COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL E A SEGURANÇA JURÍDICA



COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL E A SEGURANÇA JURÍDICA

Magda Luiza G. Mereb
Pedro Henrique Gonçalves Barros


Sumário: Introdução; 1. coisa julgada; 2. segurança jurídica; 3. relativização da coisa julgada; 3.1.Coisa julgada inconstitucional e a segurança jurídica; Conclusão

Resumo
Uma das preocupações existente no mundo jurídico é a segurança jurídica nas decisões judiciais, cujo, escopo é preservar o respeito à solução definitiva do litígio. Daí a necessidade da coisa julgada. Todavia, a doutrina tem apresentado inquietação nas hipóteses de a sentença confrontar a Constituição Federal em situações que apresentam grave injustiça ou que contenha vícios, ignorados pela sentença. A relativização, que parte da doutrina defende, relacionada à coisa julgada inconstitucional, refere-se justamente a possibilidade nessas situações de flexibilizar a coisa julgada. Neste contexto, o presente trabalho buscar-se-á para elucidar o tema, algumas divergências doutrinárias que envolvem o tema. Análise pelo qual, será feita através das doutrinárias, artigos de internet e leis, para assim.


Palavras chave: relativização - coisa julgada inconstitucional - segurança jurídica.

Introdução
O ordenamento jurídico promove a segurança jurídica àquele que busca o Estado, para a solução dos conflitos. Entretanto, a sentença proferida pelo juiz não está imune de vícios, uma vez que, o homem, é passível de falhas. É, o instituto da coisa julgada, que objetiva realizar a segurança jurídica nos processos. Todavia, o direito processual civil vem apresentando preocupações, com decisões acobertadas de injustiça e, com a efetividade da tutela jurisdicional. Essas decisões judiciais consideradas injustas, ou que apresentam vícios, ao confrontar a Constituição Federal, por serem também atingidas pela coisa julgada, considera a doutrina em intensos debates, que é coisa julgada inconstitucional.
Para entender o instituto da coisa julgada no sentido amplo, o presente estudo buscar-se-á conceitos de coisa julgada, segurança jurídica, relativização e ainda, exemplos de sentenças atingidas pela coisa julgada, consideradas inconstitucionais. Todavia, enseja o presente trabalho, analisar a importância da relativização da coisa julgada inconstitucional, diante dos problemas suscitado em torno da importância da segurança jurídica nas decisões judiciais. Para tanto, o método bibliográfico-descritiva, será utilizado para a pesquisa.

1. Coisa julgada
Eurico Túllio Liebman, considerou o instituto da coisa julgada uma qualidade especial de que se revestem os efeitos, tornando-os imutáveis, em benefício da estabilidade da tutela jurisdicional. Para Liebman, além de distinguir os mesmos efeitos da sentença conforme sua natureza: declaratória, constitutiva ou condenatória, são eles produzidos independentemente do trânsito em julgado. Dessa forma, sedimentava-se a afirmação de sua tese, que a coisa julgada é algo que em certo momento, se junta aos efeitos da decisão, aumentando-lhes a estabilidade ou, conferindo-lhes perenidade.(RAMOS, 2007, p. 23).
Na realidade do Código do Processo Civil, a definição de coisa julgada ainda é imprecisa e deficiente, uma vez que vários autores divergem sobre o tema.
Divide-se a coisa julgada em formal e material. A formal refere-se, a indiscutibilidade da decisão judicial verificada dentro do processo. Já a coisa julgada material, por seu turno, só ocorre nas sentenças de mérito e seus efeitos repercutem fora do processo. É a qualidade que torna imutável o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (art. 467, CPC; art. 6°, § 3°, LICC). A coisa julgada material é um efeito especial da sentença transitada formalmente em julgado.(JUNIOR NERY, 2007, p. 38)
O Código de Processo Civil denomina a coisa julgada material, a eficácia que torna imutável a sentença de mérito, sem possibilidade de recurso ordinário ou extraordinário. Esse entendimento que se alcança por coisa julgada, impede que posteriormente a matéria venha a ser novamente discutida. Tal instituto evita que os conflitos se prolonguem por tempo indeterminado, proporcionando segurança à sociedade. Pois, com vistas à realização do interesse geral, não interessa ao Estado, que os conflitos venham a perenizar.
A coisa julgada material é de tamanha importância, que constitui garantia proclamada na Constituição Federal, art. 5°, XXXVI. Expressa a Carta Magna, a necessidade de estabilidade das decisões judiciais, vistas como atos de positivação do poder, motivo pelo qual, há sentido em garantir a sua imodificabilidade diante do Legislativo, e mais evidente ainda, a imprescindibilidade de se tutelar a sua irretroatividade em relação ao judiciário( MARINONE , 2008, p. 68).
Desta feita, a função da coisa julgada é a de proporcionar a segurança jurídica nas relações processuais. Exercendo a função positiva, a coisa julgada estabiliza os efeitos da sentença, projetando-os indefinidamente para o futuro. Exercendo sua função negativa, a coisa julgada impede o Poder judiciário de se manifestar sobre o que já foi decidido(RAMOS, 2007, p. 44).

2. Segurança jurídica
O problema da justiça da decisão é em última análise, reflexo da falibilidade humana ou conseqüência da imperfeição do sistema judiciário. A paz social, entretanto, se funda na vontade de todos em viver numa sociedade que lhes assegure, e faça valer os direitos reconhecidos nas relações jurídicas que o Estado tem o dever de tutelar.
É função precípua da jurisdição, solucionar de forma definitiva os litígios. Para que seja cumprida esta função satisfatória, o ordenamento jurídico precisa conter mecanismos de estabilidade das relações jurídico-processuais, permitindo que as decisões, presentes certos pressupostos adquiram certeza e definitividade. Por isso a legislação processual prevê que, quando não caiba mais recurso ordinário ou extraordinário, a sentença se torna indiscutível, ou seja, transita em julgado. Se não fosse assim, as relações jurídicas discutidas no processo seriam eternamente incertas(RAMOS, 2007, p. 43).
O instituto da coisa julgada, no entanto, é a manifestação do princípio da segurança no âmbito das relações jurídico-processuais. Isto porque a eficácia e a utilidade da função jurisdicional do Estado e a segurança das relações jurídicas, exigem que o julgamento do litígio apresentado ao Poder Judiciário se torna inalterável e obrigatório, essa exigência só pode ser validamente atendida pelos órgãos estatais encarregados de entregar a prestação jurisdicional através do instituto da coisa julgada(RAMOS, 2007, p. 50). Assim, para a concretização do Estado de Direito é indispensável o princípio da segurança jurídica.
No plano objetivo, a segurança jurídica recai sobre a ordem jurídica objetivamente considerada, aí importando a irretroatividade e a previsibilidade dos atos estatais, assim como ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada no mencionado art. 5°, XXXVI, CF(MARINONE, 2008, p.66). Enquanto instituto jurídico, coisa julgada tutela o princípio da segurança em sua dimensão objetiva, deixando claro que as decisões judiciais são definitivas e imodificáveis. Por outro lado, este instituto garante ao cidadão que nenhum outro ato estatal poderá violar a decisão que definiu o litígio. Pode-se dizer que sem a segurança da coisa julgada material não há Estado de Direito(MARINONE, 2008, p. 68). É a garantia da coisa julgada que ampara, relativamente às decisões judiciais, a segurança das partes, da sociedade e do próprio Poder Judiciário(MARINONE, 2008, p. 69).

3. Relativização da coisa julgada
O direito processual civil tem apresentado preocupações com a justiça das decisões e com a efetividade da tutela jurisdicional. Daí surge entre os processualistas o seguinte questionamento: se, a coisa julgada como instituto processual realizador de segurança jurídica no processo, deve, mesmo que injustas, imunizar os efeitos de todas as decisões transitadas em julgado? Para aproximar de uma possível resposta a tal questionamento, é necessário analisar argumentos que justifiquem a imunização dos efeitos da sentença, e, a flexibilidade dos efeitos para certas decisões.
Alguns doutrinadores, contrários à relativização da coisa julgada, sustentam que é impossível voltar a discutir uma decisão transitada em julgada. Afirma que o instituto é uma garantia constitucional. Afirmam ainda, que há obstáculos estabelecidos pela lei processual, quando o art. 471 e 474 do CPC disposto, impede que qualquer juiz, após o trânsito em julgado da sentença, aprecie questões já resolvidas "relativas à mesma lide", ou que em processo posterior aprecie o que já foi deduzido, ou o que poderia ter sido(CÂMARA, 2007, p. 492).
Aqueles que defendem a tese da relativização da coisa julgada, sustenta que em alguns casos é necessário reconhecer a possibilidade de afastar a coisa julgada, independentemente de ajuizar "ação rescisória". Uma vez que, a coisa julgada não pode subsistir diante de graves injustiças. No entanto, salienta Alexandre Câmara que a injustiça não é fundamento suficiente para a relativização da coisa julgada. Da mesma forma, segue o pronunciamento de processualistas alemães contemporâneos:
Já que a intangibilidade da declaração transitada em julgado não pode ser aplicada sem excepções. Questiona-se sob que pressupostos pode ser admitida a ofensa da coisa julgado. Não é permitida a revogação ou alteração da sentença por simples incorrecção. Senão, bastaria a simples afirmação da incorrecção para impugnar qualquer sentença com transito em julgado e, assim, poderia repetir-se, novamente, qualquer processo findo. A parte vencedora no processo anterior seria forçada a discutir sempre de novo com a parte contrária e apenas seriam decisivos a obstinação e o poder financeiro, quando a calma chegasse. Desse modo, o caso julgado perderia o significado(CÂMARA, 2007, p. 493).

Significa dizer, que não pode simplesmente a parte vencida voltar ao juízo alegando injustiça ou erro na sentença transitada em julgado, para admitir o reexame do que ficou decidido. Caso admitisse tais alegações, o conceito de coisa julgada perderia o sentido, pois, eis que a parte vencida poderia fazer ressurgir a discussão da matéria já decidida, permitindo a qualquer juiz reapreciar a matéria. Desta forma, a garantia de segurança e estabilidade representada pela coisa julgada, desapareceria(CÂMARA, 2007, p. 493).
Assim, só seria possível desconsiderar a coisa julgada quando a mesma tenha incidido sobre uma sentença inconstitucional.
Contrários a essa posição, há doutrinadores que sustenta a necessidade de "relativizar" ou "flexibilizar" a coisa julgada, ou seja, permitir que sentenças transitadas em julgado possam ser revisadas, em certas situações, mesmo depois de esgotado o prazo para a propositura de ação rescisória(RAMOS, 2007, p. 70)
A proposta da relativização da coisa julgada, envolve em síntese, os casos de decisões que contém injustiças intoleráveis e, os casos de decisões que possuem vício de inconstitucionalidade, ou seja, coisa julgada inconstitucional.
O jurista Candido Rangel Dinamarco, um dos defensores à relativização da coisa julgada, se preocupa com o princípio da justiça das decisões. Adverte Dinamarco: o processo civil moderno deve ser ao mesmo tempo célere e justo. Deve ainda, equilibrar tais valores, criando mecanismos que assegurem uma rápida prestação jurisdicional, conferindo garantias de um julgamento conforme o Direito. Finalizando, propõe o jurista, "(a) que a garantia da coisa julgada não pode ir além dos efeitos a serem imunizados, e, (b) que dela deve ser ponderada frente às demais garantias constitucionais e aos instrumentos jurídicos voltados à produção de resultados justos". Portanto, para o estudo da coisa julgada, exigiria uma visão equilibrada do instituto, inerente ao binômio justiça-segurança(DINAMARCO, 2003, p. 13).
Destaca, Dinamarco as ponderações, especialmente nos casos de injustiça intolerável.
Um óbvio predicado essencial à tutela jurisdicional, que a doutrina moderna alcandora e realça, é o da justiça das decisões. Essa preocupação não é apenas minha: a doutrina e os tribunais começam a despertar para a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto-técnico processual da coisa julgada, na consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas. (RAMOS, 2007, p. 74).

Para Dinamarco há uma necessidade de balancear a celeridade (certeza) e a ponderação (justiça). Ele reconhece que a coisa julgada é uma garantia constitucional. Mas em função da necessidade de interpretação sistemáticas dos princípios e garantias processuais, devido a exacerbação do valor da coisa julgada e das preclusões, a dano do indispensável equilíbrio, devem ser tratadas, as duas exigências contrastantes do processo. Conclui que após ressaltar essa necessidade de interpretação evolutiva e sistemática do processo, é a de que a relatividade da coisa julgada é algo inerente à ordem constitucional-processual, dada a imprescindibilidade de convivência harmônica com os demais valores e princípios de igual ou maior grandeza que norteiam o ordenamento(RAMOS, 2007, p. 76).
Alguns autores defendem a possibilidade de desconsiderar a sentença transitada em julgado sem a necessidade da propositura de ação rescisória. Basta pensar no exemplo idealizado por Marinone, em que uma investigação de paternidade, cuja, a sentença transitada em julgada, declarou que o autor não é filho do réu. Todavia, após passar pela inovação do exame de DNA, a paternidade é confirmada. Desta feita, para tornar possível a rediscussão da afirmação da sentença já transitada em julgado, argumenta-se que a indiscutibilidade da coisa julgada não pode prevalecer sobre a realidade, e que assim pode ser possível rever a conclusão formada(MARINONE, 2008, p. 677). Este fenômeno é conhecido como relativização da coisa julgada material.

3.1 Coisa julgada inconstitucional e a relação com a segurança jurídica
A tese da relativização da coisa julgada esbarra no caráter de garantia constitucional atribuído pela Lei Magna, e, de outro, na impossibilidade de admitir-se para a sua acolhida, no contexto do ordenamento jurídico-processual, o exercício amplo de uma querela nullitatis sem previsão legal(MEDINA, 2007, p. 22).
A preocupação com a forma dogmática da coisa julgada residiria não só na hipótese de a sentença trânsita em julgado confrontar-se com a Constituição, mas ainda, em situações de grave injustiça ignorada pela sentença, máxime quando se apura que a sentença fez coisa julgada baseada em prova incompleta(MEDINA, 2007, p. 23). Basta pensar na hipótese já mencionada neste trabalho em relação ao exame de DNA, para efeito de prova da paternidade.
A solução para tais problemas, talvez seja encontrada na delimitação do alcance da coisa julgada, em função da natureza do vício de que padece o ato processual subjacente à sentença(MEDINA, 2007, p. 23.)
No tratado da ação rescisória, cita Medina, que Pontes de Miranda já advertia para a existência de efeitos que afetam as sentenças em si, impedindo-lhes a existência, ou fazendo-as nulas e a todo o tempo. Um desses casos é o que ocorre em processo em que a relação jurídica de direito formal não chegou a completar-se pela falta de citação do réu(MEDINA, 2007, p. 24).
O risco da coisa julgada, não será, pois, encobrir eventuais injustiças que nos fará incrédulo da sua importância e da necessidade de preservá-la. Medina: "de certo modo, a injustiça da parte vencida representa, simbolicamente, o reverso da medalha da coisa julgada". A justiça constitui, acima de tudo, uma aspiração; é raro, por isso, que a parte vencida se conforme com a decisão contrária, ainda quando esgotados todos os recursos cabíveis. Desta forma, é necessário cuidado especial na análise de caso, de situação de grave injustiça, eventualmente afrontada pela sentença que transitou em julgado. Não convém a esse respeito, imaginar hipóteses de difícil ocorrência na intenção de reforçar a relativização da coisa julgada, porque poderá comprometer sem necessidade, a fé no instituto, nem se pode esconder a possibilidade de que uma sentença, reapreciando a causa, venha a suscitar da parte contrária igual sentimento de injustiça(MEDINA, 2007, p. 25).
Por outro lado, o risco da coisa julgada contrapor-se à Constituição, não será maior do que o de admitir-se, seja ela ampla e ilimitadamente questionada, a pretexto de evitar a consagração de inconstitucionalidades. Ao revés, por si só evidência que, na medida em que se flexibiliza a coisa julgada, admitindo sua revisão ante toda e qualquer argüição de inconstitucionalidade, na verdade põe em xeque o princípio da segurança jurídica que ela tem em vista preservar(MEDINA, 2007, p. 26).
Outro problema eminente surge quando uma sentença transitada em julgado ostenta vício de inconstitucionalidade, pelo qual propugna a "relativização" da res judicata. Seria neste caso, a coisa julgada inconstitucional, merecedora de cuidados distintos ao adjudicar à coisa julgada "meramente" ilegal, dada a gravidade maior, representada pela mácula de inconstitucionalidade que a atinge.
Barbosa Moreira sabiamente explica que incondicional pode ser a sentença, mas não a coisa julgada:
salvo engano, o que se concebe seja incompatível com a Constituição é a sentença (lato sensu): nela própria, e não na sua imutabilidade (ou na de seus efeitos, ou na de uma e outros, é que se poderá descobrir contrariedade a alguma norma constitucional(RAMOS, 2007, 92).

Neste mesmo sentido complementa Eduardo Talamini:
A coisa julgada é apenas a qualidade de imutabilidade que recai sobre o comando contido na sentença. Não se confunde com o próprio conteúdo da sentença, com seus fundamentos ou sequer com seu decisum. Portanto, quando se alude a "coisa julgada inconstitucional", tem-se em vista uma "inconstitucionalidade" que reside na própria sentença: está pressuposta ou situada no decisum, ou dele é reflexo - e a coisa julgada só faz perpetuar esse comando. A rigor, trata-se de "sentença inconstitucional revestida de coisa julgada(JUNIOR NERY, 2007, p. 92).

A inconstitucionalidade de um ato se reduz a uma redação de validade: se o ato estiver de acordo com a Constituição Federal, será válido, caso contrário, será invalido, nulo de pleno direito. O princípio da constitucionalidade resume a idéia, de respeito incondicional à ordem constitucional vigente.
A expressão "coisa julgada inconstitucional" pode ser resumida de forma genérica, a idéia de decisão judicial transitada em julgado que acoberta uma violação à Constituição. Eduardo Talamini resume as várias hipóteses: quando a sentença é amparada na aplicação de norma inconstitucional; quando a sentença é amparada em interpretação incompatível com a Constituição; quando amparada na indevida afirmação de inconstitucionalidade de uma norma; sentença amparada na violação direta de normas constitucionais ou cujo dispositivo viola diretamente normas constitucionais; sentença que, embora sem incidir em qualquer das hipóteses anteriores, estabelece uma situação diretamente incompatível com os valores fundamentais da ordem constitucional(JUNIOR NERY, 2007, p. 96).
É preciso lembrar, que a coisa julgada está sujeita ao controle da constitucionalidade, assim como, os atos do Poder Judiciário, como todos os atos de todos os poderes. O nosso ordenamento jurídico adota a possibilidade da existência de sentenças inconstitucionais quando instituiu o Recurso Extraordinário previsto no art. 102, III, da CF/88. Quando, a sentença ofender a Constituição Federal, enseja-se o referido recurso, dirigida ao Supremo Tribunal Federal. Mesmo quando a decisão de mérito estiver transitada em julgado, poderá ainda ser impugnada por ação rescisória, dispõe o art. 485, CPC(RAMOS, 2007, p. 98). Passado o prazo de dois anos para exercer-se o direito de rescisão de decisão transitada em julgado, não é mais possível fazer o controle judicial da constitucionalidade(JUNIOR NERY, 2007, p. 46)
Assim, não é permitido, a qualquer tempo da discussão de lide acobertada por sentença transitada em julgado, a reabertura, ainda que sob pretexto, de que a sentença seria inconstitucional. O controle de constitucionalidade dos atos jurisdicionais do Poder Judiciário existe, mas deve ser feito de acordo com o devido processo legal.(JUNIOR NERY, 2007, p. 47).
Porquanto, à sentença transitada em julgado que eventualmente contém vício de inconstitucionalidade, não pode ter o mesmo tratamento da lei ou ato normativo inconstitucional. Uma vez que o ato é norma de interesse geral e, a sentença é lei de caráter e interesse particular, cuja situação peculiar e particular das partes é examinada depois das discussões e do exame de todos os argumentos que pode ser utilizado no processo, de forma que se consubstancia em norma particular especialíssima. Seu controle de constitucionalidade, por isso, não pode limitar-se no conteúdo e no tempo(JUNIOR NERY, 2007, p. 47).
Para Alexandre Câmara, pode acontecer de uma sentença inconstitucional, transitar em julgado. Inclusive, como exemplo de sentença inconstitucional, aquela que permite em uma sociedade empresária que em má situação econômica, deixe de pagar o décimo-terceiro salário de seus empregados como forma de viabilizar a recuperação da empresa.
Não é razoável, porém, admitir que ao transitar em julgado a sentença inconstitucional, estaria ela a salvo de qualquer controle de constitucionalidade. "Aceitar tal tese, implicaria admitir que o juiz tivesse um poder que ninguém mais possui: o de, por ato seu, modificar a Constituição da República, ou até mesmo o de afastar a incidência de norma constitucional em dado caso concreto"(CÂMARA, 2007 , p. 494).
Por conta disso, existe a possibilidade de relativização da coisa julgada, em casos que tal autoridade incida sobre sentença que ofenda a Constituição da República. Alexandre Câmara sustenta ainda, a desconsideração da coisa julgada material. Desconsiderar a existência da sentença transitada em julgado em dado caso concreto, julgando-se nova causa, como se aquela decisão não existisse(CÂMARA, 2007 , p. 494.).

Conclusão
Diante desta querela, é impossível fechar os olhos à realidade de que o Código de Processo Civil vem passando por um processo de reforma e, cujas feições definitivas ainda não amadureceu em certos aspectos.
A pretensão do ordenamento jurídico é assegurar a todos, os meios necessários para que em uma relação jurídica processual, as partes possam se defender da melhor maneira possível. Ciente de que o direito é aplicado por homens e, consciente de sua falibilidade, o ordenamento jurídico prevê diversos remédios processuais para corrigir os erros ou injustiças das decisões judiciais.
Para assegurar que as decisões judiciais, seja, a mais justa possível, a lei se protege de todos os meios prováveis. Porém, pode ocorrer que o juiz venha decidir a lide de forma contrária e, mesmo que a parte prejudicada interponha recurso, a decisão injusta permanece. É nesse contexto que surge a expressão coisa julgada inconstitucional.
Este instituto é formado por um grupo de sentenças juridicamente inconstituciais, seja porque padecem de um grave defeito intrínseco que as desfigura como sentença, que compromete sua natureza de ato sentencial, ou porque herdaram certos vícios do processo em que foram prolatadas.
Diante de um direito moderno e dinâmico, podemos dizer a necessidade de equilibrar flexibilizar decisões judiciais, sempre observando o peso dos princípios que rege a Constituição. Desta forma, não seria conveniente - com o devido respeito à segurança jurídica - diante dos direitos individuais, conferir a perpetualização de sentenças consideradas injustas. Não podemos ignorar que diante do caso concreto, as sentenças que carregam algum tipo de inconstitucionalidade não podem permanecer no mundo jurídico.






Referência
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ª ed. ver. e atual., Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris: 2007.

DINAMARCO, Candido Rangel. "Relativizar a coisa julgada material". In: Revista de Processo. São Paulo: RT, n° 109, jan.-mar. 2003.

JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª ed. ver., atual. e ampl. ? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MARINONE, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in) constitucionalidade do STF sobre coisa julgada; a questão de relativização da coisa julgada. ? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

MARINONE, Luiz Guilherme. Processo de conhecimento. 7. ed. ver. e atual. 2. tir. ? São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008.

MEDINA, Paulo Roberto Gouvêa. Coordenadora: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Coisa julgada: garantia constitucional. Repro. 146, ano 32. abril. Ed. Revista de Processo. 2007.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Coisa julgada inconstitucional: a função da coisa julgada; a doutrina da relativização; o art. 741 parágrafo único do CPC; a coisa julgada tributária. Ed. Podivm. : Salvador- BA, 2007.



Autor: Pedro Barros


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