Da Gestação de Um Sentido



Da Gestação De Um Sentido

 

Estava eu em um de meus vizinhos. Fui por insistência dos mesmos. Há algo estranho comigo. Tenho 25 anos de idade e nada, absolutamente nada, parece-me digno de uma comemoração. Não percebo sucesso em um aniversário como o percebo na descoberta de uma fórmula matemática, um passo simples na lua, uma descoberta revolucionária nas ciências cognitivas[1] ou na mais bela harmonia sonora que possa a alma dos homens produzir. Nisto apraz-me o desejo de celebração. Talvez aí haja, de fato, a razão que procuro para festejar. O motivo maior que dê não mais sabor à comida... mas o sentido real da vida que há muito busco, honestamente.

Fato é que o riso já não parece-me possuir a mesma lógica de quando criança. Quero algo simples e, deveras, árduo de se ter. Quero a razão pela qual possa eu justificar meu riso. Falta-me mais: aquele sentimento de felicidade que aquece o peito. Que mais faz rir que deplorar, ao relembrar, com quase absoluto desprezo, a inutilidade daquele instante onde apenas o corpo viveu. Onde meu espírito? Já não mais compreendo-me naquilo que faço, quando o sentido de se fazer parece já não mais orientar as mãos.

Se me materializo, falta-me o orgulho à consumada expressão de meu eu-objeto. Érebo maior é não saber de mim. Angústia é perceber que, em meio a tantos, somente eu não fui. Eu nada fui. Talvez melhor expliquem as fotos onde simplesmente não me percebo. Em algum lugar no espaço-tempo daquela celebração – mais efeito do costume que do postulado sucesso onde minha razão espera inebriar-se algum dia – estava ali um eu-fantasma… objeto dentre tantos; um modelo que muito espanta-me tê-lo sido um só momento. – E tu? Recordarás-me? Vestirás meu suplício em teu corpo? Que me dirás do horror? Silêncio. De modo que assim talvez me ouças.

Neste instante, uma voz cansada, humilde e perfeita em preciosa ternura invoca-me atenção. Oferece-me mais de todo aquele costumeiro inane. Rejeito aquela indecente manifestação da insignificância humana: uma mulher mal vestida, mal vivida. Um ninguém com quem até a existência ofender-se-ia se tal coisa possível fosse ao existir vazio que se quer cheio… preenchendo-se de todo o nada em forma de mulher. Coisa alguma a quem respondo: Não quero, Mamãe.

Quero futuro distinto. O melhor de minhas obras há de não reduzir-se em ser apenas um filho ingrato. E talvez… quanto por sobre esta obra o sentido de minha vida haver-se feito; ante o sucesso com que meus olhos têm por noites e dias sonhado; na ausência daquela efígie pela qual, ao mundo, o mais vil dos feitos humanos surgiu, possa eu agradecer o oportuno da vida; e fazer desaparecer das laudas muitas da memória a história escrita de minha muda saudade daquela, a compunção dos erros os quais nem um retrocesso há de me curar… e, sobretudo, a ingratidão tão típica de quem, por todo o sempre, negligenciou aquele pálido[2], mas puro amor que recebera por mais um dia.

E, talvez, quando, à beira do descanso perpétuo, a vergonha do que me fiz me logo declare coisa, venha eu a consumar minha frívola lógica, tornando-me na morte o homem que nunca eu soubera em vida ser. Em nada apraz-me a hipótese que sou. Daquele suplício em meu silêncio fez-se esta confissão, para a gestação de um sentido que me logo decerte… e talvez enfim liberte do arbítrio de pouco ser o espírito que mal concebe a si[3]. Mulher modesta; Marlene mãe, perdoe-me o meu não-ser; o horror de tornar-te berço… de coisa alguma.

 

Autor: David Guarniery

Idade: 25 anos

Início: 18:00

Término: 18:20

Tempos Gasto: 20 minutos

Dia: Domingo

Data: 05 de junho de 2011

Classificação: Crônica Lírico-Filosófica

Obra: 001

In Memoriam:

*Marlene Salgado Galvão (mãe)

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Brasil/ Paraná/ Cambé


[1] Talvez aqui venha eu a contribuir. Tenho uma interessante hipótese à formulação de minha suposta consciência. Os resultados que tenho obtido a partir desta investigação por mim realizada em mim mesmo – pois penso que de outro modo não poderia sê-lo – como que tem levado à ruína todos os supostos subsistemas aos quais pude dedicar-me até então. É esta ruína inexorável a evidência maior do postulado êxito de minha descoberta.

[2] Que não tenha todo o fulgor que desejo… nem por isto deixou de ser amor.

[3] Deste modo, creio que: sendo-me por deliberação tal como apresento-me a mim, a gestação de um novo sentido onde o eu que sou torna-se algo para mim mesmo é de todo refém daquele mesmo ato deliberativo inicialmente sugerido. O não-ser é, com efeito, a compreensão deliberada do eu sobre si mesmo, de modo que o desalento confesso resulta como condição necessária de um ato da vontade em perpetuar na hipotética consciência do eu o costume de mal conceber a si, crendo como realidade última do mesmo aquele mesmo nada perpetuamente concebido. O que nos torna algo? O que fornece a nós tal título? O ser de que falo é efeito da descoberta da consciência sobre si; e não do ser que, por existir somente, já não se sabe, razão pela qual somente a consciência concede uma historicidade à carne tua. O primeiro registro do universo foi a mais esplêndida invenção da minha mente. Que o mundo tenha-me feito eis uma hipótese; que eu tenha feito um mundo eis um “fato”, se para existir é preciso crer que aquilo que a vontade cria seja real – Este tal Albert Einstein não é de todo fato que o mais extravagante dos meus delírios. (Declaro para cada um dos termos a mais absoluta arbitrariedade na qual suponho-me).


Autor: David Guarniery


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