Novas Lembranças



O nefasto e impiedoso sono daquela noite solitária manifestava o prenúncio, ainda confuso, de um sonho que vinha a mim sem pedir ao menos licença: acordei assustado. Faltara-me coragem para confessar que estava angustiado e triste; minha respiração já não obedecia aos ritmos lentos a pouco ocorridos e me sentia uma alma sem a percepção do corpo.

Suava; os meus pensamentos ainda fumegavam; a intranqüilidade era notória e encontrava-se ainda numa situação inconsciente. Algumas imagens em minha mente às vezes eram claras, mas geralmente obscuras. A resposta para o que sentira naquele instante parecia vaga, fria e sarcástica como se risse da minha fraqueza, dos meus sentimentos e dissesse "não te conheço". Sendo assim, o inevitável medo, a incompreensão e a solidão me perseguiam, martelavam-me constantemente e venciam-me aos poucos até deixar-me diante de uma angústia inexplicável!

Ainda deitado, fito o meu olhar para o teto. Sem mais resistir, sinto uma lágrima quente escorrendo vagarosamente em meu rosto. Percebo e entendo que seria inútil lutar contra as lembranças. Tudo parecia dizer que eu teria que aprender a conviver com elas.

Luto mais uma vez contra as imagens tristes que tenho das tuas últimas horas tatuadas; marcadas em mim. Digo no meu silêncio: "percebo que nos afastamos; entendo que não encontramos culpados para que isso viesse ocorrer, uma vez que a maior evidência entre nós deveria ser um amor sincero, mas que, por ocasião do destino cruel, abriu-se brechas para vagas, confusas e impiedosas situações."

Após longos lamentos, deixo tornar-me pelas recordações doces: teu sorriso espontâneo, o olhar carinhoso, o pedido de "mais uma vez" às minhas atitudes de carinho por ti; dos nossos gestos de compreensão total consideração; o gosto subjetivamente prazeroso de deixar o dia mais belo do que ontem e mais valioso, radiante e motivante diante do próximo amanhã; a gargalhada gostosa, talvez ouvindo minhas piadas sem graça ou minhas insistentes histórias de afeto para com alguém por quem me dispus construir um vínculo realmente duradouro: você! Enfim, uma recordação sincera de momentos felizes que ao teu lado inesquecivelmente vivi.

Pensando assim, começo a construir uma idéia consoladora: que fazer uma entrega não é uma tarefa tão simples. Isso requer uma aposta, mas ela só acontece quando realmente somos determinados a amar alguém sem reservas e julgamentos prévios; sem a preocupação de pedir do outro um favor ou retribuição pelas nossas atitudes. E nesse aspecto mora, infelizmente, uma falta da nossa percepção! Vivemos mais artificialmente do que por sentimentos; analisamos um ao outro mais do que nos sentimos; rotulamos muito mais do que verdadeiramente conseguimos ver ou entender as pessoas a nossa volta; deixamos, enfim, de viver porque não temos autonomia e prazer de sentir e se preocupar com o próximo.

Mas isso não acontece provavelmente porque tenhamos medo de se entregar e fazer a devida e necessária consideração de carinho sem limites a quem está perto de nós e por quem podemos mostrar uma atitude de consideração. Ao nos preocuparmos com esse tipo de relacionamento impostamente artificial perguntaríamos se valeria a pena fazer uma entrega de nossos sentimentos se corremos o risco de não sermos correspondidos ou até mesmo desprezados!

Mesmo que tudo dê errado, mesmo que chegando ao fim de nossas histórias e concluindo que a aposta feita não foi satisfatória ou a mais certa possível, uma coisa será tão marcante e gratificante que o saldo da novela das nossas vidas, que é curta, será positivo, ou seja, na história de quem ama pode ser colocado um currículo precioso e que está em falta hoje em dia no mercado do coração de muita gente por causa da preferência das pessoas a nossa volta por um relacionamento artificial e burocrático: quem ama se entrega e quem se entrega pode dizer que realmente viveu um dia!

Diante do meu cobertor enrolo-me calmamente. Enxugo as minhas últimas lágrimas e, vendo ao meu lado um simples relógio, observo os segundos passarem rapidamente, mas trazendo consigo outras lembranças de um relacionamento cheio de consideração, dedicação e afeto, assim como a esperança de que um novo dia surgiria daquela escuridão e que do pacífico abismo que nos distanciava e aprisionava os nossos sinceros e verdadeiros sentimentos, numa solidão devastadora, pudesse nascer uma forte, desejada e entusiasmada união; agora mais profunda, mais duradoura. E tudo aconteceria em um dia em que realmente terei o prazer de dizer para mim mesmo que, também pelas novas lembranças, pelos futuros sonhos agora sendo cada vez mais desejados e também por sabermos que a saudade não morre e sim dorme temporariamente. . .direi enfim que, de fato, valerá a pena continuar, sinceramente, te amando!

Pensando assim, alegrei-me sobremaneira e depois calmamente adormeci. Havia então novas lembranças e o meu choro já não era mais de tristeza. . .

(SOUZA, wallas cabral de. 07/03/2005)


Autor: Wallas Cabral De Souza


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