Relação dialética entre capitalismo e protestantismo



Compreender de que forma o Capitalismo se desenvolveu e porque ele surgiu na Europa Ocidental e não na Antiguidade Clássica ou nos Impérios do Oriente é um desafio para os Historiadores e sociólogos. Várias teorias foram elaboradas para explicar esse fenômeno e os historiadores tendem a acatar as representantes da sua linha de pesquisa: positivista, marxista ou cultural. Na atualidade, alguns se permitem um ecletismo onde misturam diversas metodologias, como na assim chamada História Sócio-cultural.
Paul Kennedy acredita que o que permitiu esse desenvolvimento foi à divisão política dos estados europeus onde grupos burgueses como os judeus sefarditas e calvinistas franceses conseguiram fugir com parte de suas fortunas e o mais importante, seu conhecimento, para países vizinhos (Portugal e Reino Unido) que buscavam se beneficiar do poder econômico desses grupos para competir com seus rivais. No oriente, as aristocráticas elites dominantes dos grandes impérios conseguiram se impor aos camponeses e limitar a expansão da burguesia nos seus territórios. (1989) Outros pensadores atribuem as religiões do oriente um papel limitador da ambição dos grupos burgueses.
Eric Hobsbawm utiliza o método marxista. Ele admite que a forma de pensar de um grupo social pode ser decisiva no processo de formação de uma burguesia, como no caso dos países da Europa Oriental onde a classe média era formada no século XIX por judeus, italianos e alemães já que os camponeses e a aristocracia agrária não tinha recursos nem interesse de se dedicar a uma profissão liberal nem ao comercio urbano. (2004)
Hobsbawm, dessa forma, situa-se mais próximo ao modo de pensar de Max Weber do que de Karl Marx, para este o capitalismo produziu a Reforma Protestante, pois a aristocrática Igreja de Roma não permitiu uma flexibilidade ideológica que aceitasse a usura e outros princípios necessários para que uma forma de produção moderna se desenvolvessem na Europa Ocidental.
Weber, para Hobsbawm o Marx burguês, subverte as idéias do primeiro, segundo ele foi o protestantismo, principalmente a corrente Calvinista, que permitiu a valorização do trabalho, a usura e a alfabetização em massa das regiões que o adotaram, já que acreditava que todos deveriam ler a bíblia e interpreta-la e que aqueles que progredissem honestamente pelo trabalho estariam no caminho do paraíso no além.
Nietzche rebelou-se contra essa idéia, para ele o protestantismo na verdade impediu que o Renascimento tivesse um maior desenvolvimento e que a riqueza da Cultura Clássica se mantivesse no Ocidente. Para ele o Homem fruto das idéias da Reforma e do Iluminismo seria inferior ao Homem Clássico, Renascentista ou da Espanha Islâmica. (2005)
A Psicanálise permite pensar que como no caso dos judeus, a sublimação da sexualidade protestante foi mais efetiva que a Católica, já que embora seus religiosos fossem casados havia um interesse reduzido e ampla restrição sexual entre casais de pastores calvinistas e judeus permitindo que boa parte da libido fossem transformados em impulso intelectual e econômico ao contrário da corrupta igreja da renascença onde a prostituição prevalecia. Religiosos católicos são impedidos de se casar também acabavam se tornando mais ascéticos e não tem descendentes para quem deixar suas fortunas limitando a acumulação.
A dialética hegeliana que influenciou o próprio Karl Marx (Materialismo Dialético) permite que se tente mediar um conflito de idéias fazendo uma síntese na qual uma das idéias ou uma nova abordagem prevaleça.
Uma analogia com o Darwinismo permite mediar esse conflito. A teoria da evolução das espécies acredita, na biologia, que os seres sofrem mutações a maioria das quais é deletéria e os organismos nas quais surgem acabam sendo eliminados. Algumas, no entanto produzem características vantajosas e são assimiladas por toda uma população formando uma nova espécie de ser vivo. Estas alterações são particularmente úteis em momentos de alterações ambientais, formando seres que melhor se adaptam ao novo ambiente.
A luta de classes, que para os intelectuais marxistas são uma especificidade humana, também admite analogias com a biologia no caso dos conflitos entre presas e seus predadores que teriam semelhanças com o conceito marxista. A burguesia seria como os predadores e o proletariado suas presas. Outra analogia, mais convincente, seria as relações ecológicas de parasitismo já que a burguesia é claramente uma classe parasitária.
No campo da sociologia, as idéias parecem surgir como as mutações biológicas só que nesse caso as inovações sociais são mais frequentes nos momentos críticos e aquelas mais adequadas aos novos tempos prevalecem e são assimiladas pelas populações próximas.
No caso em estudo, da relação entre o desenvolvimento capitalista e a Reforma Protestante, a abertura de novas rotas comerciais e as inovações promovidas pelas Cruzadas e o Renascimento facilitaram o surgimento do capitalismo em sua fase embrionária e produziu uma resistência da consciência religiosa ocidental. Para mediar o conflito entre a resistência religiosa e a ascensão de uma nova classe, a burguesia se apropriou de uma das inúmeras heresias que surgiram durante mais de um milênio e finalmente algumas delas conseguiram encontrar uma classe que precisava acalmar a própria consciência sem perder o conforto e a ascensão econômica que desfrutava. Das primeiras correntes protestantes prevaleceram aquelas que melhor correspondiam ao zelo dessa nova classe.
Uma relação mais decisiva é que quando um povo não consegue assimilar as inovações de outros mais avançados, acabam sendo eliminados por eles. Outro ponto é que nem sempre esse avanço se dá na direção positivista da evolução e sim na capacidade adequar os avanços culturais e tecnológicos adequados ao momento em questão. Por exemplo, enquanto o Homem de Neanderthal desfrutava de um ambiente vantajoso na Europa Glacial seus primos africanos, os Sapiens penavam nos desertos do Continente Negro. Com o aquecimento da Terra, os primeiros, mais fortes fisicamente, não conseguiram se adaptar e os Sapiens, mais inteligentes, prevaleceram. Outro caso, na conquista dos Impérios Indígenas da América os Espanhóis se valeram da superioridade de sua tecnologia militar e a agressividade acumulada nos conflitos da Reconquista para vencer Incas e Astecas, cujas civilizações eram mais avançadas que a espanhola em muitos aspectos, mas não estavam preparados para enfrentar armas de fogo nem um império tão agressivo.
Falar em Progresso, evolução e darwinismo certamente escandaliza os intelectuais da área de Humanas, que logo recordam os abusos das teorias de Augusto Comte e Spencer. Aqui não se trata de revalidar essas aberrações sociológicas. Apenas são usadas analogias com outras áreas do conhecimento para se tentar deduzir relações sociais. Claro que não se espera que elas sigam necessariamente o mesmo processo que o darwinismo na biologia, apenas utiliza a idéia de ambiente em analogia ao modo de produção de Marx e mutação e adaptação comparada a influencia cultural no processo socioeconômico de Weber. O que está em questão é a idéia de que a melhor forma de se compreender essa polêmica seria tentar estabelecer um meio termo, ao invés de se optar dogmaticamente por uma delas.







Referências Bibliográficas

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos (1914-1991). São Paulo: Companhia de Letras, 2004.
_________________. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
_________________. A Era das Revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
NIETZCHE, Friedrich Wilhelm. O Anticristo. São Paulo: Rideel, 2003.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2ª ed. Pioneira, s/d.






Autor: João Paulo Filgueiras


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