UM OLHAR CRÍTICO SOBRE O ATO DE AVALIAR




UM OLHAR CRÍTICO SOBRE O ATO DE AVALIAR

Associado á emissão de juízos de valor, o tema "avaliação" desperta amplo interesse e reflexão. Mesmo estando presente nos vários campos da atividade, sendo um fato corriqueiro, tem o poder de incomodar quando não está sendo bem utilizado ou não está respondendo mais às exigências das novas práticas sociais.
Na verdade, quando o tema é "avaliação", as imagens que povoam nossas mentes são: notas, provas, autoridade, conceitos faltas de sorte, pontos, aprovação, reprovação, conselho de classe, tensão, aflição para os pais, etc.
Para Perrenoud:
"A avaliação não é uma tortura medieval. É uma invenção mais todavia, nascida com os colégios por volta do século XVII e tornada indissociável do ensino de massa que conhecemos desde o século XIX, com escolaridade obrigatória". (Perrenoud, 1999 p.9)
Sendo uma invenção, certamente poderá ser modificada de modo a superar esta visão estática e classificatória que tem imperado até agora, em busca de uma aprendizagem efetiva e significativa.
Perrenoud enfatiza que se faz necessário avaliar seriamente as competências, mas isso não pode ser feito com textos escritos, são essenciais os problemas complexos e as tarefas contextualizadas, dentro de uma série de condições.
Para Luckesi:
"A avaliação é uma apreciação qualitativa sobre dados relevantes do processo ensino-aprendizagem, cuja função é de auxiliar o professor a tomar decisões sobre o seu trabalho". (Luckesi in Lima, 1998, p. 11)
Como se pode observar, a avaliação é aqui entendida como um elemento a mais no processo de ensino-aprendizagem, não devendo servir apenas para medir o aprendizado do aluno através de notas e conceitos.
De acordo com Lima:
"Ao avaliar, o professor põe em cena muito mais do que saberes técnicos, pois o ato avaliativo exige a competência, o discernimento e o equilíbrio de um magistrado, uma vez que o que está em jogo é o desenvolvimento do ser humano. De fato, a tarefa do professor, ao avaliar, é bastante complexa e exige um desempenho competente, na medida em que envolvem projetos, aspirações, realidade, sonhos, fantasia de seres em formação.
Por conseguinte, embora a avaliação seja depositária do conteúdo de cada matéria, ela é, igualmente, depositária da função social da escola, dos seus objetivos maiores, do seu conceito de homem e sociedade, de seu projeto de formação de indivíduos". (Lima, 1998, p. 12).

Segundo Melchior:
"Avaliar não é reprovar, mas sim compreender e promover, a cada momento, o desenvolvimento pleno da criança, do jovem ou de qualquer indivíduo ou grupo social que se submetam ao processo de alfabetização e de aprendizagem em geral".

Observamos nos autores uma pluralidade de idéias, pensamentos e criações tornando os processos educativos, que não exclui a avaliação, como um engajamento coletivo para a não reprodução de uma sociedade arcaíca e sim para a proliferação de indivíduos pensantes e críticos para a transformação da sociedade em democrática e de qualidade para todos.

As vertentes da avaliação

Não falando de coisas desconhecidas, mas do nosso cotidiano vimos durante o ano letivo que as notas vão sendo observadas, médias vão sendo obtidas. O que predomina é a nota, não importa como elas foram adquiridas nem por quais caminhos. São manipuladas como se nada tivessem a ver com o percurso ativo do processo de aprendizagem.
E os professores como reagem?
O uso da avaliação da aprendizagem como disciplinamento social dos alunos. A utilização das provas como ameaça aos alunos, por si não tem nada a ver com o significado dos conteúdos escolares, mas sim com o disciplinamento social dos educandos, sob a proteção do medo.
As provas são realizadas conforme o interesse do professor ou sistema de ensino. Nem sempre se leva em conta o que foi ensinado.Mais importante do que ser uma oportunidade de aprendizagem a avaliação tem sido uma oportunidade de prova de resistência do aluno aos ataques do professor.
Como diz Luckesi, "as notas se tornam à divindade adorada tanto do professor como pelos alunos". O professor adora as notas baixas por mostrar seu "poder".
O aluno, por outro lado, está á procura da nota não importando se ela expressa ou não uma aprendizagem satisfatória.
A prática da avaliação escolar, dentro do modelo liberal conservador, terá de ser autoritária, pois esse caráter pertence á essência dessa perspectiva de sociedade que exige o controle e enquadramento dos indivíduos nos parâmetros estabelecidos. A avaliação educacional será, assim, um instrumento disciplinador não só das condutas cognitivas como também das sociais no contexto da escola.
Ao contrário, a prática da avaliação nas pedagogias preocupadas com a transformação, deverá estar atenta aos modos de superação do autoritarismo e ao estabelecimento da autonomia do educando, pois o novo modelo social exige a participação democrática de todos.
A avaliação deve estar atenta à transformação, ser democrática, caso contrário, a avaliação não serve como pausa para pensar a prática. Não basta saber que "deve ser assim " é preciso fazer com que as coisas "sejam assim".
Como reverter essa situação? Tem muita coisa a se fazer? Acreditamos que sim, e dependerá que cada educador em sua sala de aula, assuma ser companheiro de cada aluno. O professor precisa mostrar para o aluno que a avaliação é um instrumento fundamental para auxiliar o educando no seu processo de competência e crescimento para autonomia, situação que lhes garantirá sempre relações de reciprocidade.
Não podemos deixar que a avaliação venha matar a alma bonita e jovem de nossos alunos, sua criatividade, seu prazer, sua capacidade de decisão.
A função da avaliação é de possibilitar ao educador condições de compreensão do estágio em que o aluno se encontra, tendo que ajudá-lo a sair do estágio defasado e avançar em termos dos conhecimentos necessários. Que a avaliação seja um instrumento auxiliar da aprendizagem e não um instrumento de aprovação ou reprovação dos alunos.
Nesta perspectiva a avaliação só faz sentido na medida em que serve para o diagnóstico da execução e dos resultados, é instrumento auxiliar na melhoria dos resultados; tem função de subsidiar a construção de resultados satisfatórios.
A avaliação é um ato: acolhedor, integrativo, inclusivo e por objetivo de auxiliar o educando no seu crescimento, na sua integração consigo mesmo, ajudando-o na aproximação dos conteúdos significativos, é um meio constante de fornecer suporte ao educando no seu processo de assimilação dos conteúdos, é um ato amoroso, na medida em que inclui o educando no seu curso de aprendizagem, cada vez com qualidade mais satisfatória, assim como na medida em que o inclui entre os bem-sucedidos, devido ao fato de que esse sucesso foi construído ao longo do processo de ensino-aprendizagem.
Como aliados do processo ensino-aprendizagem educadores e educando podem se autocompreender a partir da avaliação da aprendizagem, o que trará ganhos para ambos e para o sistema de ensino.
A avaliação precisa ter a função de proporcionar a autocompreensão, tanto do educando quanto do educador; motivar o crescimento; o aprofundamento e; auxiliar a aprendizagem.
É fundamental que a avaliação seja orientada pela lógica da continuidade dos processos de formação e não pela interrupção ou repetição.
Descrever a avaliação como oscilando entre duas lógicas apenas é evidentemente simplificador. Na realidade, há muitas outras, ainda mais pragmáticas. Antes de regular as aprendizagens, a avaliação regula o trabalho as atividades, as relações de autoridade, e a cooperação em aula, e de uma certa forma, as relações entre a família e a escola ou entre profissionais da educação.

Avaliação a Serviço de uma Pedagogia Dominante

Com o mito da ascensão social da escolaridade, oficializa-se a ideologia da doutrina liberal. Igualdade de oportunidades para todos. O valor da escola passa a não estar nela mesma, mas na recompensa que, supõe-se, haverá depois. É aqui que passa a ocorrer então, a reprovação escolar, como decorrência natural das diferenças individuais, cada sujeito sendo, portanto, responsável pelo "seu" fracasso escolar
A avaliação escolar acaba sendo utilizada como instrumento de discriminação e seleção social, na medida em que assumimos como tarefa da escola separar os "aptos" dos "inaptos", sob uma falsa aparência de neutralidade e de objetividade. Cabe aqui salientar que, mesmo sendo figuras centrais na reprodução desta situação, a maioria dos educadores ainda não está consciente das origens e interesses envolvidos nesta prática.
Nossa sociedade está dividida em classes sociais antagônicas. A classe que detém o poder tem apenas um único interesse que é de se tornar mais poderosa através da acumulação do capital. Para isso se apossa dos meios de produção, tecnologia, comunicação e outros, a fim de sempre mais conquistas e outras hegemonias. Por outro lado, a classe trabalhadora é a classe mais marginalizada e escravizada. Vivemos num sistema capitalista onde abarca a totalidade das atividades econômicas do país. Para este sistema não é importante que a maioria, pense e seja diferente, o interessante é que a maioria, nem sempre questione porque sendo assim é mais fácil a manipulação.
A classe dominante sempre se organiza para permanecer no poder. Nossos governantes estão preocupados com interesses pessoais, inclusive as leis mudam para favorecer a elite dominante. De um lado os capitalistas pregam a liberdade, solidariedade, à verdade e de outro praticam o individualismo.
A educação é o reflexo deste sistema que está aí implantado e que reforça cada vez mais a diferença entre as classes sociais. Na verdade a educação humanista no Brasil nunca foi e não é até hoje prioridade em nem uma esfera de governo, embora os responsáveis pela condução do processo educacional Uma escola inserida nessa sociedade não poderia estar melhor. Os ricos têm acesso a melhores escolas, boa educação e os pobres marginalizados são obrigados a abandonar a escola no primário para ajudar no sustento da família. Esta escola reproduz a desigualdade social excludente e reforça as diferenças entre as classes.
Neste sentido, também a avaliação do processo de ensino aprendizagem no Brasil, está a serviço de uma pedagogia dominante. Vale ressaltar que as pedagogias hegemônicas que vieram definindo-se historicamente nos períodos subseqüentes a revolução Francesa estiveram e ainda estão a serviço desse modelo social.
Conseqüentemente a avaliação educacional em geral e a da aprendizagem em específico, contextualizados dentro dessas pedagogias estiveram e estão instrumentalizadas pelo mesmo entendimento teórico-prático da sociedade.
A avaliação é tradicionalmente associada na escola, á criação de hierarquias de excelência, definida ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos.
Não Podemos avaliar nossos alunos somente pelas provas objetivas, pois a nota em si é uma mensagem que não diz de início ao aluno o que ele sabe, mas o que pode lhe acontecer "se continuar assim até o final do ano". Mensagem tranqüilizadora para uns, inquietante para outros, que visa também aos pais com demanda implícita ou explícita de intervir antes que seja tarde demais. A avaliação tem a intenção quando se dirige a família, de prevenir no duplo sentido de impedir e de advertir. Ela alerta contra o fracasso que se anuncia ou ao contrário tranqüiliza acrescentando desde que continue assim.
Essas hierarquias se preocupam mais em informar a posição do aluno do que informar sobre seu grau de conhecimento e competência.
Percebe-se com isso que o que importa é o certificado mais tarde e não os seus conhecimentos e suas experiências. Um certificado fornece poucos detalhes dos saberes adquiridos e o nível de domínio em cada área. Garante sobre tudo sua admissão no campo de trabalho.
A avaliação é uma engrenagem no funcionamento didático e mais globalmente, na seleção e na orientação escolar. Ela serve para controlar o trabalho dos alunos e, simultaneamente para gerir os fluxos.
A escola Conformou-se com as desigualdades de êxito por tanto tempo quanto elas pareciam "na ordem das coisas". É verdade que era importante que o ensino fosse corretamente distribuído e que os alunos trabalhassem, mas a pedagogia não pretendia nenhum milagre, ela não podia senão "revelar" a desigualdade das aptidões.
Dentro desta perspectiva, uma avaliação formativa não tinha nenhum, sentido: a escola ensinava e, se tivesse vontade e meios intelectuais, os alunos aprendiam. A escola não se sentia responsável pelas aprendizagens, limitava-se a oferecer a todos a oportunidade de aprender: cabia a cada um aproveitá-la.
A avaliação se tornava um instrumento privilegiado de uma regulação contínua das intervenções e das situações didáticas. Seu papel, na perspectiva de uma pedagogia de domínio, não era mais criar hierarquias, mas delimitar a aquisição e o modo de raciocínio, o suficiente para auxiliar cada aluno a progredir no sentido dos objetivos.
A avaliação formativa introduz uma ruptura porque propõe deslocar essa regulação ao nível das aprendizagens e individualizá-la.
Nenhum médico se preocupa em classificar seus pacientes, do menos doente ao mais gravemente atingido. Nem mesmo pensa em lhes administrar um tratamento coletivo. Esforça-se para determinar, para cada um, um diagnóstico individualizado, estabelecendo uma ação terapêutica sob medida. A avaliação formativa deveria ter a mesma função em uma pedagogia diferenciada. Essa avaliação assume todo seu destino no âmbito de uma estratégia pedagógica de luta contra o fracasso e a desigualdade, que está longe de ser sempre executada com coerência e continuidade.
O fato de a avaliação esta ainda entre duas lógicas decepciona aqueles que lutam contra o fracasso escolar. Quase todos os sistemas educativos modernos declaram avançar para uma avaliação menos seletiva, mais integrada á ação pedagógica cotidiana. Pode-se julgá-la pelo distanciamento entre essas intenções e a realidade das práticas.
Quando falamos em mudança de avaliação concepção de avaliação, estamos referindo aquela que atenda não só aos nossos anseios enquanto educadores, como também a que as ciências têm nos apontado enquanto mediação entre o ensino e a aprendizagem através dos escritos de teóricos como Hoffmann, Luckesi e outros.
Entretanto, esta discussão exige a construção de um novo paradigma que dê sustentação a este projeto e garanta às nossas crianças direito á escolarização.
Tal esforço busca superar um modelo de avaliação, centrada na retenção e exclusão que, utilizando-se de mecanismos tais como a classificação, seleção e discriminação geram evasão e repetência, legitimando e perpetuando o fracasso e a expulsão dos alunos pertencentes, sobretudo á classe trabalhadora.
A avaliação não pode mais ser exercida como um instrumento que venha castigar e puni-los através da repetência, como forma de garantir a qualidade do ensino.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HOFFMANN, Jussara M. L. Avaliação mediadora uma prática em construção da pré-escola à universidade. 8ª ed. Porto Alegre: Mediação, 1996.

----------------- Avaliação: mito e desafio. Porto Alegre, RS: Educação e Realidade,1991

LIMA, Lauro de Oliveira. Mutações em educação, segundo Mcluhan. Petrópolis, RJ: vozes, 1996.

LUCKESI, C.C. Prática docente e avaliação educacional e escolar: Compreensão teórica, ensino e produção de conhecimento. São Paulo: ANPED, 1986.

-----------. Avaliação da aprendizagem escolar. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1994.

-----------. Avaliação educacional para além do autoritarismo. Revista A.E.C.,n° 60, 1986.

MELCHIOR, Maria Celina. Avaliação Pedagógica: Função e necessidade. Porto Alegre, RS: Mercado Aberto, 1994.

PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência á regulação das aprendizagens ? entre duas lógicas. Porto Alegre, RS: Artes Médicas Sul, 1999.



Autor: Lecy Aparecida Martins


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