Crítica Ao Projeto De Lei N° 6.350/02



O projeto de lei n° 6.315/02 proposto pelo Deputado Feu Rosa, já demonstrava ser um avanço no ramo do direito de Família, pois pela primeira vez se falava em introduzir no texto da lei, especificamente no Código Civil que se encontrava em vacância, um dispositivo tratando da Guarda Compartilhada dos filhos com o fim do casamento. Desde já cabe definir de que se trata esta espécie de guarda, e asseverar que não apenas dela foi percurso o mencionado projeto de lei foi, já que estopim para o advento de outro de nº. 6.350/02, proposto pelo Deputado Tilden Santiago, este que dispõe em seu texto sancionado sobre o trata legal da guarda unilateral. Assim nos termos do revisado artigo 1.583, § 1°, a guarda compartilhada compreende "a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivem sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns" (texto definitivo e sancionado – em vacância - do Projeto de Lei n° 6.350; art.1.583, §1°, segunda parte). Noutros termos, mesmo os pais não morando juntos, o filho ficará sob a mesma responsabilidade de ambos, que têm os mesmos direitos e deveres referentes teoricamente.

Inúmeras foram as reformas ao projeto original. Este muito modesto e juridicamente pouco abrangente, mas o primeiro passo para grandes aspirações do desenvolvimento da acepção legal de guarda dos filhos.

A revisão do projeto pelo Deputado Tilden Santiago, o tornou muito mais inovador e abrangente, entretanto apesar de dilatar a possibilidade do juiz invocar o instituto da guarda compartilhada, que na proposta de Feu Rosa, só se referia a separação judicial por consenso mútuo, ou quando de divórcio consensual, o mesmo erro foi cometido, mas desta vez possibilitando, que a guarda compartilhada fosse adotada para pais e mães que passaram pelo processo de separação judicial e divórcio litigioso.

Malgrado, tal erro cometido pelos Deputados é muito grave, uma vez que confundem duas instituições do direito de família, o casamento com o indubitavelmente mais importante intitulado de filiação.

O casamento e a sua forma de dissolução não devem influir na relação dos pais com seus filhos, e muito menos na feitura de um instrumento legal para regular tal relação. Mas infelizmente, o texto com a restrição das possibilidades das pessoas que poderiam adotar a guarda compartilhada, ou ao menos a restrição de indicação pelo juiz para tal guarda foi aprovada no congresso como sendo para os pais que tiveram as retromencionadas formas de dissolução da sociedade conjugal.

Assim, a lei não estimulava, nem convalidava a adoção da guarda compartilhada por pais que se separaram após união estável ou nunca foram casados. Destarte, fugindo um pouco da realidade do país, que desde a década de 1990 passou a ter muito mais casos de união estável e mulher como chefe de família, ou seja, na maioria das vezes, mães que engravidaram e não mantiveram o vínculo conjugal com seus parceiros, nem ao menos em caráter de união estável.

Além de inovar na abrangência dos beneficiados com esta espécie de guarda dos filhos, o projeto do Deputado Tilden Santiago trazia a definição do que seria guarda compartilhada; assim prescreveu:

"Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente a guarda material dos filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar."

O texto deste projeto, que se pretendia lei, foi formulado de forma ambígua, pouco elucidativa e até com certa atecnia, pois "ruptura conjugal e convivência" são termos de grande abrangência, portanto, deixaria o legislador a cargo da doutrina a incumbência de definir a abrangência destes termos.

O enunciado também alude que "os pais participam igualmente a guarda material do filho", o que não passa de um grande desacerto, não obstante direitos e deveres sejam repartidos, já que a guarda material é de apenas um dos pais, pois o filho mora com um dos pais, tendo em vista não perder a referência do lar, mas isso não obsta que vá quando quiser a visita, passar uma temporada, ou até mesmo morar com o outro detentor do direito de família, quando eles assim acordarem. Enfim, a guarda material não é repartida, sim as responsabilidades jurídicas e sociais.

Foi nesse impasse que o Deputado Sérgio Miranda, enquanto relator, propôs uma nova definição desta guarda, reformando o projeto de lei 6.350. Versava esta:

Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização dos pais, dos direitos e deveres decorrentes do poder familiar para garantir a guarda material, educacional, social e de bem estar dos filhos.

Com este texto, a ambigüidade foi cada vez mais consagrada em tal formulação de projeto de lei, confundiu-se a referência de corresponsabilização de direitos e deveres dos pais com a guarda material, ou seja, a imediatidade física, imiscuindo aquela nesta. Não se quer dizer, e isso pode ser invocado pelos defensores da terceira reforma do projeto, que a guarda material seja privativa de um dos pais como se verifica na guarda única, entretanto, até mesmo para guarda compartilhada não cometer o grande erro da alternada, em que a criança perde muitas vezes a referencia do lar, é importante que esta tenha uma residência mais assídua, daí se falar que de fato os pais não dividem a guarda material, não passando a proposta de uma ficção jurídica.

A possibilidade de um acompanhamento por profissionais de diversas áreas para ajudar o juiz em seu trabalho de acompanhamento pissicosocial dos pais e das crianças incorporadas às sugestões dos pais, foi um grande feito desse substitutivo. Assim reproduz-se o enunciado abaixo que, aliás, também foi utilizado ipsis literis pela terceira revisão do projeto (aprovado pela Câmara dos Deputados), constando com art.1.584:

§2º Deverá ser nomeada equipe interdisciplinar composta por psicólogo, assistente social e pedagogo, que encaminhará relatório com informações psicossociais dos pais e da criança, incorporada à sugestão dos pais, objetivando subsidiar o juiz, nos termos do acordo, no prazo máximo de 60 dias.

§3º Na impossibilidade do cumprimento do § 2º deste artigo, o Judiciário utilizar-se-á do Conselho Tutelar relacionado com aquela jurisdição para emitir relatório psicossocial, no prazo máximo de 60 dias."

No mínimo, trata-se de uma anomalia jurídica o parágrafo 3°, a lei deve se pretender eficaz em todo território nacional, a exceção a regra deve ser estabelecida em instrumento legal subsidiário, na impossibilidade de municípios de menor porte fornecerem a estrutura adequada para a implementação da equipe interdisciplinar. Neste caso, não cabe a lei se excetuar e dar margem ao seu descumprimento.

No Senado Federal o projeto tomou nova consistência e magnitude. Agora não mais tratava apenas da guarda compartilhada, mas também da unilateral. Assim o legislador brasileiro passa a dividir com a doutrina a incumbência de estabelecer os tipos de guardas existentes no país, que na verdade eram importadas de conceitos estrangeiros, aliás, como a própria guarda compartilhada que nasceu na Inglaterra.

As guardas de filhos até então existentes na doutrina brasileira eram quatro, como endossa o próprio Deputado Tilden Santiago na justificativa da propositura de seu projeto de lei, a saber: guarda alternada, guarda dividida, aninhamento ou nidação e guarda compartilhada. Entretanto, a guarda alternada e, principalmente o aninhamento guardam pouca afinidade com a realidade brasileira. Eis que então o legislador se posiciona, tendo em vista uma adequação à prática, deste modo privilegiando a guarda compartilhada e a unilateral, todavia, sem o desiderato de restringir a produção doutrinária.

A melhora no texto do projeto de lei pelo Senado foi substancial, obtendo uma organização mais idônea. Além do disso, tal projeto foi aprovado sem alterações pela Câmara dos Deputados, que foi a casa de origem e, portanto, daria a última palavra sobre o projeto.

Entretanto, algumas críticas subsistem e são marcantes. O conceito de guarda compartilhada, agora já incorporado ao Código Civil de 2002, a partir do projeto de lei mencionado, que foi sancionado pelo Presidente da República, no dia 13 de junho de 2008, faz parte de uma das discrepâncias de tal norma. Uma vez que esse é incompleto e, aparentemente, assim foi feito para dar maior margem decisória ao juiz. Malgrado, essa discricionariedade pode dar vazão a confusões, pois o magistrado pode acabar aplicando a guarda alternada, já que o legislador é omisso quanto ao fato de que a criança (ou filho absolutamente incapaz) só deve ter uma residência. Portanto, o conceito deveria ser mais completo para enunciar, pelo menos, que a guarda material ou física é única, isto é, que o filho só pode ter uma residência, sob pena de perder o referencial de lar.

Além disso, a nova norma parece conferir compulsoriamente aos pais, a obrigação de adoção da guarda compartilhada por determinação judicial em certos casos, o que pode ser vislumbrado na análise do arts. 1.583, §4° e 1.584, §2°. Visto que o primeiro dispositivo postula que "a guarda unilateral ou compartilhada, poderá ser fixada, por consenso ou por determinação judicial (...)"(grifo nosso); esta faculdade dada pela lei pode ser lesiva para o menos, se ao contrário da boa hermenêutica, que necessita tal dispositivo, o juiz entender que pode impor um regime de guarda compartilha aos pais, os quais podem viver uma relação agressiva e desafetuosa, prejudicando, muitas vezes, o desenvolvimento psicológico, social e até educacional do filho. No entanto, a interpretação pode ser outra, e a nosso ver a mais acertada, cabendo ao magistrado, na possibilidade de harmonização entre os pais, e pelo livre convencimento desses, após terem sido apresentados ao instituto da guarda compartilhada, consignar esta forma de guarda na separação judicial, ou divórcio, sejam consensuais ou não. Embora tal interpretação seja quase remota no caso do novo art. 1.584, §2° (ainda em vacância), do CC-02, que determina, "quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada" (grifo imiscuído), assim, também há, segundo esse artigo, uma grande probabilidade do magistrado impor a guarda compartilhada sem a anuência dos pais, provocando sérios prejuízos ao filho. Mas cabe ressaltar, o fato da lei estabelecer que será aplicada "sempre que possível", ou seja, em hipótese alguma o juiz deve infligir os pais a adotar a guarda compartilhada, sem que haja um entendimento harmonioso entre estes.

Portanto, o postulado operacional da razoabilidade e a boa hermenêutica serão instrumentos indispensáveis para que o juiz aplique mais adequadamente os dispositivos retromencionados, caso contrário, podem ser uma arma fatal para o futuro de inúmeras crianças e filhos com certos tipos de incapacidade absoluta.

Terminaremos nossa crítica ao então sancionado Projeto de Lei n° 6.350/02, exaltando sua importância para a configuração da nova família brasileira, que é cada vez mais formada por casais separados e divorciados, além de companheiros que romperam seus vínculos, mas os filhos advindos dessas relações sempre deverão ser postos acima de qualquer tipo de rancor ou mal entendidos que restaram com o fim da relação, pois o instituto do casamento, da união estável e os demais relacionamentos, mesmo que eventuais, não podem ser confundidos com o instituto da filiação. Vale ressaltar que o filho, em determinado período, é sempre vulnerável e dependente dos pais para o seu desenvolvimento ético, psicológico, educacional, dentre outros. Portanto, a supramencionado projeto de lei acertou plenamente em seu texto final, quando distinguiu tais institutos, e salvaguardou ao máximo a integridade do filho.

Cabe salientar, ainda, o oportunismo do Congresso Nacional, que regulamentou no projeto de lei destinado a instituir e disciplinar a guarda compartilhada, uma outra espécie de guarda, a unilateral.
Autor: Felipe Jacques


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