Descriminalização do uso de drogas



DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS
I- INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar os principais aspectos sobre a descrimininalização do uso de substância entorpecentes, as políticas públicas aplicadas e a influência política que interfere no tema.

A discussão gira em torno da 11.343/06 e os efeitos produzidos pela mesmo nos jurisdicionados, tendo em vista que não se tem a definição certa se o uso de substâncias deve ser tido como crime ou como mero fato que contraria os bons costumes.

II- DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS

O direito não pode ater-se somente ao plano positivo. Antes, deve almejar um sentido de juridicidade presente no plano supra-positivo, ou seja, o direito busca satisfazer os anseios da sociedade de forma geral, posto que as leis são criadas e modificadas de acordo com às necessidades do povo.

Daqui surge o marco da legitimação da pretensão de atribuir a cada um o que é seu, o respeito à dignidade da pessoa humana. Presente em nossa Lei Fundamental, tal princípio, de largo campo conceitual dada à imanente fundamentação ontológica, deve refletir-se sobre todo o conjunto de direitos fundamentais, na qualidade de "princípio-regra" (ANDRADE, 1.987, p.130)

O supracitado princípio encontra seus traços na instância supra-positiva, e justifica-se através dos enunciados do direito natural. Por isso que se relaciona perfeitamente com o direito à liberdade, direito este reconhecido no sentido mais lato e vinculado, de perto, à idéia de autodeterminação, justificando-se aí o respeito ao binômio dignidade-liberdade.

Através do mesmo raciocínio supracitado, torna-se importante enfrentar a matéria referente à descriminalização das condutas de uso de substâncias entorpecentes, posto que, existe entendimento segundo o qual a dignidade da pessoa humana está intimamente ligada à sua liberdade e independência, tanto no aspecto social, psicológico ou econômico.
Todavia, é forte resistência do mundo jurídico fiel à posição da law and order, pois segundo esse entendimento o cidadão deve atentar-se para os ditames da lei, observando-a sempre que possível, pois a ordem social depende do correto e fiel cumprimento do jurisdicionado à legislação imposta.

O legislador infraconstitucional pátrio orienta-se pela atitude criminalizante, no tocante ao uso de substâncias entorpecentes, desta monta, são criadas leis penais de cunho meramente simbólico: leis que têm impacto social e objetivam tranquilizar a opinião pública, dando a impressão de que o legislador está sempre atento aos problemas sociais.

Por isso, fala-se na diminuição da tutela estatal e atribuição ao direito penal do seu verdadeiro papel, como último dos meios formais de controle dos desvios sociais (a partir de um racional esquema de descriminalização, orientado pela criminologia e por uma ordem de valores de comprovado consenso social, como aqueles reconhecidos pela Constituição), essa alteração no direito criminal sofre bastante resistência no Brasil. E qualquer atitude neste sentido, passa por inúmeros confrontos, a maior parte deles representados pela política de neocriminalização e de observância ao princípio da law and order.

O que importa desde logo ter-se como certo, é que o direito penal é fragmentário, não lhe sendo lícito, portanto, a sua interferência na generalidade dos fenômenos sociais, seja porque nem todos exigem a tutela mais violenta e gravosa do ordenamento jurídico, seja porque há uma certa esfera de liberdade humana - essencial para o desenvolvimento do homem - que merece respeito e deve ser mantida intocável.

A Lei Fundamental, que ordena os valores mais importantes da sociedade e que se transforma em referencial para o legislador penal, não abrange todos os interesses da sociedade.

Ademais, com a contrapartida diminuição de tutela doutrinal do Estado, que se retira, por exemplo, das áreas relativas à moral, à religião, à política. É o modelo escolhido para o nosso Estado, e que não pode ficar restrito aos conceitos formais da Lei Fundamental. É por isso que entende-se como indevidas certas invasões cometidas pelo legislador penal, que pode vir a comprometer a estrutura do Estado de direito material.(MACHADO,1984, pp.73-74)

As tendências pessoais relativas à saúde moral, física e intelectual são de foro íntimo, desta monta, só deveriam ser controladas à medida que causassem danos a terceiros. Portanto os atos mais intimamente ligados àquela esfera individual de liberdade, devem permanecer livres de interferências. Ademais, a natureza humana não pode ser encarada como uma máquina, construída a partir de um modelo, pronta para executar um trabalho determinado a ela.

A questão da perseguição penal das condutas relacionadas ao uso de drogas entra em direto conflito com os postulados da liberdade humana e com a pretendida estruturação de um Estado de direito material. Parece incoerente que numa sociedade como a brasileira, tolerante ao tabagismo e ao consumo de bebidas alcoólicas, que se constituem práticas que determinam a dependência e são nocivas à saúde, ainda se punam atos que ficam restritos ao âmbito privado. Assim sendo, chega-se à condição de se permitir o consumo de cigarros e de bebidas alcoólicas, como forma de adequação social e de proibir-se o consumo de outras drogas, como por exemplo, a maconha.

Por outro lado, os ordenamentos penais modernos respeitam a liberdade individual, principalmente naqueles comportamentos estreitamente relacionadas à autodeterminação da pessoa, deixando de proibir, como por exemplo, o suicídio tentado. É questão íntima e que não chega a colocar em causa os mais relevantes interesses sociais, por mais que se considere a vida como um valor transindividual, de relevância social. Pode-se inferir que as escolhas da vida, referidas ao âmbito estritamente pessoal, inclusive a de por termo a ela ou de afligir a saúde, não dizem respeito ao controle estatal. Já, no entanto, a liberdade individual, carece de proteção penal, devendo punir-se, assim, aquele que instiga outrem ao suicídio, aquele que trafica drogas, corrompendo quem não tem capacidade discernimento ou induzindo o que tem esta capacidade ao uso de drogas, de forma a influir em sua liberdade de escolha.

A criminologia moderna demonstra pontos favoráveis à descriminalização do uso de drogas. Neste aspecto, é corrente a idéia de que, em primeiro lugar, as condutas ligadas ao uso de droga se inserem na categoria de crimes sem vítima, já que, todas as conseqüências devem-se à opção que se fez e ficam restritas à pessoa do usuário. É modalidade de crime, por fim, que integra as cifras negras estudadas pela criminologia, ou seja, que não chega a passar pelo sistema formal de controle do Estado, por motivos óbvios. Por isso, a sua persecução é ineficaz, além de representar maiores custos em relação aos benefícios.

Não houve, como se sabe, a descriminalização das condutas relacionadas com o uso. Mas, também, é importante frisar que nenhuma evolução significativa ocorreu no campo da prevenção penal. Se, por um lado, o legislador penal deixou de enfrentar a descriminalização das condutas relacionadas com o uso de drogas, por outro lado deixou de estabelecer uma política criminal séria no sentido de estabelecer a prevenção penal.
Importante ressaltar que o crime descrito no art. 28, da Lei nº 11.343/06, referido em nossa tradição penal como crime de uso (que, a rigor, não pune propriamente o uso, mas todas aquelas condutas relacionadas com o consumo de drogas, como sua aquisição e guarda e seu transporte), já é categorizado como crime menor (art. 48, § 1º, da Lei nº 11.343/06). Todavia, desde o antigo regime legal o conteúdo sancionador enformava-se ao conceito de crime de menor potencial ofensivo, já que se operou uma política jurídica nos tribunais que considerou aplicável à espécie o disposto no art. 2º, da Lei nº 10.259/01 (Lei dos Juizados Especiais Criminais Federal)

Havia uma política jurídica traçada pelos tribunais: por um lado, entendia-se inaplicável o princípio da insignificância, punindo-se a conduta do agente mesmo que a quantidade de droga apreendida fosse ínfima e sequer justificasse aí uma intenção de uso ou perigo para o bem jurídico-penal tutelado. Mas, por outro lado, as repercussões penais decorrentes da desjudicialização eram e continuarão a ser sob o novo regime legal atenuadas, evitando-se inquérito policial, o rito e toda a carga intimidante dele decorrente e o próprio papel pedagógico inscrito na realização do direito através da atividade jurisdicional, não se logrando com a transação penal nem os efeitos de prevenção geral, nem os de prevenção especial.
Pode-se inferir que a moderna orientação adotada não avançou com nenhuma estratégia de descriminalização, mas, também, não foi coerente com o postulado da law and order, deixando de imprimir, portanto, um caráter intimidador nas sanções previstas para as condutas relativas ao uso. Manteve o crime, contudo, erigindo um sistema punitivo sui generis que, com toda a certeza, criará embaraços para a realização da atividade jurisdicional.

Conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis. Não se trata de "crime" nem de "contravenção penal" porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, "sui generis". Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados ou da vara especializada). Em conclusão: não é "crime" nem é "contravenção" nem é um ilícito "administrativo": é um ilícito "sui generis" (GOMES, 2006, http://jus.uol.com.br/revista/texto/9180/nova-lei-de-drogas) Mas o fato lamentável é que o legislador brasileiro usa a Lei como forma de dar respostas aos reclamos da sociedade, por isso certas normas em vez de estarem em consonância com a esfera histórico-sociocultural, são apenas importações ou a expressão mais simples de emprestar caráter de juridicidade a fenômenos problemáticos melhor solucionáveis por outros meios de controle social.

Essas são apenas algumas das dificuldades que divisamos em nosso horizonte jurídico-penal numa rápida passada de olhos pelo art. 28, da Lei nº 11.343/2006. Mas há outras tantas que requerem aturado esquadrinhamento de políticas jurídicas para que se evite o completo malogro dos objetivos previstos na Lei. Uma delas, por exemplo, pode ser referida à atividade jurisdicional na fase de execução das penas, quando, na hipótese de não cumprimento injustificado por parte do reeducando, tiver o Juiz de aplicar, sucessivamente, admoestação verbal e multa. Mecanismos jurídico-legais que igualmente padecem de efetividade e que, na prática, correm o risco de substituir as penas que forem atribuídas ao infrator.

Fica a discussão nesse caso, tendo em vista que o legislador penal não conseguiu ter uma perfeita noção das consequências para o mundo jurídico ao estabelecer essa nova política criminal que, a todas as luzes, não se coaduna com as proposições da criminologia moderna, ou, expondo de outra forma, não percebeu durante o processo legislativo a inocuidade do trato do fenômeno da toxicodependência (ou, simplesmente, do uso de drogas) pelo viés jurídico-penal.

Parece pouco provável que o decisionismo jurídico-legislativo tivesse se radicado numa perspectiva puramente reducionista de enfrentamento do problema do uso de drogas, como se ele fosse um autêntico problema criminal. O legislador não foi acometido por uma cegueira, pelo contrário, ele tem a perfeita noção da ineficácia das penas para essa modalidade de problema social. Tanto é que evitou estabelecer um regime penal nos moldes tradicionais, criando medidas de caráter educativo.

É bom notar que o discurso do legislador - por consequência, o próprio discurso jurídico-legal - vai impregnado por aspectos muito peculiares, que decorrem de sua circunstância histórico-político-social. Por um lado, a Lei é uma imposição cada vez mais real em um Estado que se quer de direito e democrático, e abre a noção de segurança jurídica. De maneira que tem sobrado poucos espaços para decisões de caráter técnico-político. A segurança pública, por exemplo, é uma destas áreas que pode ser tratada através de ações políticas. A implementação de mecanismos preventivos para a saúde pública é outra matéria que pode ser inserida aí, na área das atividades técnico-políticas do poder político. E não entendemos impossível a criação desses mecanismos inclusive para mitigar os males provocados pelo consumo de drogas (através do serviço social ou pela criação de sistemas multidisciplinares, v.g.). No entanto, o mito da Lei exige a operosidade do legislador, que, por outro lado, se vê na contingência de dar alguma resposta para a sociedade.

Mostra-se através da Lei que algo é feito para debelar os problemas sociais, mas, em boa verdade, apenas impinge-se na sociedade uma falsa crença. E sabe perfeitamente o legislador penal que o Estatuto de Desarmamento não colocará fim à criminalidade brutal que assola o País, assim como a aplicação de pena aos usuários ou dependentes de drogas não expressa, por um lado, os efeitos preventivo-especiais (de ressocialização e de mitigação do fenômeno desviante) e, por outro, não protegerá o bem jurídico saúde pública. No entanto, ele obstina-se em transmitir à sociedade uma impressão de estar atento e decidido em relação a esses problemas. Em muitas circunstâncias, o legislador recorre à operação jurídico-penal "para produzir um mero efeito simbólico na opinião pública, um impacto psicossocial, tranquilizador para o cidadão e não para proteger com eficácia os bens jurídicos fundamentais para a convivência". (FRANCO, 1996, pp. 175-187).

A questão pode ser equacionada assim: o legislador, em boa verdade, deixou de enfrentar abertamente o problema político-criminal sediado em torno do velho dilema entre as políticas de criminalização e de descriminalização, mas, por um lado, ao manter o crime de uso na nova Lei Antidrogas, realizou um discurso subjacente de desjudicialização (o autor do fato não será submetido ao ritual do processo judicial, pois, via de regra, tudo poderá esgotar-se na audiência preliminar no juizado especial, com a transação de pena) e de despenalização (pois que estará o autor do fato sujeito a medidas de caráter educativo) e, por outro lado, aposta ele numa solução a longo prazo de política jurídica a ser realizada não nos domínios da Lei - da atividade jurídico-legal, mas na atividade jurídico-jurisdicional.

Tudo leva a crer que os juízes encontrarão enormes dificuldades para, a curto prazo, criar programas de prestação de serviços à comunidade e programas ou cursos educativos nos moldes exigidos pela Lei. Problemas estruturais presentes na maior parte dos municípios brasileiros serão o grande obstáculo. De modo que será mais frequente a transação da pena de advertência, implicando isto na prática de uma política jurídica verdadeiramente despenalizadora.

Como se pode perceber, o conjunto de problemas gerado em torno do tipo penal definido pelo art. 28, da Lei nº 11.343/2006 é complexo. E exige uma mediação político-criminal calcada em elementos mais sólidos de criminologia e na consolidação do entendimento das normas de caráter constitucional-penal. Se não for adequadamente abordado por uma intervenção do legislador penal e por uma séria política criminal, encontrará, como tudo leva a crer, uma solução ditada pelo ativismo jurisdicional, pois os magistrados não podem deixar os jurisdicionados excluídos sem qualquer meio de aplicação legal. Pode-se prever que a referida lei será aquela considerada norma válida mas sem eficácia. E, gerará, mais uma vez, a mais rotunda humilhação da norma jurídico-penal.

III- CONCLUSÃO

Pode-se concluir que as normas jurídicas que organizam o uso de substâncias entorpecentes estão fadadas ao insucesso, pois são leis que não produzem efeitos práticos, pois o poder estatal não tem apreendido os indivíduos que fazem somente o uso, além disso, é recorrente a prática dos traficantes em comercializarem drogas em pequenas quantidades para não se enquadrarem no crime de tráfico, desta maneira, acabam sendo considerados usuários, logo, não há qualquer penalidade para eles, essa é a realidade do sistema jurídico criminal pátrio.













IV- REFERÊNCIAS:

ANDRADE, Vieira De, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra: Almedina, 1987, nota 36, p. 130.

BRASIL, Lei 11.343 de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.

FRANCO, Alberto Silva. Do princípio da intervenção mínima ao princípio da máxima intervenção. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, ano 6, abr./jun. 1996. p. 175-187. Fascículo 2.

GARCIA-PABLOS, Antônio apud FRANCO, Silva. Op. cit., p. 182-183.

GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de drogas. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/9180/nova-lei-de-drogas. Acesso em: 20 de junho de 2011

GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Nova lei antidrogas comentada. Crimes e regime processual penal. Curitiba: Juruá, 2006. p. 14 e ss.

MACHADO, João Batista (in Teoria Pura do Direito, 6ª ed., trad. por João Baptista Machado, Coimbra: Armênio Amado Ed., 1984, pp. 73-74).




Autor: Evandro Fagundes Capuchinho


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