O falecido que não morreu



Com 11 ou 12 anos, tinha inúmeros amigos, o que é normal. Jogávamos bola, queimada, vôlei, e muitas outras coisas. Isso numa rua do Rio de janeiro, e era muito raro passar um automóvel, mesmo porque, carro ainda era coisa rara naquela época, mas quando passava, em um jogo de
vôlei, parava-se de jogar para o carro passar e alguns levantavam a rede e ao mesmo tempo, o motorista, instintivamente abaixava a cabeça, isso ocorria sempre, ... como se precisasse!
Isto acontecia nas tardes e todos os dias à tarde. Lá pelas 21 ou 22hs, muitos se retiravam e outros mais atrevidos e desobedientes aos pais ficavam conversando a beira do meio fio da calçada em papos memoráveis. Devo dizer que com minha pouca idade, tinha amigos de idade superior. E um
desses amigos, que era amigo de todos, tinha uma característica altamente positiva: era muito alegre e sempre tinha piadas, que poderiam não ser tão engraçadas, mas ele as fazia cômicas. Considerava-o um verdadeiro comediante. De fatos reais e trágicos, ele não queria saber o que
poderia ocorrer, ia em frente. Um dia ele recebeu a notícia que seu irmão mais novo, havia sofrido um acidente de carro, em um local chamado Parada de Lucas. O caso era grave e já tinha sido transportado para o pronto socorro, Salgado Filho ? no Méier, onde morávamos. Houve um pânico geral e já se sabia que ninguém poderia entrar na sala de emergência, por motivos óbvios e tínhamos que aguardar um posicionamento do médico. Meu amigo, para espanto de todos, disse: mas eu vou entrar! Ficamos todos na porta do hospital, eis que de repente surge meu Amigo todo vestido de branco de cima abaixo. Com Autoridade, firmeza, sem olhar para ninguém, entrou no hospital, na sala de emergência e deparou com seu irmão que se chamava Luíz Carlos que tinha o apelido de Luca. (local onde sofreu o acidente) mas quando olhou para o Luca todo ensanguentado e com o queixo deslocado, até a altura do pescoço, só teve uma reação: desmaiou instantaneamente. Os médicos perceberam que ele era intruso e o levaram para fora do hospital. Houve apenas deslocamento do queixo e algumas escoriações, mas ficou Tudo bem!
Nós tínhamos uma família vizinha. Eram espanhóis e estavam no Brasil uns dois anos. Era composta do pai, esposa, um casal de filhos e a mãe da mãe, sogra do pai, e mais ninguém. Esta senhora era bem idosa e bem doente. Seu nome era AGUELA. Certo dia chegou a hora da Sra.
Aguela e Ela morreu. Quando recebemos a notícia, por volta de 23hs, ela já se encontrava na capela do cemitério de Inhaúma em Pilares. Meu amigo argumentou: _ estou com pena dessa
família porque são só eles. Não tem parentes, amigos. Será que não está na hora de fazermos alguma coisa? _ Essa hora? respondi. _ Vamos esperar a missa de sétimo dia, ironizou ele. Sua capacidade de fazer graça era tanta quanto a sutileza de convencer as pessoas. Só que para ir
ao cemitério, embora fosse perto, 45 minutos a pé, pois não tínhamos carro, e naquela hora não
tinha condução. Vamos então, disse eu, dar a nossa solidariedade à família.
Quando chegamos no cemitério, haviam várias capelas ocupadas e encontramos a da Sra. Aguela. Percebemos, ao entrar, que só tinham aquelas pessoas mencionadas acima. Até pareciam pessoas
conformadas, principalmente a filha da falecida. No entanto, nos chamou atenção o genro que desde que chegamos para os cumprimentos e ainda durante longo tempo, chorava copiosamente,
que nos intrigou. Será que está chorando a perda da Sogra ou está chorando de alegria? Meu amigo então determinou, vamos averiguar. Haviam alguns bancos soltos que foram colocados para
fora da capela para podermos conversar sem perturbar a falecida. A conversa começou amena e com isso, o genro se acalmou, embora sempre choramingando.
Meu Amigo tomou a palavra e disse que certa vez foi a um velório, e nele havia um pouco mais de pessoas, não muito mais. Lá pelas tantas, entra na capela um senhor, de meia idade, bem vestido,
com terno passeio completo e com aquele famigerado chapéu de côco. Ninguém conhecia esse sujeito. Espanto geral. O cidadão não cumprimentou ninguém, dirigiu-se ao falecido, tirou o chapéu,
parecendo estar fazendo uma oração, balançou a cabeça negativamente como lamentando o fato.
Dirigiu-se para o fim da capela e ficou o tempo todo em pé, sem que ninguém tivesse a coragem de perguntar a ele se era amigo do falecido ou qualquer outra coisa. O tempo foi passando e o cidadão
ali em pé, estático, olhando para o caixão.
A lanchonete era um pouco distante da capela e todo mundo queria fazer um lanche, tomar um café. Todos ao mesmo tempo resolveram fazer isso e quando o último que deixou a capela falou ao senhor
que iriam a lanchonete e se ele não iria se ausentar do local. Prontamente o cidadão disse que poderiam ir tranqüilo que ele ficaria ali um bom tempo. Quando todos já tinham tomado uma boa distância, eis o que ocorreu.
O falecido estava na posição tradicional com as mãos postas e expostas. E via-se no dedo um anel de brilhantes que deveria custar uma fortuna. O homem olhou para uma lado e outro, pegou um canivete possante e cortou o dedo do falecido para pegar o anel. Quando o sangue jorrou, o falecido
se ergueu e o homem levando maior susto, saiu correndo da capela para o cemitério. Atrás dele vinha o falecido, com o corpo cheio de flores e no caminho inverso as pessoas que tinham ido fazer um lanche. O defunto gritava para o ladrão: ei espere um pouco...o ladrão corria para todos lados
alucinado e a família e os poucos amigos gritando: fulano, você está morto volta para o caixão. Nisso aparece uma patrulha e o ladrão se joga dentro da viatura pedindo aos policiais que o
prendessem e salvassem porque tinha um defunto correndo em sua direção. Todos foram para a delegacia para maiores esclarecimentos. Então ficou constatado que o falecido não estava morto.
Sofria de uma doença que não é tão rara (por isso o velório levar 24hs) e quando o ladrão cortou o dedo do suposto falecido, o sangue jorrou provocando a circulação do sangue e ele voltou a viver.
Uma coisa neste caso não ficou clara. Nem o dedo e muito menos o anel de brilhantes, até hoje,cinqüenta anos depois, se teve notícia. A segunda coisa é que depois do meu Amigo acabar de fazer esse relato, o Genro de Dona Aguela, Ria, mas Ria Muito. E até hoje também não sabemos se no
ínicio, ela chorava copiosamente de tristeza da morte da sogra ou de alegria. Vai se lá saber!

Autor: Isaac Tapajós


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