O Acusado



Seria um dia comum para Eduardo, não fosse a sua imagem no jornal local da pequena cidade de 20 mil habitantes. Todas as manhãs no mesmo horário o despertador o acordava apressado, e como um ritual monótono, em questão de minutos estava a caminho do trabalho. A prefeitura onde trabalhava por dez anos desta vez não o esperava, as noticias a seu respeito seriam comentadas ainda por muito mais tempo pelos corredores estreitos. As pilhas de papeis esperavam em cima da mesa, mesa que por tanto tempo fora a única testemunha dessas mesmas conversas que agora se dissipavam entre as salas apertadas, e que resignado Eduardo apenas concordava aparentando completo desinteresse. Secretario administrativo era o cargo de que tanto se orgulhava, graças ao concurso publico realizado há tempos tornara-se efetivo e embora detestasse os colegas de trabalho aguardava ansiosamente a aposentadoria. Pelas ruas qualquer um o conhecia e cumprimentava. Aos sábados, antes mesmo dos sinos soarem, vestia sua melhor roupa e com sua esposa ao lado se encontrava com o restante da cidade na igreja católica localizada na praça central. Sua esposa Elisa, era professora de geografia, haviam casado ainda na época do colégio, as fotografias envelhecidas mostravam o entusiasmo nos olhos do casal que agora da fotografia compartilhava apenas o mesmo aspecto envelhecido e desgastado pelo tempo.
Elisa enrubescida olhava o noticiário do meio dia, pensava desesperada no que comentariam os vizinhos, as outras professoras da escola e os seus pais, naquele dia a vergonha tomou-lhe por inteira, e insegura como uma menina, ela fez as malas e foi embora.
Chegando em casa Eduardo avistou um bilhete com letras borradas em cima da mesa da cozinha. Em poucas palavras descrevia a vergonha e a impossibilidade de continuar naquela mesma casa, e até mesmo na mesma cidade.
Ele, por sua vez sentiu-se a princípio aliviado, satisfeito por não ter que ouvir mais as mesmas reclamações que Elisa disparava a ele e a todos a sua volta, mas bastaram alguns dias para que Eduardo sentado no chão do quarto chorasse sozinho.
O que aos olhos de um inocente poderia ser uma qualidade admirável, aos olhos espertos do prefeito e seus companheiros de campanha era apenas um risco para seu mandato, por ironia de todos os princípios gritados nos comícios, a honestidade seria responsável pelo escândalo que se daria por vir a se espalhar como uma praga pelas bocas indignadas da cidade. Passava por Eduardo o orçamento de todas as obras, projetos e qualquer que fossem as despesas da prefeitura, assim uma armadilha fora armada com perfeição, e Eduardo sem desconfiar viu-se no dia seguinte na capa do jornal, no telejornal, e até mesmo nas rádios da região. Constrangido e humilhado, por justa causa fora demitido, restando-lhe apenas apanhar alguns pertences de sua sala, nada além de um porta-retratos empoeirado, os óculos de lente da gaveta e uma chave.
Em poucos dias o cargo passou a ser ocupado por um amigo de confiança do prefeito, e ele esperando o próximo telefonema de algum familiar em busca de explicações, alguns nem mesmo aguardavam o "alô" quase mudo de Eduardo e começavam com as acusações e repreensões.
Depois de algum tempo as pessoas desviavam o olhar de si, e de todos os amigos agora podia contar em uma mão os que permaneciam. Quando ia a igreja só recebia olhares arrogantes, alguns acompanhados de um sorriso de satisfação e maldade. Percebeu então que a vida toda fora acusado, e embora sem culpa sempre acatou em silencio a quaisquer acusações. Nunca havia sido diferente, pensou consigo. Sempre viveu em torno de mentiras, sempre se sacrificou por medo dos comentários que agora lhe deferiam sempre se privando da própria vida em detrimento da imagem e do nome que inutilmente tentou suportar.
Quando andava agora calmamente observando aos que por ele passavam via-se em cada um deles, vestidos de hipocrisia pareciam programados e predestinados a uma vida igual, sustentando uma mascara pesada demais para ele agora.
Sorria com o que acabara de viver, sorria como um cego a enxergar pela primeira vez, finalmente quis viver e quis andar com os próprios pés, sonhar com os próprios desejos, finalmente apanhou a vida para si, e o peso das culpas que não lhe cabiam por fim foi deixado, ele estava liberto da vida dos outros, podia nitidamente respirar um ar diferente, todas as sensações pareciam ser sentidas pela primeira vez, se sentia vivo, e se sentia seu.
As acusações lhe soavam como elogio, jamais deixaria que vivessem a sua vida novamente, não se preocupava com aquelas pessoas pequenas, aliás, tão pequenas eram que não podia ver-lhes mais.
Lembrou-se de Elisa, provavelmente perdida entre aplausos e vaias de uma plateia sem rosto, dos vizinhos, amigos, colegas... Quis faze-la ver, mas somente ela sabia a direção pela qual direcionar seus olhos. Pensou em provar sua inocência, mas por si já havia há tempos sido absolvido, entendeu tardiamente que os cegos nunca o veriam, no máximo poderiam o ver como um reflexo do que eram como a própria sombra distorcida que os segue.
Eduardo sabia que toda acusação era por uma culpa da qual sentia orgulho, ele era feliz.











Autor: Scheila Zini


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