PROJETO ATEMS: OS ZOOTOPÔNIMOS DE ORIGEM INDÍGENA DAS MICRORREGIÕES DE CASSILÂNDIA, PARANAÍBA E TRÊS LAGOAS - ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL.
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios alcançados pela memória humana, a nomeação é uma atividade exercida pelos homens com o objetivo de demarcarem o espaço por eles ocupado. Nesse processo, os nomeadores utilizam tanto os fatores físicos como os sociais e, assim, nomeiam a superfície terrestre por onde se locomovem. Utilizam-se desse processo designativo por questões de localização e também de organização. Desse modo, o denominador resgata nessa atividade os aspectos da fauna, da geologia, da morfologia do local, da flora, da história e da cultura da região a ser nomeada.
O processo de batismo dos acidentes geográficos faz parte de uma disciplina lingüística denominada Toponímia que costuma ser definida como a disciplina em que se pesquisam os nomes próprios de lugares e que faz parte de outra disciplina mais ampla: a Onomástica- subdividida em Antroponímia ? estudo dos nomes próprios de pessoas e Toponímia.
O pioneiro em investigar a toponímia de base indígena no Brasil foi Levy Cardoso ao pesquisar a toponímia indígena na Amazônia. Mais tarde, Theodoro Sampaio realizou um trabalho sobre os topônimos originados da língua Tupi presentes no território brasileiro. Nessa mesma linha, Drummond investigou a toponímia indígena dos Bororo.
A principal característica da Toponímia é o seu caráter integral e interdisciplinar, o que possibilita o estudo de uma determinada realidade social, desvendando sua cultura, seus hábitos e seus interesses. Para Dick (1998: p. 8), "a Toponímia é o estudo dos designativos geográficos em sua bipartição física (rios, córregos, morros) e humana (aldeias, povoados, cidades, fazendas)". Nesta pesquisa, estudaremos os zootopônimos de origem indígena das microrregiões de Cassilândia, Paranaíba e Três Lagoas, pertencentes à Mesorregião do Leste de Mato Grosso do Sul presentes no banco de dados do projeto ATEMS.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Toponímia é uma das disciplinas da Linguística que mais demonstra a relação existente entre língua-cultura-sociedade, pois se ocupa da origem dos nomes de lugares, de suas relações com a língua do país, com as línguas de outros países ou com línguas desaparecidas. Para Dick (1992), "o aspecto da motivação toponímica transparece em dois momentos: primeiro na intenção do denominador e a seguir no significado que a denominação revela".
É difícil delimitar o campo de trabalho ou o objeto específico de estudo da Toponímia. As informações retiradas dos vários significados de um nome fazem da toponímia uma disciplina ampla, por isso não podemos situá-la em apenas um determinado ramo do conhecimento humano. Ou seja, em Toponímia, há a mistura de diversas ciências ou de disciplinas correlatas.
Ao reconhecermos a Toponímia como uma parte do patrimônio lexical de uma língua e o léxico como o nível da língua que mais reflete a história de um povo, suas lutas, suas crenças e expectativas, buscamos subsídios em Sapir (1969: p. 20) quando o autor escreve que
(...) a trama de padrões culturais de uma civilização está indicada na língua em que essa civilização se expressa. A linguagem é um guia para a "realidade social". Embora em regra não se considere de essencial interesse para os estudiosos de ciência social, é ela que poderosamente condiciona todas as nossas elucubrações sobre os problemas e os processos sociais. Não há duas línguas que sejam bastante semelhantes para que se possa dizer que representam a mesma realidade social.
Objetivamos, nesta pesquisa, arrolar nuanças da vida sócio-lingüístico-cultural do enunciador/designador na utilização de zootopônimos de base indígena na toponímia da região pesquisada.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os topônimos a serem analisados serão extraídos do banco de dados do Projeto ATEMS .
OBJETIVO
O nosso objetivo é estudar os zootopônimos de origem indígena na toponímia das microrregiões de Cassilândia, Paranaíba e Três Lagoas, integrantes da Mesorregião do Leste de Mato Grosso do Sul registrados na base do banco de dados informatizado do Projeto ATEMS. Pretendemos, com este estudo, demonstrar a relação existente entre língua-cultura-sociedade. Na classificação dos topônimos, usaremos o modelo taxionômico sugerido por Dick (1992) por consideramos este modelo o mais voltado à realidade brasileira.
O MODELO TAXIONÔMICO DE DICK
A proposta de classificação dos topônimos de Dick é formulada a partir da repartição do topônimo em duas ordens de conseqüência: a física e a antropo-cultural e dentro delas há outra repartição que é particularidade do topônimo, ou seja, "através de uma terminologia técnica, composto do elemento ?topônimo?, antecedido do elemento genérico, definidor da respectiva classe onomástica" (Dick, 1992: p. 26).
A) TAXIONOMIAS DE NATUREZA FÍSICA:
1. Astrotopônimos: topônimos que se referem aos corpos celestes: Córrego Novo Mundo ? AF/I
2. Cardinotopônimos: topônimos referentes às posições geográficas: Córrego da Divisa ? AF/P.
3. Cromotopônimos: topônimos relativos à escala cromática: Córrego Amarelo ? AF/TL.
4. Dimensiotopônimos: topônimos referentes às características dimensionais dos acidentes geográficos, como extensão, comprimento, largura, espessura, altura, profundidade: Córrego Comprida ? AF/P.
5. Fitotopônimos: são os topônimos originados do nome de um vegetal: Córrego do Palmito - AF/CA.
6. Geomorfotopônimos: topônimos referentes às formas topográficas, elevações ou depressões do terreno: Córrego Morro Alegre - AH/TL.
7. Hidrotopônimos: topônimos originados de acidentes geográficos em geral - elemento água - : Salto Água Fria ? AF/CR.
8. Litotopônimos: são os topônimos originados de minerais e os relativos à constituição do solo: Ribeirão Pedra Branca ? AF/CH
9. Meteorotopônimos: topônimos relativos a fenômenos atmosféricos: Córrego do Vento ? AF/B.
10. Morfotopônimos: topônimos que refletem o sentido da forma geométrica: Distrito Baús ? AH/CR.
11. Zootopônimos: topônimos de índole animal: Córrego Onça ? AF/AC.
B) TAXIONOMIAS DE NATUREZA ANTROPO-CULTURAL
1. Animotopônimos ou Nootopônimos: topônimos relativos à vida psíquica e à cultura espiritual: Salto da Alegria ? AF/CA
2. Antrotopônimos: topônimos relativos aos nomes próprios individuais: Córrego Gonçalves ? AF/AC.
3. Axiotopônimos: topônimos que se referem aos títulos e dignidades que acompanham os nomes próprios: Córrego Dr. Thomás ? AF/SE.
4. Corotopônimos: topônimos relativos aos nomes de cidades, países, estados, regiões e continentes: Guadalupe do Alto Paraná ? AH/TL.
5. Cronotopônimos: topônimos que encerram indicadores cronológicos como novo/nova, velho/velha: Distrito de Nova Jales ? AH/P.
6. Ecotopônimos: topônimos referentes às habitações de um modo geral: Córrego Tapera - AF/P.
7. Ergotopônimos: topônimos referentes aos elementos da cultura material: Córrego Fogão- AF/CA.
8. Etnotopônimos: topônimos referentes aos elementos étnicos: Córrego dos Índios - AF/B.
9. Dirrematotopônimos: topônimos construídos por meio de frases: Córrego Acaba Roupa ? AF/P.
10. Hierotopônimos: topônimos referentes aos nomes sagrados, às efemeridades religiosas, aos locais de culto: Córrego Anjo da Guarda ? AF/TL. Podem apresentar duas subdivisões: a) hagiotopônimos: topônimos que se referem aos santos e santas do hagiologio romano: Ribeirão São Pedro ? AF/B; b) mitotopônimos: topônimos referentes às entidades mitológicas: Córrego Tamandaré ? AF/CA.
11. Historiotopônimos: topônimos que se referem aos movimentos de cunho histórico-social, aos seus membros ou ainda às datas correspondentes: Córrego 7 de Setembro - AF/TL.
12. Hodotopônimos: topônimos relativos às vias de comunicação: Córrego Passagem Boa ? AF/AT.
13. Numerotopônimos: topônimos relativos aos adjetivos numerais: Ribeirão das Três Barras ? AF/AT.
14. Poliotopônimos: topônimos constituídos pelos vocábulos vila, aldeia, cidade, povoação, arraial: Córrego da Aldeia ? AF/B.
15. Sociotopônimos: topônimos relacionados às atividades profissionais, aos locais de trabalho e aos pontos de encontro dos membros de uma comunidade: Córrego do Acampamento ? AF/SR.
16. Somatopônimos: topônimos empregados em relação metafórica à partes do corpo humano ou do animal: Córrego Cangalha - AF/AC.
REFERÊNCIAS
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CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi. São Paulo: Melhoramentos, 2001.
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DARGEL, Ana Paula Tribesse Patrício. Entre Buritis e Veredas: o desvendar da toponímia do Bolsão sul-mato-grossense. (Dissertação de Mestrado). Três lagoas, UFMS, 2003.
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DRUMOND, Carlos. Contribição Bororo à toponímia brasílica. São Paulo: ed. da USP, 1965.
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NASCENTES, Antenor. O linguajar carioca. Rio de janeiro: Organização Simões, 1953.
SAMPAIO, Theodoro. O Tupi na geografia nacional. Bahia: Secção Graphica da Escola de Aprendizes Artificies, 1928.
SAPIR, Edward. Língua e ambiente. In: A lingüística como ciência. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1969, p. 43-62.
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Autor: Simone Valentim
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