Sindicatos no brasil



SINDICATOS NO BRASIL

            Os sindicatos brasileiros tiveram sua gênese sob as asas protetoras do Estado Novo, período em que o país foi governado por um regime ditatorial com feições populistas, inspirado no modelo corporativo da Itália fascista. Isto não quer dizer que o movimento trabalhista fosse inexistente no Brasil. Ocorre que o Estado, percebendo a possibilidade de um desenvolvimento autônomo do sindicalismo, se antecipou criando uma estrutura sindical atrelada ao Ministério do Trabalho, situação que facilitou seu controle através da máquina burocrática do governo.

            Na época, o sindicalismo anarquista exercia forte influência sobre o sindicalismo brasileiro, principalmente pelo fato da maioria dos operários, no caso de São Paulo, o maior pólo industrial brasileiro, ser constituído em sua maioria por imigrantes originários da Itália e Espanha. Ideologicamente, o sindicalismo brasileiro, mesmo ainda incipiente, era revolucionário, pautando suas reivindicações por mudanças na estrutura social, além da melhoria das condições de trabalho e salários.

            Dentre os mecanismos de controle do sistema de representação sindical, figurava a intervenção do Ministério do Trabalho sempre que a Diretoria violava as normas estabelecidas. A própria criação de um sindicato, dependia quase que exclusivamente, da aprovação ministerial. Entretanto, um dos mecanismos mais fortes para a manutenção desse sistema, sem dúvida, foi a contribuição sindical, paga compulsoriamente por todos os trabalhadores, representando um dia de trabalho e distribuída, proporcionalmente, às federações e aos respectivos sindicatos, de forma que tornou possível a sustentação financeira de sindicatos pouco representativos, sem que haja necessidade de um esforço de cooptação das bases para uma ação política mais efetiva como órgão de classe.

            Alguns mecanismos de controle foram extirpados com a Constituição de 1988, entre eles, o poder de intervenção do Ministério do Trabalho e a liberdade de criação de sindicatos, respeitados os limites de atuação por setor e município. A questão do direito de greve, ainda que sujeita a regulamentação, representou também um grande avanço para a liberdade de ação sindical, pois deixou de existir a figura jurídica da greve legal ou ilegal, tornando-se essa um direito dos trabalhadores. Por outro lado, a questão da contribuição sindical, apesar da oposição de setores mais modernos do sindicalismo contra este tipo de contribuição, foi mantida. Aliás, a manifestação dos setores mais avançados do sindicalismo, parece que foi mais discurso do que vontade política efetiva de eliminar essa figura compulsória e paternalista, já que o aporte financeiro oriundo desta fonte é significativo e importante para a manutenção das atividades da maioria das entidades.

            Considerando sua origem como instituição, o sindicalismo brasileiro pautou por uma vinculação umbilical ao Estado ou a política dominante neste. Via de regra, foi usado como componente de manobra de vários governantes para seus propósitos políticos eleitorais. Essa situação ocorreu até o fim do sistema democrático representativo em 1964, quando os militares romperam a ordem institucional e assumiram o poder através de forte sistema repressivo, que atingiu as lideranças sindicais vinculadas aos partidos políticos considerados de esquerda. A partir daí, a ação sindical ficou restrita ao campo assistencial, sem qualquer poder de decisão nos conflitos trabalhistas que passam à alçada do Estado. Este estabelece os índices de correção salarial a serem aplicados, ficando o sindicato apenas com a função burocrática de homologador. Os Dissídios Coletivos, nas datas de negociação das categorias profissionais, passam a ser definidos pela Justiça do Trabalho que, sem exceção, mantinha os índices fixados pelo Governo Federal através do Ministério do Planejamento. As bases de cálculo dos reajustes salariais tinham por referência a inflação média dos últimos vinte e quatro meses e uma taxa de produtividade baseada na média nacional de todos os setores industriais. É evidente que esta produtividade era incipiente em relação as altas taxas obtidas pelos setores modernos da economia, como a indústria automobilística.

            Antes de 1964, a ação política dos sindicatos se limitava a conchavos realizados no nível das cúpulas dirigentes, não ocorrendo uma vinculação com as bases trabalhistas nas fábricas. Os acordos políticos eram constantes entre líderes sindicais e governos de ideologia populista ou mesmo os mais posicionados politicamente à esquerda. Esta postura levou os sindicalistas a alijarem as bases como elemento de sustentação política em favor dos acordos políticos com dirigentes governamentais. Neste quadro, quando advém a deposição do governo constitucional, os sindicatos ficam literalmente com “a brocha na mão”, ou seja, sem sustentação política da classe operária para reagir, pois sua ação, via de regra, sempre ignorou as bases operárias.

            Com o novo quadro instaurado após a intervenção militar de 1964, restou aos sindicatos poucas alternativas de ação fora do papel assistencialista imposto pelo governo autoritário que se sustentou a partir de alianças com o empresariado e o sistema militar repressivo.  Esse sistema de alianças funcionava perfeitamente dentro de um ambiente político autoritário, com o congresso fazendo um papel de homologador das decisões do poder executivo, além de uma conjuntura econômica internacional favorável. A tônica do regime era o crescimento econômico sem conflitos trabalhistas, negando a existência da luta de classes ou mesmo de classes sociais, privilegiando a concentração de renda.  O sistema militar durante o período de 1964 até a fase de transição democrática saiu do seu papel institucional de proteção do território nacional e de salvaguarda das instituições para atuar diretamente na repressão político-ideológica em estreita sintonia com a política da guerra fria, alinhada aos Estados Unidos.

            Entretanto, é num setor industrial moderno, representado pelas indústrias automobilísticas, que ocorrem as primeiras mudanças neste quadro de marasmo das atividades sindicais. Uma nova estratégia é utilizada, escapando dos limites impostos pelo quadro institucional, que vai imprimir uma substancial mudança no ambiente trabalhista brasileiro, dando início a um processo cujos reflexos vão atingir a assembléia constituinte, instalada em 1978, para legitimação da restauração democrática.

            A estratégia utilizada pelo sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo envolveu a ampliação do caráter assistencialista, voltado, principalmente para os aspectos legais trabalhistas, atuando juridicamente para o cumprimento da CLT, obtendo algumas vitórias significativas, como a incorporação das horas-extras no recolhimento do FGTS. Paralelamente, os metalúrgicos passaram para um corpo a corpo na formação de suas bases nas fábricas, levando as lideranças que aí foram emergindo, para a órbita sindical, criando condições para uma ação mais sustentada no futuro.

            Quando começaram a eclodir os primeiros focos de insatisfação em uma empresa automobilística, era difícil de prever a eclosão de um movimento com a amplitude que se alcançou. A tática utilizada pelas lideranças foi parar as máquinas e permanecer na fábrica, o que dificultou, inicialmente, a repressão. As tentativas de greves antes desse evento sofreram violentas repressões, como a prisão e tortura das lideranças. Os piquetes eram formas de ação que já não tinham como ser utilizados naquele momento, pois a ação policial era violenta e eficiente. Não havia piquetes nas portas das fábricas, simplesmente os trabalhadores entravam, marcavam o ponto e cruzavam os braços ao lado das máquinas. De uma empresa, o movimento passou para as fábricas maiores, normalmente iniciando nas áreas de ferramentaria e se espalhando para outros setores como manutenção, onde se concentrava a maioria dos operários especializados. Algumas empresas movidas pelo desespero ante a possibilidade de redução do ritmo de produção, já que a demanda do mercado era crescente, procuraram se antecipar, reajustando os salários dos operários especializados através do argumento de equalização com o mercado com base em pesquisas salariais e obviamente não ceder, politicamente, para o movimento.

            O movimento foi um sucesso para as lutas sindicais, quebrando o gelo de anos de paralisia política. Foram firmados acordos coletivos entre as indústrias e o sindicato, colocando em cheque a estrutura em que se apoiava as relações trabalhistas até então, baseada na ação repressiva de um Estado gendarme.

            Esse movimento foi a pedra de toque para o início de um processo de mudança em que os trabalhadores começam a perceber que era possível enfrentar as empresas com reivindicações concretas, que vão de encontro às aspirações da base e apoiadas por sindicatos combativos, estruturados com bases nas fábricas. Não se pode deixar de considerar que nesse momento, o sistema de alianças entre militares e empresários, começa a dar sinais de esgotamento, lançando a previsão de um horizonte de abertura democrática, ainda que tênue.

            Em março de 1979, o movimento metalúrgico atinge seu apogeu com a greve dos trabalhadores metalúrgicos de São Bernardo do Campo, tendo a greve se estendido por mais de 40 dias. O movimento em si não resultou em vitórias concretas para os trabalhadores que foram obrigados a manter as negociações com as fábricas funcionando e o desgaste natural provocado pela derrota. Entretanto, o movimento deixou sérias seqüelas na estrutura de relações do trabalho vigentes até aquele momento, provocando fissuras irreversíveis no espectro de normalidade e de harmonia nas relações trabalhistas e abrindo espaço para um novo encaminhamento dos conflitos. A ascensão dos metalúrgicos no âmbito nacional estimulou movimentos grevistas em todo o país, fortalecendo os sindicatos e organizações operárias nas regiões mais distantes e sem tradição de movimentos trabalhistas. Os líderes metalúrgicos de São Bernardo do Campo, percebendo a necessidade de um braço político para o movimento trabalhista, funda o Partido dos Trabalhadores (PT) e paralelamente começou a ser articulada uma central nacional dos trabalhadores, proibida até então pela legislação trabalhista.

            Na articulação da formação da Central de Trabalhadores, ficou patente o racha entre as duas principais tendências do sindicalismo brasileiro. De um lado, o setor moderno da indústria, representado pelos sindicados ligados as indústrias automobilísticas do ABC, com uma postura mais agressiva no que tange as reivindicações trabalhistas e altamente comprometidos com as bases e vinculadas ao PT. Do outro lado, o setor dominado pelo sindicalismo tradicional, via de regra vinculado ao Partido Comunista Brasileiro, com uma postura mais populista e sem muita capacidade de mobilização e com tendência a desenvolver ações de cúpula, sem penetração nas bases.

            Nesta divisão de tendências foram fundadas: a CUT, ligada aos sindicalistas militantes do PT e metalúrgicos do ABC e a CGT, ligada principalmente a sua maior estrela, Luiz Medeiros, cuja tônica de atuação é definida como sindicalismo de resultados, sem envolver uma perspectiva de mudança da estrutura social. É evidente que a CUT, apesar do seu discurso revolucionário, atua a partir de reivindicações concretas da base, mantendo o discurso como moldura de sua ação e deixa para o Partido dos Trabalhadores a questão da mudança da estrutura social e política. Entretanto, este fato não exclui a utilização de discursos revolucionários por parte das lideranças sindicais, mas sem perder de vista a visão da luta concreta do sindicato por melhorias no âmbito das reivindicações dos trabalhadores.

            Concluindo, podemos deduzir que o Sindicalismo brasileiro, mesmo dividido entre essas duas principais tendências, avança no sentido do seu fortalecimento, deixando aos poucos a sua ligação com a estrutura corporativa do Estado. Se de um lado a CUT se destaca por suas posições mais radicais, já é possível vislumbrar o surgimento de lideranças, mesmo comprometidas com mudanças sociais, dispostas ao diálogo e ao consenso. Quanto a CGT, mesmo assumindo uma postura conhecida como a do sindicalismo de resultados, sem envolvimento político mais amplo, tem alcançado conquistas significativas, representando grandes avanços para a classe operária. Entretanto, quando a discussão se volta para as contribuições compulsórias, fonte segura de receita, o argumento usual é que o trabalhador brasileiro ainda não está preparado para sustentar seus sindicatos de forma espontânea, sem a obrigatoriedade da contribuição.

 

 

Renato Ladeia


Autor: Renato Ladeia


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