de Minas, Olaria, Lima Duarte, Santa Bárbara do Monte Verde pelo lado mineiro e com a cidade de Valença pelo lado fluminense. Sua extensão geográfica já foi muito maior, mas ao longodas décadas, emancipações político-administrativas reduziram seu território que ainda assim é extenso. Seu contingente populacional nos dias atuais é bem inferior ao que teve no passado.

Na década de 50, Rio Preto possuía uma população total de 10.000 mil habitantes, sendo 1.722 habitantes no perímetro urbano. No decorrer das décadas o contingente populacional total veio diminuindo gradativamente, mas no perímetro urbano foi aumentando. Em 1960 possuía 9.424 habitantes no Município inteiro sendo 3.040 no perímetro urbano; Em 1970,9.036 no total e 3.289 pessoas na cidade; em 75 diminuiu para 8.662 o total, e ouve um decréscimo na população urbana para 2.800 habitantes; em 80 com um contingente total de 8.280 habitantes, voltou a crescer a população urbana, atingindo 3.745[vi]; finalmente segundo o último censo, realizado no ano de 2000, o Município conta com 5.142 habitantes e 3.864 na cidade[vii].

Muitas pessoas ao longo dos anos deixaram aquela pequena cidade do interior para buscar estudos e trabalho em outras cidades da região como Juiz de Fora, Valença e Volta Redonda, como também nas capitais dos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, sendo a primeira a mais procurada.

O desenvolvimento cultural e social de Rio Preto foi significante. Diversos intelectuais e políticos locais tiveram relacionamentos com setores da política nacional na segunda metade do século XX. Diversos jornais locais que noticiavam os principais acontecimentos políticos e sociais do país circulavam em Rio Preto; destes, alguns tiveram curta duração outros resistiram um pouco mais. A cidade também possuía uma Escola Normal e um Grupo Escolar, banda de música, times de futebol, praticantes de outros esportes, como voleibol, dois cinemas e festividades como o carnaval[viii].

Nosso artigo relacionará a mudança do comportamento humano através da mentalidade adquirida. Através da história das mentalidades, filha dileta da "escola dos Annales", que era a prima donna da chamada Nova História,segundoRonaldo Vainfas:

"... história nova, uma história problematizadora do social, preocupada com as massas anônimas, seus modos de viver, sentir e pensar. Uma história de movimento, com grande ênfase no estudo das condições de vida material, embora sem qualquer reconhecimento da determinância do econômico na totalidade social, ao contrario do proposto pela concepção marxista da história. Uma história preocupada, enfim, não com a apologia de príncipes ou generais em feitos singulares, senão com a sociedade global, e com a reconstrução dos fatos em série passível de compreensão e explicação". [ix]

Trazemos uma discussão envolvendo cultura popular e identidade constituída, passada de geração a geração, mediante costumes que são impostos com rigidez sobre qualquer tentativa de mudança na vida social de uma sociedade ou um individuo em particular. Dessa forma a mudança entre gerações é polemizada quando uma nova forma de enxergar o mundo pelos mais jovens e alguns intelectuais sobrepõe-se à visão tradicional dos costumes, assim descrita por E. P. Thompson:

"Costume era a 'segunda natureza' do homem.

(...)

Como o costume é a principal diretriz da vida humana, que os homens procurem ter bons costumes [...] O costume é mais perfeito quando tem origem nos primeiros anos de vida: é o que chamamos de educação, que, com efeito, não passa de um costume cedo adquirido".[x]

O costume é uma arena, um campo para a mudança e disputa, onde os interesses opostos apresentam reivindicações conflitantes no interior da cultura popular de uma distinta sociedade em um determinado local analisado.

A cultura popular significa um sistema de atitudes, segundo Thompson:

"..., valores e significados compartilhados, e as formas simbólicas (desempenho e artefatos) em que se acham incorporados. Mas uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob uma pressão imperiosa – por exemplo, o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia religiosa predominante – assume a forma de um "sistema". E na verdade o próprio termo "cultura", com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto".[xi]

Dessa forma ao interpretar alguns aspectos que demonstram a preocupação de determinados grupos ou indivíduos da sociedade estudada, percebe-se que os conceitos atribuídos a costume, tradição, e cultura popular estão arraigados na mentalidade de parte dessa sociedade, que de alguma maneira tenta preservar-se de uma mudança que é iminente nas sociedades modernas ou em qualquer tempo histórico.

Essa é uma dinâmica que o processo evolutivo da civilização tende a estabelecer, quando em um determinado momento ou recorte temporal, a vontade de mudar, a busca de uma ideologia ou expressão de vida diferente das conhecidas e preservadas esforça-se por se estabelecer.

As diversas identidades que constituem uma configuração social, por mais que pequena, como a analisada, são fatores de uma profunda reflexão. Para determinarmos as distorções sofridas na formação das identidades modernas, Manuel Castélls relata: "entende-se por identidade a fonte de significado e experiência de um povo.[xii] E continua:

"No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o (s) qual (ais) prevalece (m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado individuo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. No entanto, essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na auto-representação quanto na ação social".[xiii]

A identidade se forma por determinadas mediações culturais. Podendo sobrepor um costume a outro de maneira a promover uma reviravolta no comportamento humano, a formação de uma identidade muitas vezes é forjada por efeitos sociais, políticos, econômicos e culturais: Variavelmente estes eixos podem interferir na formação de um indivíduo ou grupo social, isoladamente ou em conjunto, podendo estar apartados uns dos outros ou, em determinado momento, de acordo com circunstâncias temporais, estar interligados. A formação de toda e qualquer identidade do ponto de vista sociológico é construída. A construção das identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por "fantasias" pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço.[xiv]

Ao receber influências externas, uma cidade do interior passa também a transformar-se de forma irreversível, tornando suas características mais marcantes, meras lembranças de um passado glorioso, cheio de saudosismo, pois, ao lembrarmos de qualquer situação, sempre buscamos relembrar fatos que enaltecem um indivíduo ou grupo social, mas esquecemos de todos os elementos que provocaram tal fato.

A sociedade como um todo, em uma cidade basicamente rural, nomenclatura utilizada para pequenas cidades do interior que produzem e sobrevivem especialmente da agropecuária, recebem e retransmitem doações ideológicas para seu povo. Ao receber, a cidade está conectada diretamente com um grande centro. Desta forma pessoas dos grandes centros tornam-se mediadores levando e buscando idéias de diferentes culturas, que fazem com que a sociedade passe por uma transformação.

Tal transformação deve-se a aspectos ligados não ao interesse direto das pessoas, mas o que na maioria das vezes ocorre é a vida cotidiana obrigar um indivíduo a adaptar-se aos moldes que por ele são vivenciados, ocasionando uma ruptura geracional: com o passar dos tempos, tradições passadas de geração a geração são esquecidas ou substituídas por aquelas que mais satisfazem momentaneamente ou permanentemente o sujeito ou grupo.

Processo especifico ocorre nas mais longínquas sociedades brasileiras, como é descrito por Maria Isaura Pereira de Queiroz, no livro Vida Rural e Mudança Social. A vida social só existe através das diferenças. São elas que, a partir da interação como processo universal, produzem e possibilitam as trocas, a comunicação e o intercâmbio.[xv]

Desse modo o componente, ou os vários componentes de um agrupamento humano, manuseiam em seus dias diversos tipos de informações, conhecimentos e experiências transformando-se também em mediadores. A mudança de local onde reside, trabalho ou estuda, faz transitar essas inovações, fazendo com que o homem passe adiante o que adquiriu intelectualmente influenciando outros meios.

Essa busca pelo novo, contou com mediadores, que fizeram com que indivíduos isolados ou em grupos, mesmo que resumidos a poucos componentes, buscassem uma nova forma de pensar ou agir. Mediação pode ser definida de duas formas, a primeira vem do estudo da mídia de massa, sendo, portanto, qualquer coisa que (ou qualquer pessoa que) transmita uma mensagem para o público. Já na filosofia alemã (por exemplo, na forma encontrada na Escola de Frankfurt e outras formas de marxismo), mediação tem um uso mais técnico, próximo de "construção".[xvi] Sendo que nossa compreensão (subjetiva) de mundo social será modelada e construída por molduras ideológicas e culturais; essas molduras mediam nossa experiência e percepção.[xvii]

Então podemos observar que constantemente mediadores de uma forma ou de outra, das acima citadas, influenciaram a sociedade como um todo, algumas vezes trazendo uma nova perspectiva, mais atraente que as encontradas na ocasião. Outras vezes provocou o sentimento de que a novidade seria uma afronta para os costumes locais, trazendo más influências, principalmente para a juventude.

Assim observamos no jornal "O Município", que circulava no período analisado, neste contexto a partir da segunda metade da década de 50, uma preocupação vigente em diferentes aspectos ou questões. Na edição de numero 76 de junho de 1956, que traz estampado em suas paginas uma preocupação com os rumos do país, assim escrevia o diretor do jornal, Décio Coelho da Silva:

"(...).

Como sentimos, os ventos não tem soprado muito favoráveis nos céus da pátria, entretanto, o povo soube resistir à sua ação demolidora, salvaguardados pela fé ou esperança. O povo brasileiro tem demonstrado fibra difícil de conceber-se em outros povos. Tomara que não aconteça como no mar, onde, quando reina a maior calma é sinal da aproximação da mais terrível borrasca. Só a formação moral, religiosa e intelectual poderá explicar o que de bom existe". [xviii]

Podemos observar que através dessas poucas palavras existe uma preocupação com os rumos tomados pela nação, concomitantemente com os rumos que a pacata Rio Preto poderia tomar. Dessa forma procura-se incentivar a busca da formação moral, religiosa e intelectual, que nada mais são do que o costume da sociedade, conceito já discutido anteriormente. No mesmo artigo busca-se uma explicação para o momento vivido; recorrendo-se aos longínquos tempos, como lembrado pelo autor: "O erro é grave e antigo. O seu inicio começou notadamente no fim do segundo reinado e uma dezena de presidentes lutou, melhor ou pior, e ele ficou arraigado."[xix]

Ou seja, notamos que o lembrete de que a tradição deve ser mantida vem com uma explicação, tentando mostrar à sociedade, que o mal eminente deve ser combatido. Na mesma edição, mostra-se que as tecnologias estão chegando e que são de grande magnitude, como traz o informe da mesma edição.

"RADIOCOMUNICAÇÂO, estará funcionando brevemente em Rio Preto no prédio da Prefeitura, serviço de radiocomunicação que poderá transmitir mensagens rápidas para a Capital do Estado."[xx]

Tais inovações que trazem uma mudança rápida e constante da tecnologia, podem ser saudadas pelas mesmas pessoas que se contrariam profundamente com a experiência de mudança rápida nas relações humanas (sexuais e familiares, por exemplo), e que poderiam, na verdade, achar difícil conceber mudança constante em tais relações[xxi]. Estas se tornam ao mesmo tempo magníficas novidades como podem ser desastrosos instrumentos que ocasionam o medo das inovações sociais, ou seja, a ruptura que ela ocasiona na sociedade.

Outra nota importante, que não podemos deixar de mencionar foi aquela publicada e intitulada "Honrando Rio Preto", que faz menção a um ilustre jovem estudante de Engenharia da Escola Nacional de Engenharia, da então Universidade do Brasil, Marco Antonio Monteiro de Oliveira, sobre a ida deste à Europa, mais propriamente à Holanda, participando de excursão para freqüentar um curso de verão na Netherlands University Foundations for Internetional Cooperation, de Haia.[xxii] Como mencionamos, estes anos que anunciam a chegada da década de 60 foram anos que fizeram repercutir nas capitais e principalmente no interior a preocupação com novas tendências e rumos tomados que se misturam com a exaltação pela conquista de novos conhecimentos e tecnologias que facilitam o cotidiano.

A preocupação com a cidadania a tentativa de formação de um elemento com consciência política mais aberta foram alvos do editorial de um outro número, o de N° 97, do mesmo jornal em novembro de 1957, que traz a incitação de que o cidadão tem que ter consciência da importância do voto.

"O ser eleitor é tão importante quanto ser reservista. Posso dizer que ainda é mais importante. Este direito político atinge os dois sexos e é uma das prerrogativas do cidadão ou cidadã. Nenhuma pessoa consegue nada na vida publica sem possuir o seu titulo de eleitor. Não pode ser funcionário e nem ocupar nenhum emprego publico, alem de ficar divorciado da sociedade política.

O pior governo é melhor do que a anarquia. Se temos maus governos é porque não sabemos escolher; se os temos bons é porque sabemos distinguir entre os mais capazes e os mais probos."[xxiii]

Com essas palavras o Diretor do jornal tenta demonstrar que é necessário que se faça prevalecer o direito ao voto, e que se cumpra esse direito ao fazer referência ao tipo de governo; É bem possível que idéias anárquicas ou comunistas estivessem bem próximas da sociedade riopretana, ou até mesmo já inseridas em uma pequena parcela dessa sociedade, através de mediadores que comungam desse tipo ideais.

Ao mesmo tempo esse número traz uma citação de um jovem político da cidade vizinha de Marques de Valença, residente no distrito de Parapeuna, "que é do outro lado do rio" e tem forte influencia na cidade de Rio Preto. Desse distrito, muitos dos moradores nasceram em Rio Preto. Esse jovem político, o Sr. Aladim de Oliveira Maia, apoiado em suas amizades em ambas as regiões, trouxe melhoramentos para o distrito. Essa referência pode ser considerada uma observação feita ao fato do artigo anterior dizer que devemos saber escolher "entre os mais capazes e os mais probos". No mesmo numero, também temos uma notinha que orienta o eleitor a alistar-se o quanto antes para evitar os atropelos de última hora, dando orientações de como o fazer.

Em 1958, na edição de novembro, notas interessantes vêm nos mostrar que a identidade cultural da sociedade estava ameaçada e um súbito impulso para repelir essas ações estavam sendo transmitidas pelo jornal por meio de um artigo intitulado "Um assunto importante":

"O mais difícil e importante em um ser humano é a sua formação biopsíquica, isto é, o crescimento em perfeita harmonia do binômio alma-corpo, estando em melhor condição o fator corpo. As ciências tem progredido muito, mas os desideratos de Deus tem sido postergados ou aviltados.

Em nosso meio os males ainda são pequenos em comparação com as grandes cidades, mas, por mal dos pecados, já existem e tendem a crescer. Principalmente aos pais cabe o dever de preservar a formação da infância e da juventude dos grandes males que atacam a alma e o corpo. Já existem aqui rapazinhos que se conduzem mal, inclinando-se pelas bebidas alcoólicas e pela pratica de atos contrários à natureza de homem. Estes atos praticados são aberrações sexuais e não, condizem com a natureza do sexo masculino.

A pratica do Jogo a valer não é nunca recomendável, máxime na infância e na juventude. Cria na alma do jovem a mentalidade das coisas conseguidas por maneiras fáceis, corta as vocações, predispõe aos crimes, faz homens indolentes e de vida viciosa.

O cinema é outro fator negativo para infância ou a juventude, quando os filmes não são previamente criticados pelos pais ou responsáveis. Jovens de pouca idade são observados em qualquer tipo de filme. Somos plenamente favorável ao cinema, porem, achamos que os filmes devem ser examinados com antemão pelos pais. Todos os filmes trazem a censura (impróprio para tantos anos, proibido, censura livre). Mesmo os de censura livre deverão ser examinados.

Muitas às vezes, os pais ou responsáveis são pessoas muito ocupadas ou muito confiante nos filhos. Sem querer ofender a quem quer que seja, sugestionamos que cada pai ou responsável, de hoje em diante, observem mais a seus filhos, observem as suas companhias, os lugares por eles freqüentados, principalmente à noite, as suas palavras, as suas ações, as suas orações, as suas inclinações, a sua freqüência à Igreja e aos sacramentos.

Quando resolvemos a escrever, foi no intuito de "abrir os olhos" dos pais, porque o que foi dito acima já foi objeto de confirmação por varias pessoas que merecem fé.

Ajudem seus filhos a tornarem homens de bem, sadios de alma e de corpo, assim estarão mais calmos com consciência e possuirão a clemência de Deus e da Pátria."[xxiv]

Este artigo "Um assunto importante", traz as preocupações com o estereotipo, e principalmente a formação moral do indivíduo. Como podemos observar Eric Hobsbawm, trata, que certas inovações requerem legitimação, e em períodos em que o passado deixa de fornecer precedentes às mesmas, surgem dificuldades muito sérias, que terminam por serem também combatidas.

No mesmo mês de novembro de 1958, um outro número foi redigido, com uma matéria denominada: "A formação da nossa juventude"; Esse artigo é um lembrete aos pais que o final do ano está chegando e que seus filhos são vistos durante todo o dia em bares e botequins, andando de bicicleta pela rua, e possivelmente suas notas escolares estão um fiasco, podendo até serem reprovados; que os mesmo apenas fazem leituras de gibis e histórias em quadrinho que pouco ou nada contribuem. Mais uma vez a preocupação com a mediação é colocada em ponto máximo na sociedade e em dezembro de 1958 é transcrito no jornal que a televisão chegara. "Televisão em Rio Preto":

"Foi bem sucedida a experiência que o Sr. Levi Flutt fez com um aparelho de televisão no Posto Agropecuário. O aparelho receptor de televisão captou muito bem as imagens, segundo informações que nos foram dadas pelas numerosas pessoas que lá foram assistir a transmissão. Antes a experiência havia fracassado na cidade, por estar em posição mais baixa. Segundo se diz, poder-se-a gozar dos benefícios da televisão, com a colocação de uma torre de retransmissão em ponto mais elevado, nas imediações da cidade."[xxv]

Assim prosseguiu-se algumas matérias do jornal "O Município" no ano de 1959, sempre tentando estabelecer uma disposição conveniente dos meios para se obterem os fins desejados, a manutenção de um costume adquirido com o passar dos anos. Julga-se necessário recorrer à tradição, como por exemplo, em trecho do artigo "Natal e Ano Novo" do nº120 de janeiro de 1959 – "(...) Nesta segunda metade do século cheia de incertezas, de ameaças de ambos os lados do mundo, de lutas vãs, de vaidades desmedidas, de vícios irreparáveis, de fé moribunda, é necessário que voltemos os olhos, com humildade, para aquela pequenina Criança, salvadora do mundo e dos homens".[xxvi] Essa alusão de que a pequena Rio Preto deveria voltar-se para as questões religiosas e tradicionais dá-nos a entender que as conturbações vividas no cenário nacional e internacional iam concorriam para perturbar a mentalidade de um sociedade pequena e organizada; Neste mesmo número foi publicado um discurso feito em um casamento pelo Sr. João Duque de Almeida:

"MOÇOS QUE PENSAM EM CASAMENTO, ouçam esta... O AMOR SEM RAIZES, É UM ABISMO SEM FIM: Dura pouco e durando pouco, durou muito.

Por isso, acautelem-se, tomem muito cuidado quando pretenderem tomar posição para enfrentar uma nova vida, muito principalmente, numa época como a que atravessamos, em que a sociedade, inclinada aos requintes da civilização moderna, enleva-se com as grandes inovações, com as múltiplas transições e com as fantasias enganadoras, fontes geradoras dos grandes males, causas prejudiciais à formação moral da juventude."[xxvii]

Novas mediações preocupam a sociedade, como por exemplo, podemos citar a introdução do cinema na cidade, que é foco do jornal em alguns artigos, mencionando que são exibidos filmes que a censura não deveria permitir, ou alertando os pais e responsáveis que jovens estavam assistindo filmes de conteúdo impróprio. De forma contraditória, a sociedade sabe que a essência do cinema é a diversão, por isso, algumas notas elucidam sobre a possibilidade da abertura de novo cinema na cidade como a manutenção do mesmo.

Estes são alguns aspectos que colaboram com nossa tentativa em explicar que os múltiplos conceitos discutidos correlacionam à transformação da identidade cultural da sociedade riopretana, como poderemos observar na mudança da mentalidade contínua e progressiva durante as décadas seguintes.

Ao iniciar-se a década de 60, atenta-se que as preocupações sobre o comportamento da sociedade permanecem vigentes. Notas sobre o comportamento e a postura dos jovens são constantemente relembrados nos exemplares de "O Município". Alguns acontecimentos foram festejados no cenário nacional e não poderiam deixar de ser relatados no jornal local, como por exemplo, a inauguração de Brasília, nova capital do Brasil, cuja nota foi publicada nota no nº 148, de maio de 1960. Outrossim, muitas coisas aconteceram na cidade e com personalidades riopretanas, que também foram relatadas nos demais números de 1960. As inovações tecnológicas também vieram agraciar Rio Preto neste mesmo ano, como relatado no nº 155, de setembro de 1960: "está chegando a bons termos o problema da instalação de uma torre para televisão em Rio Preto. Algumas dezenas de pessoas estão interessadas em adquirir aparelhos televisores, assim como, contribuírem para instalação da torre."[xxviii]

Nos anos decorrentes, em meio a uma série de inovações, às preocupações também chegaram à cidadezinha do interior de Minas próxima ao Estado do Rio de Janeiro. Muitas coisas eram novidades que assustavam, outras enobreciam sua população: a preocupação com o próximo, com as formas de governo e de governar não só a pequena Rio Preto, mas todo o país era motivo de atenção para os filhos desta terra mineira.

Os filhos começavam a brilhar fora de Rio Preto, em uma intensa mediação cultural, política e social; filhos de gente tão simples, mas de riqueza intelectual e cultural, saíram da cidadezinha, e, agora, no final da década de 60, começam a despontar, como narrou o jornal de nº 300, de abril de 1968, em uma coluna denominada "Gente que brilha". Essa coluna mencionava aqueles indivíduos que saíram para prestar vestibular em faculdades como à de Valença, no Estado do Rio de Janeiro, ou aqueles que colaram grau, e iniciariam vida profissional, ou até mesmo aqueles que se destacavam em suas vidas profissionais fora de Rio Preto. No ano de 1969 vários exemplares trouxeram esta coluna "Gente que brilha".

As preocupações com a juventude impregnavam a vida da sociedade. O editorial do nº 338, datado de fevereiro de 1970, nomeado "Juventude, Comunidade e Desenvolvimento" traz essa preocupação.

Dentre as fases da vida, a juventude parece ser a mais bela.

A palavra jovem diz entusiasmo, dinamismo e idealismo.

Como sabemos, o homem não é uma ilha. Não podendo viver isolado, ele terá que se integrar no meio dos outros, trabalhar com um objetivo, lançar idéias, acatar opiniões e auxiliar.

Neste entrosamento haverá a vida em comum.

Uma mocidade bem encaminhada da é à base de um país.

A comunidade é o resultado de uma juventude vivendo com os mesmos objetivos. Onde vive-se unido com um fim em vista gera o desenvolvimento.

Cada dia que passa, mais aumenta a interdependência entre as pessoas.

Diante dessa exigência é preciso preparar-se para viver em conjunto. E essa preparação tem que vir no florescer da existência. Desde pequeninos já brincamos com outras crianças.

Daí o valor comunitário.

Deus, o ser supremo, poderoso e absoluto não é sozinho, se ele é trino é a própria negação do só.

Antes de o homem cultivar o egoísmo, a luta e o desejo de posse, deveria olhar para o alto e ver que seu Pai é o exemplo autentico do altruísmo e da paz.

Jovens, tomemos por base o amor ao próximo e vivamos em comunidade para o desenvolvimento de nossa cidade e consequentemente do nosso país. [xxix]Esta nota, escrita por uma aluna do 2º ano do curso normal, Luiza Ribeiro, demonstra que a idéia fixa que preocupa a sociedade mais tradicional também aflige os mais jovens que vêem à possibilidade de uma mudança que não será benéfica.

Uma bomba para os riopretanos. No dia 16 de maio de 1970 é noticiado no nº 343 o fim do trafego de Vassouras-Juparanã-Valença-Santa Rita de Jacutinga, que passava por Rio Preto, no dia 17 seguinte a partir da zero hora. A matéria dizia: Parece incrível, mas é verdade, Rio Preto e Parapeúna, acabam de perder um de seus mais sólidos tráfegos que os ligavam aos grandes centros. O fim de uma jornada de quase 60 anos.

Uma outra preocupação no ano de 1970 foi o êxodo rural, em matéria publicada no nº 346, de julho de 1970, demonstra-se que a população deixara seus rincões para estabelecer-se em Rio Preto e até mesmo em outras cidades.

A inquietação continua, em 24 de outubro de 1970, artigo foi publicado com a intitulação Preservar as cousas belas de um passado de glórias, onde é claro o cuidado em preservar as tradições, o patrimônio da cidade de Rio Preto. Nessa matéria a preocupação é com a música, as bandinhas deveriam ser preservadas, no caso de Rio Preto, a Corporação Musical Lima Santos, a matéria dizia a falta de perspectiva para continuidade da mesma, por falta de incentivos do Governo e do povo.

Mil novecentos e setenta e um, o ano do centenário de Rio Preto, ano da chegada do telefone interurbano, do telegrafo pela Empresa de Correios, ano do Festival de Música de Rio Preto Centenário, onde artistas nativos compuseram e participaram de concurso, 1º Festival de Música Popular em Rio Preto. Ano comemorativo, que não deixou de mostrar acentuada preocupação com a tradição.

Em dois números do mês de fevereiro de 1971, no primeiro datado de 4 do mesmo mês dizia Para onde vamos, ó geração adultera?

"Parece absurdo, aos menos avisados, o titulo que empregamos; não o é todavia, ante a realidade dos fatos dentro de um exame sereno, lúcido, desapaixonado. Atingiu a atual geração um tão baixo padrão educacional – (não confundir instrução com educação, não), e, portanto moral, que chega a colocar em risco as instituições. (...)"[xxx]

Sem sombra de dúvidas a mudança chegara, algo acontecera, que as tradições, a cultura foi se dissolvendo, para pior como para melhor, como podemos ver no n° 355 de 27 do mesmo mês é feito um apelo as mulheres riopretanas.

"Rio Preto acaba dia após dias.

É impressionante verificar de perto, ou melhor, sentir na própria carne o seu fracasso, pois aqui nada há de construtivo. Apenas as promessas da véspera da eleição para obter o voto dos eleitores.

(...): chegou a hora da mulher riopretana fazer valer a sua autoridade e mostrar o seu valor pessoal em prol do progresso da nossa cidade. (...).

Sabem de que maneira? Nas próximas eleições, daqui a 2 anos, votando na mulher para prefeita, votando para mulher para vice-prefeita, votando nas mulheres para vereadoras. (...).[xxxi]

Mostra este artigo, que além de malefícios, os benefícios também chegaram, consciência política aflorada, a intelectualidade permite que uma cidade do interior se renda aos encantos da mulher, não somente a beleza mas a destreza, a competência, a seriedade entre outros atributos da mulher.

Novidade polêmica foi publicada no mês julho de 1975 no n° 420, nomeada a matéria O DIVORCIO, que causara grande espanto as comunidades mais conservadoras.

Outra novidade ao decorrer dos anos tais mudanças vão se somando, como a tentativa de anexar Rio Preto, ao estado do Rio de Janeiro, proposta está, feita pelo deputado fluminense Paulo Duque, filho de pessoas de alto gabarito intelectual, ligadas a seu torrão natal, embora não residentes em Rio Preto, em outubro de 1975. Esta é apenas uma das novidades decorrentes dos anos 70, proposta no mínimo polêmica.

Estás são algumas dentre tantas novidades que abalaram e provocaram a mudança da mentalidade da sociedade riopretana. Através destes relatos noticiados, no jornal de circulação local relacionando-os com os conceitos descritos por teóricos, podemos entender o que provocou a mudança, a perda da identidade cultural da cidade de Rio Preto, gerando uma ruptura com a tradição, incorporando novos conceitos e comportamentos.




Autor: Luís Cláudio Campos Duque


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