Reflexões sobre a Morte em Oscar e a Senhora Rosa



Nos Braços da Morte
Uma reflexão sobre morte e finitude


A morte faz parte do processo natural da vida. Através dos avanços da ciência, pode-se prolongar e dar qualidade de vida a pessoas com diversos tipos de doenças, porém, nunca anular a realidade da morte. Apesar de ser um processo natural, a eminência da morte é algo que traz angustia, pois, pensamos ser imortais, e esquecemos que a "vida é frágil, friável e efêmera". É uma realidade de difícil aceitação, já que para sociedades de produção e consumo, a doença e a morte são vistos como fracasso, incapacidade e vergonha. Diante de uma doença grave, vemos nos hospitais a esperança de cura, e restabelecimento da saúde, mas, muitas dessas são incuráveis e impossíveis de se restabelecer, evoluindo então para a morte. Diante desse fato, vários mecanismos de defesa são acionados, e a pessoa entrará em um processo que, segundo Kübler-Ross (1969/1998), caracteriza-se pela negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação, persistindo nesse processo a Esperança. A história de Oscar uma criança de 10 anos, internada em um hospital, lutando contra a leucemia, após uma quimioterapia fracassada e um transplante de medula mal sucedido, nos mostra um pouco dessa trajetória do momento da consciência de estado de terminalidade até a finalização do processo de morte.
Embora já percebe-se o fracasso de seu tratamento, através do comportamento (comunicação não-verbal) das pessoas que o rodavam, como ele descreve na primeira carta a Deus, dizendo que "quando o dr. Düsseldorf me examina de manhã, falta entusiasmo: sou uma decepção para ele. Só me olha calado como se eu tivesse feito alguma coisa errada", Oscar ainda não sabia que estava tão grave. Ao ouvir a conversa dos pais com o médico através da porta ele toma consciência da gravidade de seu problema e tem uma reação de choque "o ouvido colado à porta de ferro. Já não sabia o que estava mais frio, o metal ou eu", ouvindo depois que os pais e o médico iam sair da sala ele se esconde no armário e descreve um desejo de isolar-se "De qualquer modo, não me incomodava de ficar trancado no escuro: não tinha vontade de ver ninguém, depois do choque de ouvir aquilo tudo". Esse estágio de negação e isolamento é caracterizado pela rejeição da informação, isso porque somos incapazes de acreditar na nossa própria morte, pois nosso inconsciente diz que somos imortais. Podemos conceber a morte de outras pessoas, como os doentes internados, os idoso que andam claudicando pelas ruas, e outras pessoas com aspectos que julgamos desfavoráveis a vida, mas, não pensamos a própria morte.
Essa forma de defesa pode durar um breve período, sendo substituído pelo sentimento de raiva que se erradia para todas as direções. Neste contexto, o paciente julga que todos são culpados por sua enfermidade: "médicos não prestam", "enfermeiros não atendem quando necessito", "a comida me faz mal" etc. Na história de Oscar, percebe-se isso quando diz "Gostei de ouvir chamarem por mim sem responder. Queria irritar o planeta inteiro". Essa raiva vem do sentimento de impotência, quando uma pessoa é retirada de sua rotina, privada de seus sonhos, vendo todo o seu esforço e anos de construção indo por terra depois de uma noticia catastrófica, como a finitude.
O inicio da primeira carta de Oscar demonstra uma tentativa de barganha. Oscar relata alguns atos de sua infância como "toquei fogo no gato, no cachorro, na casa (acho que até fritei os peixinhos vermelhos do aquário),..." e depois afirma "... nunca lhe dirigi a palavra porque nem acredito que você (Deus) exista", porém, no parágrafo seguinte escreve "Mas, se escrevesse isso, pegaria mal, você teria péssima impressão, iria se interessar menos por mim. E preciso que se interesse". A mudança de discurso, mostra que existe um interesse pela ajuda de Deus. Oscar oferece a sua "crença" para que Deus se interesse por ele. A barganha é a fase da negociação, onde o paciente oferece tudo por um tempo maior de vida. Desta forma, pode oferecer tanto valores monetários, até promessas de uma vida mais amorosa e dedicada a Deus. É uma fase de reflexão, serenidade e docilidade (afinal, não se pode negociar com Deus, hostilizando o próximo).
Uma frase de Oscar marca um estágio onde percebe-se a depressão, ele diz "Não tinha me dado conta antes do quanto precisava de ajuda. Não me julgava assim, tão doente. A idéia de não ver mais Vovó-Rosa me fez perceber, as lagrimas escorriam queimando o meu rosto". A Depressão aparece quando o paciente toma consciência de sua debilidade física, quando já não consegue negar suas condições de doente, quando as perspectivas da morte são claramente sentidas. É um sentimento de perda, onde percebemos a realidade de que nascemos e morremos sozinhos. É uma fase caracterizada por desanimo, desinteresse, apatia, tristeza e choro.
A aceitação vem um tempo depois, quando percebe-se que todos os esforços foram inúteis, só resta aceitar a realidade. É um estagio de serenidade, repouso e momento de aproveitar os últimos momentos de vida, junto a entes queridos, reconciliando com os menos queridos. Oscar expressa esse sentimento quando diz "Tentei explicar aos meus pais que a vida é um presente estranho. No inicio, superestimamos esse presente: imaginamos ter ganhado a vida eterna. Depois subestimamos, achamos uma porcaria, curto demais, até seríamos capazes de jogá-lo fora. Enfim nos damos conta que não era um presente, mas sim um empréstimo. Então procuramos merecê-lo". Entender que estamos no mundo de passagem é muito importante, faz com que aceitemos melhor nossas vitórias, fracassos, sonhos e desilusões. A vida como Oscar diz é "um empréstimo", e cada segundo é único.
A Esperança é um fator presente em todos os momentos. Embora de forma não visível, cada estagio é uma forma de expressar a esperança. É ela que motiva o luta pela vida. Oscar mostra a esperança quando diz que "não há solução para a vida senão viver". E o segredo dessa esperança é: "a cada dia olhe o mundo como se o visse pela primeira vez".
É importante dizer que esses estágios podem acontecer de forma aleatória e não são vivenciados somente pelos pacientes, a família, amigos, pessoas próximas, também, os vivenciam.
Para o profissional de enfermagem, entender esses processos permite uma abordagem mais eficaz, torna a convivência com o paciente e família mais agradável e evita conflitos. Esse cuidado com a vida não deve ser dado apenas aos pacientes, o próprio enfermeiro, a equipe de enfermagem, médicos e outros profissionais de saúde necessitam entender a vida, o viver e o processo de morte, para valorizar esse "empréstimo" que é concedido a todos.













REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SCHIMITT, Eric-Emmanuel. Oscar e a senhora rosa: tradução de Bluma Vilar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.



Autor: C. S. Gomide


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