Discurso Decisivo Averróis



Resumo: A luz da Lei religiosa, o estudo da filosofia e das ciências logicas é permitido ou proibido? O filósofo Abu Al Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Rushd, conhecido como Averróis, tenta responder a esta indagação e, para tanto, utiliza-se de argumentos jurídicos, a fim de convencer os seus leitores sobre a necessidade do estudo da filosofia e das ciências lógicas, uma vez, que, a Lei religiosa que para os muçulmanos confunde-se com as sua Escrituras Sagradas, o Alcorão, de certa forma recomenda e até estimula o fiel a examinar as provas da sua religião, por meio do exame minucioso dos seres criados, porquanto, examinando as provas da existências dos seres criados, o fiel chega por conseguinte, a prova da contundente criação de todas as coisa por Deus. Posto que seja, a interpretação da Lei religiosa em dois sentidos distintos, a saber, o sentido óbvio e o sentido oculto, Averróis proclama a comunidade muçulmana a recorrer aos homens que ele designa de demonstrativos, ou melhor, homens da ciência, os filósofos, que sendo sábios e possuidores de uma interpretação peculiar, possam externar suas interpretações a massa , sem serem interpolados pelas interpretações falaciosas dos dialéticos, a quem Averróis chama de teólogos, os quais iludem as massas de fieis muçulmanos com as suas deturpações da Lei religiosa. Para Averróis os filósofos deveriam expressar suas interpretações da Lei religiosa diretamente para a massa dos fieis muçulmanos, sem qualquer que seja a intervenção dos teólogos, que costumavam combater os filósofos insinuando que os mesmos eram infiéis as Leis religiosas, porquanto as suas interpretações discordavam das instruções do Alcorão, a essas acusações Averróis argumenta tratar-se apenas de opiniões distintas mais que no final queriam dizer única e a mesma coisa, ou seja, para Averróis existiam duas verdade, onde uma proposição pode ser filosoficamente falsa e teologicamente verdadeira e vice-versa.

Palavra-Chave: Lei religiosa, Ciência Lógica, Interpretação, Filosofia, Teologia.

I - INTRODUÇÃO

O presente artigo discorrerá sobre a obra de Abu Al Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Rushd, mais conhecido como Averróis, intitulada "discurso decisivo". Onde o autor utilizando-se de sua habilidade jurídicas, tenta demonstrar por meio de argumentos lógicos a conexão existente entre a filosofia e a Lei religiosa. O artigo está dividido em duas partes, na primeira parte discorremos sobre os principais argumentos apresentados por Averróis a fim de demonstrar se sobre o ponto de vista da Lei religiosa é permitido ou não o estudo da filosofia e das ciências lógicas. Conduzindo seus argumentos por meio de uma linha de raciocínio jurídico, Averróis demonstra pela própria Escritura, que é a mesma Lei religiosa para a comunidade muçulmana, que é sim permitido ao fiel, não só conhecer, mas também praticar a arte da filosofia.
Na segunda parte de nosso artigo, discorreremos sobre os três tipos de argumentos que Averróis se utiliza para validar a sua tese, e que se fundem e formam as três classes de pessoas, sendo assim apresentados: a primeira classe ele chama de retóricos e, constituem-se da grande massa, ou seja o povo, a segunda classe Averróis denominada de dialéticos, que são na verdade os teólogos mutazilitas e asharitas, e a terceira classe de pessoas Averróis chama de demonstrativos, para esses homens são na verdade os homens da ciência ou filósofos.

II ? CONEXÃO EXISTENTE ENTRE A LEI RELIGIOSA E A FILOSOFIA

Abu Al Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Rushd (1126 ? 1198), conhecido no mundo ocidental por Averróis, nasceu em Córdoba, descendente de uma família de juristas tradicionais, era médico, filósofo e pensador islâmico, ficou mundialmente conhecido por seus comentários às obras do filósofo grego Aristóteles. Nesta obra, intitulada de discurso decisivo, Averróis apresenta sua visão particular sobre a relação entre a filosofia e a religião, no entanto, a obra não se propõe a ser um livro de filosofia, nem muito menos um livro de teologia, na verdade, trata-se de um parecer em termos jurídico, cujo objetivo visa esclarecer se é permitido ou não o estudo da filosofia pela Lei religiosa, nas palavras do próprio Averróis, "o alvo deste discurso é o de examinarmos, do ponto de vista da Lei religiosa, se o estudo da filosofia e das ciências da lógica é permitido pela Lei ou por ela proibido" .
Para Averróis a simples ação de filosofar, consiste em uma reflexão sobre as coisas que foram criadas e, que esta reflexão constitui a prova da existência, de quem Averróis designa de Artesão, ou seja, Deus. Segundo Averróis a Lei religiosa, recomenda que os seus fiéis reflitam sobre Deus. Assim, a ação de filosofar, como ato de reflexão sobre as coisas criadas, elevam o pensamento a Deus, "e se a Lei religiosa recomenda a reflexão sobre os seres existentes e mesmo estimula para isso, então é evidente que a atividade designada por esse nome (de filosofia) é considerada pela Lei religiosa seja como obrigatória, seja como recomendação" . Posto que seja assim, Averróis chega à conclusão de que o próprio texto sagrado estimula o fiel muçulmano a examinar claramente sobre a sua religião, sem expressar receio alguma de que haja alguma contradição entre ela e a filosofia "certamente, nós, a comunidade dos muçulmanos, estamos convencidos de que a especulação demonstrativa não pode conduzir a conclusões diferentes daquelas contidas na Lei, já que a verdade não contraria a verdade, mas concorda com ela e dá testemunho em favor dela" . Averróis segue combatendo em seu discurso aqueles que dizem que os homens que estudam filosofia se desviam do reto caminho e, de certa forma chegam a contraria a vontade de Deus, segundo Averróis esta premissa não é verdadeira, pois não se pode julgar o todo por apenas uma parte.
Dizemos ainda: proibir o estudo das obras de filosofia a quem está apto para fazê-lo, com pretexto de que terá sido por causa do estudo dessas obras que alguns homens, entre os mais abjetos, desviaram-se do reto caminho, equivale a proibir o sedento de beber água fresca e agradável até que morra de sede, pelo motivo de que outros que dele beberam engasgaram-se e morreram.

III ? TRÊS CLASSES DE PESSOAS

Prosseguindo com o discurso decisivo, Averróis agora, apresenta a existência de três tipos de argumentos que são: Os argumentos retóricos, dialéticos e os demonstrativos, que se fundem em relação às Escrituras (alcorão) que também é a Lei religiosa. Segundo Averróis a primeira classe que ele chama de retóricos, constituem-se da grande massa, que são incapazes da menor interpretação da Lei religiosa e, que são levados pela falácia dos homens que fazem parte da segunda classe. Já a segunda classe, denominada por Averróis de dialéticos, são na verdade os teólogos mutazilitas e asharitas, quanto a terceira classe dos demonstrativos, Averróis os chama de homens da ciência ou filósofos. Averróis, concentra seus ataques nos homens da segunda classe que são os teólogos, os quais segundo Averróis pervertem as massas com suas falacias e acusações de que os filósofos são infiéis, principalmente, nas teses da eternidade do mundo, não conhecimento dos particulares por parte de Deus e ressurreição dos corpos e modalidade da vida futura, "a tese da eternidade; o não-conhecimento dos particulares por parte de Deus ? Glorificado seja ? mas O Altíssimo está muito acima de tudo isso; e quanto a interpretação dos enunciados revelados a respeito da ressurreição dos corpos e da modalidade da vida futura" .
Averróis pensa justamente o contrário, não são os filósofos por meio do argumento demonstrativo que pervertem as massas e, sim os teólogos, que constituem verdadeiro impasse intermediário, entre as massas e os filósofos que são impedidos de exporem suas interpretações da Lei religiosa. A partir daí, Averróis inicia uma série de argumentos em favor da interpretação demonstrativa, representada na pessoa dos filósofos, enquanto que os fieis que não conhecem as ciências, são pessoas que crêem em Deus, mas não possuem o aporte da demonstração, "pois, de fato, os crentes que não são homens de ciência, são pessoas que crêem n'Ele sem o suporte da demonstração" , e que os filósofos foram caracterizados por Deus com uma crença a que lhes é de todo peculiar, sendo que os filósofos a desenvolvem por meio do argumento da demonstração e, se vem da demonstração este conhecimento percorre as vias da interpretação, pois Deus, assim declarou que exitem interpretações que são verdade e, a própria demonstração não chega a nada que não seja a verdade.
E se provem da demonstração, caminha ao lado do conhecimento da interpretação, pois Deus ? O Altíssimo, declarou que existiam interpretações que são a verdade; e a demonstração não chega a nada que não seja a verdade. Sendo assim, não é possível estabelecer, a propósito de interpretações que Deus considerou específicas aos sábios, a existência de um consenso realmente generalizado, eis aí, por si só, uma evidência para todo aquele que tem bom senso.
Quanto a afirmação dos teólogos, referente a infidelidade dos filósofos, tendo em vista os questionamentos da eternidade do mundo, não conhecimento dos particulares por parte de Deus e ressurreição dos corpos e modalidade da vida futura. Averróis, argumenta que referente a tese de que Deus não conhece os particulares, é justamente ao contrário, posto que os filósofos acreditam que Deus conhece sim os particulares, porém, Deus conhece por meio de uma ciência de gênero diferente da Lei religiosa. A ciência de Deus é do modo adventícia e a ciência do filósofo é do modo eterna, assim não se pode comparar as duas ciência, posto que são duas coisa contrárias em essência e especificidade. Já referente a questão da eternidade do mundo. Averróis, argumenta que a contrariedade se dá apenas por uma questão de denominação, tanto da parte do teólogos, como da parte dos filósofo, pois todos concordam em dizer que existem três qualidades do ser: dois extremos e, entre eles um intermediário e, que ambos estavam de acordo quanto à denominação dos extremos e discordavam quanto ao intermediário, um dos extremos é o ser que existe a partir de alguma coisa, diversa de si mesmo, ou seja, precisa de uma causa agente de uma matéria e é antecedido pelo tempo, já o outro extremos é o ser que não provem de alguma coisa e que não é precedido pelo tempo. Quanto ao ser intermediário, é o ser que não provém de alguma coisa e não é precedido pelo tempo, mas que existe por uma agente, é o mundo em sua totalidade.
Assim, não procede a acusação dos teólogos de que os filósofos são infiéis quanto as suas interpretações da Lei religiosa, mas que ao contrário disso, os teólogos é que fazem com que as palavras da Lei religiosa sejam pervertidas diante das massas, que por não terem condições mínimas de interpretação, são conduzidos por um caminho diferente do verdadeiro. Ademais, Averróis argumenta que ainda que os filósofos possam errar em suas interpretações da Lei religiosa, seus erros devem ser desculpável, pois este erro é semelhante ao erro de um renomado médico, quando se erra no exercício da medicina ou um juiz, por errar em no exercício de sua profissão, ou seja, a arte de julgar. Já os que erram por não pertenceram a classe dos homens de demonstração, e quando esse erros atentarem contra os princípios fundamentais da Lei religiosa, eles devem ser considerados indesculpáveis e como tal tratado como uma inovação condenável.

IV. CONCLUSÃO

Nesta obra, Abu Al Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Rushd (Averróis) nos faz refletir sobre um tema que ainda hoje é bastante peculiar para a sociedade hodierna. No decorrer de toda obra, Averróis procura demonstrar por meio da razão que é sim possível pensar a Lei religiosa muçulmana sob a égide da filosofia e, que a própria Lei até certo ponto recomenda e estimula o fiel muçulmano a examinar com clareza as razões de sua fé. Esse pensamento de Averróis é corroborado pela sua tese dos três argumentos que são: o retórico, o dialético e o demonstrativo, os quais são desenvolvidos em todo o discurso decisivo, e são representados por meio de três classes de pessoas, sendo a primeira, a grande massa, que no caso é o povo, o qual Averróis esclarece que são incapazes de qualquer interpretação da Lei religiosa, a segunda classe de pessoas são os teólogos que de certa forma impedem que a massa tenha a plena revelação da verdade e, por último a classe dos demonstrativos que no caso são os homens da ciência ou os filósofos, que possuem de Deus o dom da interpretação demonstrativa e, que corrobora com o fiel entendimento do Alcorão e não ao contrário como diziam os teólogos.
Por fim, o Discurso Decisivo de Averróis, nos apresenta um tema bastante esclarecedor, quanto a fé muçulmano, posto que no pensamento ocidental, tem-se a impressão de que se trata de uma religião baseada em alicerces do fanatismo, sem qualquer prisma da razão e, é justamente o contrário disso que Averróis nos apresenta, ele louva o que está correto e critica o que está errado. Devemos seguir este exemplo e começarmos a pensar sobre o assunto e não aceitarmos todas as coisa que a nós são impostas pela religião denominante de nosso tempo.

Autor: Edney Silva


Artigos Relacionados


Filósofos E "filósofos"

A Noção Do Ser Em Ibn Sina (avicena)

Conceituando A Palavra Teologia

SÍntese: ConcepÇÕes De Filosofia

Deus Não Pode Ser Fiel.

A Crise De InterpretaÇÃo BÍblica Da Modernidade

O Ser Humano E Suas RelaÇÕes Com O Divino