Por Uma Definição Do Eu



Por Uma Definição do Eu

 

Caro leitor[1], começo-me hoje dizendo-me: Minha já tão estimada Adriana Oliveira! Sou de todo sincero quando bem lhe declaro meu comum acordo[2] com cada palavra vossa a meu respeito. Sim, sou apenas um homem comum[3]. No peito, 25 anos de saudade; na memória, uma idéia que me conserva vivo. Um medo descomunal do por vir... que ainda agora desperta-me aquele costumeiro desejo de não existir[4]. Nisto tiveras tu muita razão: Ora, todos nós temos saudades; um plano de vida; um medo que nos diz propriamente humanos – ao menos nisto parece-me os homens distinguirem-se das rochas. Enfim, sou sempre conforme teu pensamento, em momento algum inequívoco sobre minha hipotética figura[5]. Todavia, o que fazer quando da concordância não resulta fato?

Por hora, deixemos ao acaso aquele que vos fala. Pensemos a pessoa tua. Mãe de dois; herdou da vida o orfanato do qual o mundo nunca soube livrar-nos – também não eu estarei isento do mal que a vida preparou para si[6]. Que me perdoe por este injustificado desvio – viu posta em túmulo a arte que ainda lhe serve de modelo e apoio, um fulano a quem chamamos Renato Russo. Pergunto-lhe pois: Acaso está vossa pessoa posta em um mundo ou há um mundo posto em vossa pessoa?[7] Parece-me não muito haver diferença entra um caso e outro, exceto aquela hipotética, a qual usamos para conceder-nos o milagre de um espaço e de um tempo; damos história ao nosso fantasma; e costumeiramente dizemos: “aqui estou eu”[8].

Alegra-te de não ser filósofa. E do mesmo modo que em si dispõe-se tal alegria, sorria a morte dos teus: saudade boa esta quando parece-nos suficientemente real. Falar do pai, lembrar a mãe. Na agonia da falta, usar dos filhos para o urgente consolo da alma. Não há dúvida, tal como aquela que se se faz para si também se morre. Morrer? Ao meu espírito a satisfação de existir é um luxo que nunca me fora entregue. Se morreu a mulher que lhe serviu de mãe, morrerá minha conjectura; Furtou-se a saudosa presença do pai? A suposição do meu se foi. Mas se te aguarda o medo da vida, abraça teus filhos – teu segredo de paz –. Quando muito, tomarei-me nos braços: A mais absurda hipótese do Eu…

 

Autor: David Guarniery

Idade: 25 anos

Início: 19:28

Término: 19:48

Tempos Gasto: 20 minutos

Dia: Sexta-Feira

Data: 10 de junho de 2011

Classificação: Crônica Lirico-Filosófica

Obra: 001

In Memoriam:

*Adriana Oliveira

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Brasil/ Paraná/ Cambé


[1] Minha hipótese formidável.

[2] Se do acordo se fizesse solução, suporia consenso a todos os conflitos de minha mente… e bastaria.

[3] Nos dizeres de Adriana: “Ele é gente como a gente”. (Em uma mensagem a mim postada via e-mail em data de 10 de junho de 2011). Antecipo agradecimentos a ela, causa eficiente [inspiração] desta crônica.

[4] Recentemente necessitei passar por um psicólogo e psiquiatra. Quero evitar que disto faça-se algum costume. Não se trata de loucura, doença ou qualquer outro evento do qual possa eu me furtar. Quero a solução por mim mesmo – se me for humanamente possível.

[5] Peço a devida atenção a este enunciado, razão de sua relevância e teor do pensamento filosófico por mim elaborado. Nisto creio: Como poderia ser equivocada se a hipotética realidade que sou reduz-se à interpretação que fazem e que faço de mim mesmo? Da verificação da convergência parece-me humanamente impossível extrair alguma forma de certeza que não aquela eleita pelo hipotético espírito da deliberação, dado que a suposta convergência me é não mais que “objeto” deliberado.

[6] Maldita suposição!

[7] Meu entendimento permite-me asseverar a não ocorrência de um conflito entre um caso e outro, de modo que ambos são simultaneamente possíveis

[8] De algum modo, permito-me declarar que todo meu sistema de pensamento – a que nego qualquer título; cabendo, quando muito, o de Filosofia da Mente – está aqui contido.


Autor: David Guarniery


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