Moleque
Prá piorar a situação, meu irmão veio logo lembrando:
E aí, bacana? Não sei se tu sabes mas tem uma conta d?água prá pagar semana que vem.
O negócio é o seguinte: fica na tua! Estou duro, mas amanhã ou depois eu resolvo essa parada!
Pensei que ele ia parar por aí, mas sabe irmão como é que é, né?
Então! Lembra aquele senhor careca, do final da rua? Aquele do sobradão, o que tem um moleque pequeno que é uma praga?
Ele está procurando alguém prá fazer a agenda dele no computador. Sabe gente fina como é que é né! Ele falou para o Zé da padaria que vai viajar uns três dias e o moleque vai ficar com os empregados. Ele disse que paga cinqüenta reais por dia! Pensei em você que está estudando! Daí mano, você fica me devendo essa!
Chiiiii! Fico devendo nada! Isso não é comigo não! Estou fazendo as aulas de computador no colégio, mas daí a escrever a agenda do homem, é enrrascada!
Prá encurtar a história, não teve jeito! Pensei nas dívidas e calculei que o valor recebido iria dar prá pagar a conta e até sobraria.
Fui falar com o gente fina que, apesar de meio desconfiado, acertou o negócio!
Dois dias depois lá estava eu em frente aquele computador de gente grande. Cheio de fio prá lá e fio prá cá.
Como se não bastasse o meu desespero, o moleque do careca ali do meu lado olhando tudo!
Tio, me empresta um cd prá eu gravar uma coisa enquanto meu pai não está?
Sai fora moleque! Não quero complicação com teu pai não! Não tem cd não!
Tio, por favor me ajuda! Tem um ali na gaveta.
Eu não queria pegar cd nenhum! Queria mesmo era engarrafar o moleque e fechar com uma rolha para que ele parasse de falar. Mas, para me desanimar mais ainda, ele continuou:
Ô Tio, a única coisa que quero e está no computador, é uma foto!
Uma foto? Por que você não pede para o teu pai, garoto? Vai ficar aqui, moleque, olhando prá minha cara e atrapalhando o meu ganha pão por causa de uma foto? Não vou mexer não! Isso vai complicar minha vida e se você continuar, eu vou tocar a campainha e chamar alguém prá te tirar da minha frente, garoto!
Tio, minha mãe morreu e a única foto que tenho dela está no computador. Meu pai não me dá não! Por favor tio, me ajuda!
Tenho certeza que vi uma lágrima no olho do moleque.
Parei o que eu estava fazendo, com um nó na garganta, daqueles bem apertados!
Peguei um cd e salvei a foto da mãe do moleque, que saiu pulando.
Fui embora em seguida e nunca mais voltei!
A noitinha o nó ainda estava lá.
Ao ver a conta em minha cabeceira lembrei de minha mãe.
Se ela estivesse viva com certeza a conta não estaria atrasada.
Autor: Gracia Tristão
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