Comédia da vida pública



Certo dia, esperando para ser atendido num banco público, passei a ser ouvinte de um diálogo no mínimo curioso.
Uma senhora e um senhor conversavam alegremente: era um reencontro de 10 anos sem contato. Conversa vai, conversa vem, o distinto senhor pergunta para sua interlocutora como estava o seu filho. Nesse momento, os olhos da senhora brilharam e um sorriso nada discreto nasceu em seus lábios. Com a voz embargada ela respondeu que o filho era um engenheiro recém-formado.
O senhor, de nome Carlos, manifestou alegria com a resposta e, de imediato, perguntou se ele já estava trabalhando na área. Ah, foi um banho de água fria na senhora, de nome Ana. Era visível o seu constrangimento. De imediato, tentou justificar que o mercado de trabalho exige experiência e, por essa razão, o seu filho estava fazendo estágio numa empresa. O Srº Carlos concordou com um movimento de cabeça.
Em seguida, a senhora Ana emendou sua resposta afirmando que o seu filho estava fazendo "bico" para se manter até terminar o estágio e poder realmente arrumar um emprego. Nesse meio tempo, muitas futilidades foram introduzidas no diálogo e, num dado momento, o senhor Carlos perguntou que tipo de "bico" o filho da sua interlocutora estava fazendo e, bem rapidamente, ele ouviu que o rapaz estava dando "aulinhas de matemática" numa escola pública próxima à residência deles (da mãe e do filho).
Confesso, sem ter a face tomada de rubor, que já sabia a resposta indecorosa. Afinal, é a verdadeira face da Educação. O ponto mais baixo que políticas pontuais e de cunho interesseiro poderia deixar a nossa Educação. Afinal, qualquer pessoa (médicos, psicólogos, engenheiros, políticos sem formação ou de formação diversa da educação, juristas, escritores, teóricos, advogados... enfim, todo mundo) se sente "competente" para "dar" aula, para "dar" palpite, para administrar uma instituição escolar...
Todo mundo se acha suficientemente capaz de interferir na rotina escolar, no processo pedagógico e no gerenciamento dos conflitos escolares. Nesse perpassar de ingerências e na visão ridícula que as pessoas têm da arte de educar, também me senti capaz de fazer "bico" em outra área. Após esse start que o diálogo entre a senhora Ana e o senhor Carlos provocou em meus neurônios, comecei uma incessante busca por uma vaga de "médico eventual" (sem formação plena) em algum hospital público. Afinal, fui um excelente aluno de Biologia, pois nunca fiquei de DP, nunca fiz exame ou segunda chamada, fechava a maioria das disciplinas no terceiro bimestre, fui um aluno exemplar de Anatomia Humana, sentido-me capaz de exercer a função de médico eventual.


Prof. Marcelo Luis dos Santos Antonio
Diretor de Escola

Autor: Marcelo Luis Dos Santos Antonio


Artigos Relacionados


Notícias Do Dia

O Perigo Do Mau JuÍzo

Senhora

Lições Da Infância Que Valem Pra Vida...

O Saco

Para Refletir

Nossa Senhora Da SaÚde