A escola como produtora de memória à luz da pedagogia histórico-crítica



Joel Martins Luz

Aluno do Mestrado em Educação

UFMR/CUR

 

INTRODUÇÃO

Quando se propõe estabelecer uma conexão de nossas praticas e fazeres numa concepção teórica que embase uma direção rumo à nossos propósitos, não podemos perder de vista uma retomada das tendências do pensamento pedagógico universal. Se identificar e se adequar a uma dessas correntes, significa dar consciência ao nosso esforço individual de melhorar, de progredir e recuar fronteiras.

Toda ação humana se efetua como uma forma de construir trajetórias e legados, onde nesse processo, se constitui também, a elaboração de mitos, crenças e valores que o homem a significa como sua consciência simbólica. O sentimento de que essas trajetórias estão dispersas ou se diluindo por força de tensos momentos em que o homem vivencia, trás a tona a necessidade de retransitar dentro desses jogos de espelhos, em que o passado reflete suas ações presentes, tornando esses indivíduos protagonistas da sua própria odisséia existencial.

Essa ideia, inicialmente, pressupõe ações de transformação de seu meio social, já que, a construção do conhecimento não se dá somente pela reprodução do saber sistematizado, mas de forma mais contundente, das relações em que esse mesmo saber foi produzido, por isso, o contato mais direto que possamos adentrar na cultura material de nossas ações e experiências, corresponde ao domínio mais completo que podemos exercer numa sociedade economicamente e culturalmente justa.

Nisso, a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) [1], delineada por Saviani, vem ao encontro dessa ideia, de um indivíduo que se transforma ao agir, observando neste ato todo o processo de vida que o faz como referência e afirmação. A escola, por ser o ponto de partida e por fazer parte de uma grande parcela nesse processo das experiências humanas, pode ser uma via de mão única quando se busca produzir e reproduzir as ações individuais com os objetivos coletivos; seja por meio do espaço escolar, ou, na materialização da sua cultura, por meio dos registros significativos de memória (arquitetura, relatos, livros, arquivos e bibliotecas...).

 ENTENDENDO A PEDAGOGIA-HISTORICO CRÍTICA

A educação tem suas origens no desenvolvimento histórico, processo pelo qual o homem produz a sua existência no tempo, agindo sobre a natureza, ou seja, trabalhando, vai construindo o mundo histórico, o mundo da cultura, o mundo humano. A concepção da PHC nasceu das necessidades postas pela pratica de muitos educadores, pois as pedagogias tradicionais, nova e tecnicista não apresentavam características historicizadoras; faltava-lhes a consciência dos condicionantes históricos e sociais da educação. Portanto, é na realidade escolar que se enraíza essa proposta pedagógica.

Para a PHC, a educação é um fenômeno dos seres humanos, então a compreensão da educação só é possível a partir da dimensão humana enquanto natureza. Conhecer esses indivíduos como produtores da sua própria consciência persiste a pratica de transformar seu meio social, fazendo desse processo, o seu trabalho cotidiano. Pois o homem precisa produzir continuamente sua própria condição, transformando a natureza e se adaptando a ela através do seu trabalho. Pois para Saviani (1991, p.15):

“... o homem não se faz homem naturalmente; ele não nasce homem sabendo ser homem, vale dizer, ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo. Assim, o saber que diretamente interessa à educação é aquele que emerge como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo. Entretanto, para chegar a esse resultado a educação tem que partir, tem que tomar como referência, como matéria-prima de sua atividade, o saber produzido historicamente.”

           Com efeito, essa corrente, se fundamenta no materialismo histórico. De acordo com Saviani (1991, p.88):

 “A expressão pedagogia histórico-crítica é o empenho em compreender a questão educacional com base no desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta visão da pedagogia histórico-crítica é o materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana”.

Nesta perspectiva, com ênfase na relação dialética da escola com a sociedade, a escola, ainda que elemento condicionado pela sociedade, não deixa de influenciar o elemento condicionante, à medida que cumpre sua especificidade e sua função social.

De acordo com Saviani (2007), os cinco passos para o desenvolvimento dessa proposta:

Primeiro passo: (Prática Social), é o ponto de partida; este é comum a professor e alunos, porém seus posicionamentos são diferenciados, pois são agentes sociais diferentes.

Segundo passo: (Problematização), é a identificação dos principais problemas postos pela prática social. Trata de detectar as questões que precisam ser resolvidas no âmbito da prática social, por conseguinte o conhecimento que é necessário dominar.

Terceiro passo: (Instrumentalização), trata-se de apropriar-se dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática social. Como tais instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente, a sua apropriação pelos alunos está na dependência de sua transmissão direta ou indireta por parte do professor.

Quarto passo: (Catarse), momento de expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que o aluno ascendeu.

Quinto passo: (Prática Social), é o ponto de chegada, compreendida agora não mais em termos sincréticos pelos alunos, mais sim sintéticos. Neste ponto, ao mesmo tempo em que os alunos elevam-se ao nível sintético em que, por suposto, já se encontrava o professor no início do processo, reduz-se à precariedade da síntese do professor, cuja compreensão se torna mais arraigada. Essa elevação dos alunos ao nível do professor é essencial para se compreender a especificidade da relação pedagógica.

Nesse intuito é que buscamos nos apropriar da PHC para embasar a edificação de espaços de memória escolar. Pois é na memória que os indivíduos se reencontram com o seu legado existencial, se refazendo nas ações e no sentimento de memória.

 ESCOLA COMO PRODUTORA DE MEMÓRIA

As instituições escolares, no decorrer do seu dia-dia, nas suas praticas de gestão e de ensino, acumulam documentos de toda a fase escolar dos seus alunos. Esses registros fazem parte não só da documentação acadêmica, mas é comum que essas unidades registrem também o seu cotidiano, nas atividades extraclasse, nos eventos, nas comemorações, nos jogos, nos passeios, enfim, é uma maneira de fortalecer a construção da sua memória.

Assim, a fotografia, os vídeos, os troféus, as medalhas ou qualquer outro objeto, de certa forma, fazem parte dos registros da escola, pois através deles, é fácil perceber que a escola desempenha um papel importante no processo educacional de um determinado contexto.

No entanto, as instituições educacionais nem sempre estão preparadas para o recolhimento e tratamento adequado que esses registros de memória requerem, e é comum, que no decorrer dos tempos, uma quantidade desmedida de registros se perca com a perda do seu valor administrativo ou mesmo com o mau uso, pois a visão reducionista desses repositórios com objetivos de cultura, muito das vezes, faz com que a memória se renda ao esquecimento.

Considerando que toda ação humana é historicamente construída, e que todo registro histórico é produção humana (SAVIANI, 2006, p. 29), podemos ousar em dizer que a materialização dessas ações por meio dos registros, contempla uma gama de possibilidades educacionais dentro e fora da escola. O reconhecimento das trajetórias por esses alunos, como protagonistas desse processo histórico, pode permitir a eles múltiplas condições que o direcione no mundo em que vive.

Sendo assim, a compreensão de uma tendência pedagógica que embase nossos interesses de pesquisa, pode ser um caminho para a superação de práticas desconexas do nosso contexto profissional, pois sabemos que todas as correntes se baseiam em movimentos sociais, filosóficos e antropológicos, ao mesmo tempo, estão associadas às concepções de sociedade, cada qual, na sua perspectiva de ideal. A PHC, nesse contexto, se alia perfeitamente nessa perspectiva educacional, quando se busca resgatar os valores da escola, como forma de reorganização de seus espaços e da promoção de uma pratica consciente da ação humana.

 Notas:

 [1] Essa pedagogia é tributária da concepção dialética, especificamente na versão do materialismo histórico, tendo fortes afinidades, no que ser refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural desenvolvida pela “Escola de Vigotski”. A educação é entendida como o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática social global. A prática social se põe, portanto, como o ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa. Daí decorre um método pedagógico que parte da prática social onde professor e aluno se encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo aos momentos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse). Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_pedagogia_historico.htm. Acesso em: 28 jul 2011.

 REFERÊNCIAS

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. 2. ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 39. ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 2007.

SAVIANI, Dermeval. Breves considerações sobre fontes para a história da educação. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p. 28-35, ago. 2006. Disponível em: < www.histedbr.fae.unicamp.br/art5_22e.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2009.

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Autor: Joel Martins Luz


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