Razão e inteligibilidade nas ciências



De início já se afigura uma interrogação fundamental concernente ao ato de concepção do pensamento, em particular, o científico. Pergunta-se: "porque o conhecimento se apresenta como criativamente inaudito, além da restrita possibilidade da simples dedução lógica, produzindo-se então como dada novidade, para além da possível camisa de força dialética que acontece na modalidade do método em sua universalidade lógica o qual funcionalmente aprisiona o conceito no esqueleto axiomático?" ou, alternativamente, "qual o tipo de epistemologia que concede ao ato criativo soberania diante de da dos conclusivos alcançados apenas por aquela pura logicidade?"

É a partir de Kant que o juízo - epistemologicamente construtivo - concer nente à ciência é definido em sua generalidade, universalidade e caráter de tipo apodítico, a saber, "transcendental". Distinto dos juízos analíticos os quais nada acrescentam ao conhecimento - com o predicado apenas desdo- brado a partir do sujeito - e os juízos sintéticos a posteriori - que estão na dependência total da experiência vivenciável - o solitário de Köeningsberg define os juízos sintéticos à priori os quais correspondem à ciência(e tam- bem à metafísica possível) como gerais, universais e apodíticos e ocorren do segundo uma essência epistêmica que assegura o crescimento ou acrés cimo do conhecimento associando o sujeito ao predicado em uma ligação
à primeira vista inédita e não categoricamente dedutível por lógica.
A tese a defender aqui atribui à faculdade intrínseca e constitutiva da criati vidade a atribuição dos juízos sintéticos a priori. O boom criativo poderia- se referir analogicamente à fabulação mesmo de tipo onírico, na qual a or- ganização lógico-dedutível não apresenta maior importância mas a profu são da representação e da conceitualidade afloram na construção do proces so cognoscitivo, na teorização possivelmente universal.
Uma pergunta muito inquietante é: "qual é o quê no ato de conhecimento o qual possibilita ou fornece a realidade do juízo sintético a priori ou de mo do semelhante: "o que fundamenta irredutivelmente o ato da criação?" Po- demos apresentar o exemplo da origem da teoria eletromagnética.Muitos fí sicos, a partir do experimento involuntário de Oersted, contribuíram para a formulação daquela teoria. Muitas leis então foram constituídas, a de Biot- Savart, a de Ampère, a de Ohm e a de Faraday, por exemplo, mas coube ao espírito criativo de Maxwell a unificação de todas aquelas leis num conjun to de quatro, as quais definiram então o campo eletromagnético e, dali, a natureza básica dos fenômenos luminosos, naquilo que se passou a se cha- mar a teoria clássica da luz.
A pergunta então é: "o que possibilitou a síntese histórica de Maxwell que definiu elegantemente o eletromagnetismo?" ou então: qual a agência inte lectual que levou Maxwell a se debruçar sobre a totalidade dos procedi mentos empíricos de Faraday para formular categoricamente tal teoria?". ou "em que consiste o ato ou o momento criativo?" ou ainda "o que de fato possibilita a concepção de um modelo teórico para explicar a reali dade experimental?" Quanto a essa última pergunta podemos dizer que, toda e qualquer ma neira possível de se explicar a realidade contém em si uma positivida de mesmo que limitada. Em outras palavras, alguma coisa é explicada possivelmente por alguma teoria. Contudo, diante das exigências de ca tegorias como simplicidade, simetria e mesmo elegância representativa, uma teoria prévia pode ser historicamente substituída por outra mais
"moderna" ou mais "explicativa". Por exemplo, sabe-se que a teoria de Galeno na antiguidade clássica já foi há muito superada mas também sabe-se que Hipócrates curou um mal hepático de um imperador roma no por hidroterapia. Ou, ainda, foi devido a uma maior simplicidade e elegância, também maior capacidade de explicação que a teoria astro nômica de Copérnico substituiu a teoria inicial de Ptolomeu.
Atualmente, existem duas tendências epistemológicas dominantes em ciência. A primeira, baseada na moderna teoria dos quanta assevera a exclusividade da construção apenas de modelos explicativos, não mais a obtenção textual da verdade absoluta. A segunda abre mão da passi vidade observacional substituindo-a pela tese ou crença de que algo é possível de existir se é possível de ser empiricamente construído. Des- se modo, novas partículas sub-atômicas são concebidas experimental mente pela colisão mesmo aleatória entre partículas já existentes. Por exemplo, existe um processo energético com 9.5 Giga-watt se tal é en tão possível de ser construído em um acelerador de partículas. Esses dois paradigmas da modernidade científica substituíram a antiga iniciativa de se obter possivelmente a verdade absoluta. Estamos num novo tempo no qual o homem se encontra no meio do caminho dimen sional que separa o micro-cosmo do macro-cosmo, do microscópio ao telescópio. À busca sôfrega pela explicação do universo, o homem as- socia conjuntamente toda a sua angústia existencial que se origina da irresolubilidade de sua questão ontológica. Perdido num pequeno pla neta em um sistema solar num dos braços de uma imensa galáxia situa da num pequeno rincão do universo verificável, tudo aqui na Terra é algo muito recente. Aquele que aqui lhes escreve tem atualmente a ida de de 50 anos. Se tal pensamento científico da modernidade dista de 500 anos do ano atual de 2011, esse período perfaz somente 10 vezes meu tempo já vivido, isso é muito pouco ao compararmos as medidas do contador de Geiger-Müller para fósseis de dinossauros que existi ram no passado. O homem já pisou na Lua, a sonda Voyager já cruzou a última fronteira do Sistema Solar, agora busca-se água em Marte, es sa procura pela vida fora da Terra integra uma atitude de resposta à an gústia humana de determinar sua identidade, qual seria a sua origem e qual será o seu destino final. Quando o homem sonda a pequenez o átomo ou observa a imensidão inter-estelar, na realidade ele busca o seu próprio sem blante no mundo natural a si alheio, o marco de sua própria presença em um universo ao qual ele procura desesperadamente atribuir sentido.
"(...) rejubilo-me, tendo algo a edificar com que me rejubile.
E renuncio à face bendita, renuncio à voz.
Porque um retorno esperar não posso.
Porque o que está feito assim foi e não será novamente.
Que a sentença não pese demasiado sobre nós".
(Thomas Eliot - Quarta-Feira de Cinzas)


Autor: João Arthur Ennes Fortunato


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