A Implantação Dos Princípios Organizacionais Para O Gerenciamento De Crises



INTRODUÇÃO.

Num trabalho anterior (Santos Filho, 2008), feito por mim e mais três postulantes ao título de especialista em Gestão de Segurança Empresarial, foi discutido o que seriam os princípios básicos que qualquer organização precisaria observar para obter um padrão adequado na difícil tarefa de gerenciar riscos. Aquele trabalho foi baseado no que a literatura nacional e estrangeira sugere como instrumentos para o gestor de riscos. Analisando o que se produziu até então, estabelecemos os cinco princípios organizacionais para o gerenciamento de crises: Princípio da Prevenção (que chamaremos, simplesmente de PP); Princípio da Estrita Legalidade (PEL); Princípio da Qualidade (PQ); Princípio da Ética e da Moralidade (PEM) e Princípio da Interdisciplinaridade (PI). Estes princípios teriam a qualidade de ser tanto orientadores da própria atividade gestora de riscos, quanto fortes norteadores de toda a prática empresarial, que quanto mais comprometida com eles, menos suscetível seria às crises de qualquer natureza.
Apenas para deixar mais precisa a idéia do parágrafo anterior, reproduzo algumas linhas do trabalho citado (Santos Filho, 2008. p.33-34):

Talvez a empresa não consiga evitar suas crises nem resolvê-las completamente.Contudo, o gestor de crises poderá dar maior segurança aos funcionários, diretores e acionistas, se pautar suas ações dentro destes cinco parâmetros.

Contudo, antes de discorrer sobre cada um deles, é necessário fazer algumas observações. A primeira delas e, talvez a que mais incorpore todo o espírito deste trabalho, é a questão da prevenção. Os gestores de crises são (e precisam ser) pessoas naturalmente dotadas de uma visão antecipada das coisas. Alguns chamam de dom, outros acreditam que tal faculdade possa ser desenvolvida com o hábito, mas o que é observável – ainda que empiricamente – é que certas pessoas são mais previdentes que outras. E esta capacidade de previsão, muitas vezes, interfere diretamente na sua capacidade e desempenho profissionais. O primeiro princípio abrange talvez o que seja o abecedário de um moderno gestor de crises: a previsão. É através dela que a organização será mais ou menos suscetível aos efeitos de determinadas crises. De certa forma, o primeiro princípio é tão importante, que – independente de alguns instrumentos que serão discutidos no próximo tópico – a prevenção deve ser incutida em todos os setores da empresa, como um princípio norteador, componente comum e vivenciado desde a alta administração até o chão de fábrica. Cursos; instrumentos básicos que possam materializar a prevenção nas atividades profissionais; a exploração das múltiplas facetas da prevenção, inclusive aquelas que permitem um viver mais tranqüilo e saudável para o próprio funcionário; enfim, tudo o que possa auxiliar a compreender a idéia, a subentender as vertentes, a materializar a ação preventiva deve ser implementada na organização.

A segunda observação é que os princípios seguintes, o segundo, o terceiro e o quarto são, de certa forma, subsidiários do primeiro. Sim, pois se manter na legalidade, servir-se de padrões de qualidade e, ainda, estruturar a organização na ética e na moralidade, sem dúvida alguma, previne a organização de crises tais como a de deterioração do ambiente organizacional. Apesar de estes princípios estarem, neste contexto, a serviço do gerenciamento de crises, eles próprios são capazes de – aplicados a toda empresa – prevenir a maior parte das ocorrências que possam colocar em risco a organização. Já o quinto princípio é fruto dos tempos atuais: o conhecimento e a prática das mais diversas atividades já não estão focados em departamentos únicos, estanques, isolados... A informação flui pelos mais diversos ramos do conhecimento e o gestor moderno deve ser capaz de rastrear tais informações, processá-las e aplicá-las em sua área específica. Gerir crises é vivenciar um conhecimento e uma prática interdisciplinares, às voltas com fatos, pessoas, objetos, patrimônio, riscos e... Prevenção!

Finalmente é importante ressaltar que os princípios citados atendem a duas finalidades distintas, difíceis de serem separadas no dia-a-dia da gestão de crises: a primeira finalidade, como já extensamente citado, é a da prevenção no sentido mais amplo, que tem a haver com toda a organização e estrutura da empresa; e, a segunda finalidade, está na aplicação direta destes princípios no gerenciamento das crises propriamente ditas.

Estabelecidas tais observações e, ainda à guisa de introdução, gostaria de delimitar a área de interesse deste trabalho: buscarei discorrer sobre a possível implantação destes princípios em quaisquer organizações, sejam as mais simples – como microempresas, sejam as mais complexas – como aquelas de múltiplas atividades. É evidente que os detalhes táticos e operacionais só poderão ser efetivamente explorados e planejados pelos gestores que se propuserem a desenvolver o trabalho na empresa real. Mas, a exploração das vantagens e desvantagens estratégicas da utilização destes princípios podem e devem se constituir em exercício intelectual dos administradores e empresários modernos. E, também, porque não, dos trabalhadores preocupados com a manutenção de seus empregos... Pois a atividade de gerir crises, com competência, pode, muito bem, representar a sobrevivência da organização no mundo moderno.

A IMPLANTAÇÃO DOS PRINCÍPIOS.

O desenvolvimento de uma nova área na empresa depende da vontade política. Esta vontade advém, primeiramente, da alta direção. Não parece possível desenvolver novas posturas diante de alguns problemas se a alta-direção não deixar bastante claro que esta é uma decisão estratégica da empresa. E esta realidade pode ser explicada pela inércia com a qual, habitualmente, desenvolvemos as atividades cotidianas. Se as coisas estão fluindo... Por que modificá-las? E assim, passa o tempo e ninguém faz nada de efetivo para mudar.

Os novos paradigmas do mundo moderno tendem a transformar a mentalidade da acomodação numa postura pró-ativa. E esta realidade é ainda mais observada nas especificidades que compõe a área de gerenciamento de crises. Neves (2002, p.17) tratando da velocidade da comunicação nos dias atuais, observa:

Na madrugada de 31 de agosto de 1997, estava eu assistindo, na minha casa, no Rio de Janeiro, à CNN quando a programação foi interrompida para mostrar imagens diretamente da Pont l'Alma,em Paris, onde acabara de acontecer o acidente com a Ladi Di. É bem provável que eu e a torcida do Flamengo tenhamos ficado sabendo da morte da princesa antes do pessoal do Palácio de Buckinghan, em Londres.Vale dizer que ficamos sabendo do fato antes daqueles que iriam gerenciar a crise recém-iniciada.

Ou seja, a velocidade da informação num mundo globalizado já é por si mesmo, se não uma espécie de crise, uma forte contribuição para que a crise se instale rapidamente. Se o gestor de crises não possuir mecanismos que ele possa imediatamente acionar para diminuir a intensidade dos efeitos causados pelos fatos geradores da crise, esta pode se intensificar e, até, sair do controle. São conhecidos os efeitos de boatos ou mesmo notícias que influenciam fortemente o desempenho de ações nas Bolsas de Valores do mundo inteiro.

Mas, qual mecanismo poderá dispor o gestor de crises para lidar com tais fatos? É evidente que o tamanho da organização e o conjunto das ocorrências serão os determinantes para a melhor atuação do gestor de crises. Mas, algumas recomendações, as organizações poderão levar em consideração, qualquer que seja a natureza da crise:

a) Observância do Princípio da Estrita Legalidade. O que seria óbvio em qualquer lugar do mundo, mas não é tão evidente assim no Brasil. Qualquer crise é mais duradoura e mais suscetível de criar situações que comprometam a atividade-fim de uma empresa se o ambiente organizacional da mesma não estiver conformado com os valores do princípio citado. É absolutamente comum grandes organizações descuidarem de detalhes que podem comprometer sua imagem e reputação. Um exemplo disto é a prática de crimes contra o consumidor (Folha de São Paulo, 01/07/2004), que sugerem muito mais descuido administrativo que uma vontade de delinqüir, uma vez que determinadas áreas possam ficar nas mãos de terceiros, sem o mesmo comprometimento do empreendedor. Contudo, a falta de controle adequado é um elemento que compromete a seriedade do negócio, pois quem terceiriza não está isento de fiscalizar o que o seu contratado faz, pois é co-responsável, de qualquer forma. Mais preocupante ainda, para o gestor de crises, são as formulações deliberadas para a obtenção de resultados financeiros à custa de manobras pouco éticas ou criminosas, como a sonegação fiscal (Folha de São Paulo, 13/07/2005).

Portanto, a observação da estrita legalidade é fundamental como um poderoso instrumento de gestão de crises, seja nas micro-organizações, seja nas mais complexas do mundo. Porque – desde que fundamentado neste princípio – o empresário terá suas crises se não evitadas, pelo menos abreviadas. A estrita legalidade não poderá evitar algumas crises oriundas de desastres naturais ou ocorrências absolutamente fora do controle da empresa. Por exemplo, uma tempestade atípica, capaz de inundar uma área, que até então não era de risco e comprometer, por exemplo, uma entrega da empresa é um exemplo de fato imprevisível. Mas, se a empresa – na sua política de gestão de crises – tiver todos os seus aspectos bem estruturados, o que inclui um seguro operacional, poderá – além de ter sua imagem muito pouco arranhada por se tratar de uma ocorrência fora de seu controle – ainda recuperar qualquer prejuízo financeiro que a não entrega prevista poderia gerar.

A primeira vertente para a efetiva implantação dos princípios organizacionais para o gerenciamento de crises parece passar pela efetiva fundamentação legal de todos os setores e atividades da empresa. Esta será, sem dúvida, a base ideal para uma boa gestão de crises.

b) Planejamento. Crises não podem não ser evitadas, mas sua minimização deve ser buscada pelo gestor das mesmas. Mas, isto depende de um certo sentido de antecipação, de uma postura prática diante de fatos que possam representar ameaças à organização. Inicialmente, pode-se pensar em tudo o que poderia representar uma ameaça à continuidade do negócio. Um marceneiro, por exemplo, poderia se preocupar em listar possíveis fornecedores, caso o seu deixe de fornecer sua matéria-prima. Ou pensar em fazer uma pequena reserva financeira para a manutenção das suas máquinas. Enfim, cada negócio exigirá providências diferentes, mas o espírito da prevenção é o que se deve enfatizar. A organização que pretenda estabelecer um setor que gerencie crises precisa pensar nelas. Providências como a instalação de um Comitê de Crises e Planos de Contingência, são fundamentais para que a atividade possa crescer nos mais diversos setores da organização. Um bom exercício para todos os envolvidos é listar – setor por setor – todos os possíveis problemas e criar planos de contingência para lidar com os mesmos. Alguns tipos de crises não são facilmente listáveis, pois não fazem parte da nossa cultura. Por exemplo, terremotos. Ninguém precisa listar o terremoto como fonte de suas preocupações. Mas, poderia listar – por exemplo – a incapacidade de utilização da planta da empresa. Qual a solução? As atividades poderiam ser transferidas para um outro local? Onde seria? A fabricação, se for o caso, de determinado produto poderia ser contratada? Enfim, o gestor de crises pode ter planos de contingência genéricos, que se preocupem com possíveis efeitos danosos que uma ampla gama de crises possa gerar para a organização.

CONCLUSÃO.

A organização moderna que quer dar os primeiros passos no gerenciamento de crises deve, em primeiro lugar, ver estabelecida esta meta como estratégica, da alta direção.

Em seguida, revisar todas as suas atividades, externas e internas, sob a ótica da legalidade e, efetivamente, corrigir quaisquer desvios neste sentido. O conjunto de leis às quais o mercado é exposto, no Brasil, com certeza não facilita o desenvolvimento desta tarefa. Mas não é um assunto que deva ser relegado a um segundo plano quando se fala na gestão de crises. Geri-las não é fácil... Se a empresa não estiver absolutamente dentro da estrita legalidade é, praticamente, impossível.

Finalmente, os primeiros exercícios da organização devem ser no sentido de mapear as principais crises, ou todas as que podem comprometer a continuidade da atividade-fim da empresa. Com este primeiro mapeamento em mãos, a confecção dos planos de contingência vão se desenvolvendo, até criar uma cultura organizacional propícia ao pleno gerenciamento de crises, com a possibilidade da implantação de todos os demais princípios.

REFERÊNCIAS

FOLHA DE SÃO PAULO. Polícia apreende alimentos com prazo vencido no Credicard Hall.Em 01/07/2004. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u96388.shtml.Acesso em 05/06/2008.

FOLHA DE SÃO PAULO. Presa na PF, dona da Daslu depõe sob suspeita de crimes fiscais. Em 13/07/2005. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u111015.shtml. Acesso: 10/06/2008.

NEVES, Roberto de Castro. Crises Empresariais com a Opinião Pública. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.

SANTOS FILHO, Daniel Reis dos.[et al]. Princípios Organizacionais para o Gerenciamento de Crises. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-Graduação em Gestão de Segurança Empresarial) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2008.

Autor: Herbert Gonçalves Espuny


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