O Mais Novo Retrato Da Penitenciária Lemos Brito



Introdução

A instituição prisão criada nos séculos XVII e XVIII constitui um momento importante na história, sendo o instrumento adotado pelo Estado para controlar a sociedade. As prisões eram representantes do interesse da classe dominante na manutenção do sistema capitalista, uma estratégia política para manutenção da ordem que as define como um setor de repressão e de correção.

Como afirma Foulcaut. A prisão surgiu no período de transição entre a economia feudal e a capitalista. Dai dizer-se que a pena privativa de liberdade é fruto do sistema capitalista. (1996, p.19)

As prisões são aparelhos de reprodução da ideologia do capital que procuram comprovar que a não prática do trabalho é a certeza e a condução para a criminalidade, isentando então a participação do sistema capitalista na produção da delinqüência e criminalidade, e a idéia de que a sociedade e as oportunidades que nela se encontram disponíveis para todos, depende de que cada um se enquadre individualmente.         

Sabemos que o sistema capitalista perverso estabelece relações sociais (de consumo) acarretando as questões sociais que se apresentam sob a forma de exclusão social, advinda do processo desigual de distribuição de renda originando desigualdades sociais que geram pessoas à margem da sociedade os marginalizados, e o Estado é responsável pelo agravamento dessas questões sociais, pois privatiza suas responsabilidades perante a população ficando ausente no seu papel de proteção social.

O Sistema Penitenciário brasileiro está regulamentado pela Lei de Execuções Penais (LEP nº 7.210 de 11/07/1984), que determina como deve ser cumprida e executada a pena de privação de liberdade e restrição de direitos. A LEP regulamenta o sistema penitenciário brasileiro e preconiza várias assistências, como material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Dentro dessa perspectiva tem como função apontar deveres, garantir direitos, dispor sobre o trabalho dos reclusos, disciplina, sanções entre outras atribuições.

Atualmente cabe a SEAP (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária), a responsabilidade de gerir a unidade Lemos Brito bem como as outras Unidades do Sistema Penitenciário, o que anteriormente era responsabilidade do extinto DESIPE (Departamento do Sistema Penitenciário).

Desenvolvimento

A fundação da Penitenciária Lemos Brito citada anteriormente, se deu com a promulgação da Carta imperial de D. José I, recebendo a denominação inicial de Casa de Correção do Rio de Janeiro somente em 1850. O decreto 3971 de 24/12/1941 dispõe sobre a nova denominação da Casa: Penitenciária Central do Distrito Federal que, em 1957, passa a se chamar Penitenciária Professor Lemos de Brito. Este estaria aproximando-se da atual denominação da Unidade, uma vez que a criação do Estado da Guanabara subordinou-se ao Governo do Estado e, em pouco mais de uma década (de 1970 a 1981) chamando-se Instituto Penal Lemos Brito. De 1981 aos dias atuais, ostenta como denominação Penitenciária Lemos Brito, unidade prisional capaz de abrigar até 600 homens condenados a penas longas, caracterizando-se como Penitenciária de Segurança Máxima.

Localizada anteriormente no Bairro do Estácio de Sá, mais especificamente à Rua Frei Caneca, 463, no Rio de Janeiro, a Unidade era parte integrante do Complexo Penitenciário Frei Caneca, composto por três presídios, e um antigo hospital penitenciário, a casa de Custódia Romeiro Neto. Tem como população usuária homens de 30 a 40 anos, em sua maioria solteiros, tendo como ocupação anterior ao cárcere  o mercado de trabalho informal,como escolaridade o ensino básico fundamental, religião evangélica e incidência nos artigos 157 (assalto) e 213 (estupro) com pena de 10 a 20 anos a cumprir. Para dar suporte a este efetivo, tem-se uma estrutura composta por 40 cubículos individuais distribuídos em 15 galerias. A Penitenciária possuía um auditório com capacidade para 1800 lugares, duas quadras esportivas, uma capela católica, uma congregação evangélica e um espaço reservado para os estudos espíritas, respeitando e garantindo a liberdade de culto aos detentos como está prescrito no Regulamento do Sistema Penal do Estado do Rio de Janeiro RPERJ -1998, Seção VII, no artigo 42 que trata da Assistência Religiosa.

Ainda como espaços coletivos, contava-se com uma cozinha, uma cantina, uma biblioteca, contabilizando quase 8 mil exemplares e um Colégio Estadual Mário Quintana com ensino fundamental e médio. Funcionava, ainda, no espaço da unidade, duas empresas que utilizavam a mão de obra dos apenados; a fábrica de restauração e confecção de móveis, a oficina mecânica e a preparação de pães congelados salgados e doces, gerenciado pela Fundação Santa Cabrini. Os apenados que exercem atividade nestas empresas recebiam além da remissão de pena, também a remuneração. Remuneração essa que é diferenciada, de acordo com o cargo exercido pelos apenados, na fábrica de móveis o salário do profissional é de R$370,00, do meio oficial é de R$260,00, do ajudante R$306,00 e do aprendiz R$230,00; na oficina mecânica os apenados recebem de acordo com os serviços prestados não tendo assim uma remuneração fixa; na fábrica de pães congelados o salário do profissional é de R$475,00, do ajudante R$350,00 e do aprendiz R$280,00).

Dentre as atividades laborativas existentes dentro do cárcere, há atividades não remuneradas, que absorve uma mão de obra denominada de faxina, onde os apenados realizam quase todas as atividades operacionais da Unidade. O objetivo, nestes casos, é o de remissão de pena (cada três dias trabalhados há remissão de 1 dia na pena total).

Com vistas ao restabelecimento social, havia dois projetos institucionais em vigor desde 2002 destaca-se o Uma Chance e o 100% Transformando Vidas, ambos convergiam para objetivos em comum que era a redução do ócio na unidade, o resgate da cidadania, o estimulo ao trabalho e a educação possibilitando uma condição melhor para a reintegração desses apenados.

Mesmo sendo considerada uma unidade de segurança máxima, os apenados ficavam soltos durante o dia no interior do cárcere, podendo se dirigir a qualquer setor da unidade para serem atendidos, trabalharem e/ou participarem de alguma atividade, exceto à noite que era hora do confere [1].Apesar das diversas atividades tanto laborativas, educacionais quanto culturais o cotidiano da prisão é caracterizado por diversas questões sociais que perpassam o dia-a-dia desses homens encarcerados. Deste modo, a estrutura física, a forma de tratamento dos apenados pelos profissionais, o acesso à educação, à religião e ao trabalho, mesmo que para a minoria, contribuem para que a unidade seja considerada pelas autoridades como a Penitenciária mais harmônica do Sistema Penal.

Devido a uma questão política toda essa estrutura que a penitenciaria possuía, foi desestruturada onde hoje o retrato dessa penitenciária muda, pois com a transferência para Complexo do Gericino os apenados encontram-se em condições sub-humanas, onde antes tinham sua individualidade e hoje são obrigados a compartilharem sua individualidade com os outros apenados, ou seja, antes cada apenado tinha seu cubículo individual, hoje dividem uma cela tendo cada cela quatro apenados. Cela essa que possui dormitório (de cimento, não tendo nenhum colchão, e muito mesmos ventilação) e um sanitário, mais conhecido como boi, na qual para fazerem suas necessidades fisiológicas precisam estar agachados. De acordo com LEP (Lei de Execução Penal) em seu Art.88, Capitulo II: O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Os mesmos ficam presos, onde antes tinham o livre acesso aos respectivos setores das unidades, estando hoje privado do livre arbítrio para se locomoverem até os mesmos. O atendimento é feito somente com senha, na qual os profissionais precisam informar nome, localização do apenado para só assim poder atende-lo.     

Mostra-se evidente que o importante não é melhorar as condições de vida do individuo encarcerado mais manter a ordem para que o preso não infrinja as regras disciplinares e, principalmente, não fuja.

Foucault [2] (1983) em seu estudo sobre as prisões, ressalta o antagonismo da pena privativa de liberdade, justificando o fato de que "ao querer ser corretiva ela perde sua força de punição e que a verdadeira técnica penitenciária é o rigor.

O sistema penitenciário sempre tem estado em questão devido a um elenco de irregularidades, que vão desde as péssimas condições estruturais, que mantém os presos em condições insalubres, até o despreparo dos funcionários, como principalmente os agentes de segurança. O referente e grave despreparo dos agentes de segurança, certamente acirra e desencadeia o que há de contraditório, a violência e a desumanidade em uma instituição que propõe-se a ressocialização. Percebe-se que o sistema penal, nem ao longe atinge aos objetivos aos quais se propõe, que seria recuperar e reinserir o preso na sociedade. De acordo com Torres [3]:

O Sistema Penitenciário brasileiro é, em sua essência, violador dos direitos humanos dos presos e presas, com conseqüências prejudiciais à toda a sociedade. Inúmeros relatórios de organismos nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos reportam-se a respeitada caótica situação do sistema penitenciário brasileiro, onde a violação dos direitos humanos dos presos é uma rotina diária.  ( 2001:84)

O governo está atento apenas para a questão do sistema carcerário quando ocorrem os motins, rebeliões e as fugas, pois estas trazem um mal-estar à população como um todo. O objetivo maior dessa instituição fechada está, exatamente, na manutenção da ordem interna, mediante seu poder repressivo. Trata-se de um mundo complexo. Sem objetivos comuns definidos, exceto o da segregação social e de seu custodiamento intramuros. Segundo Torres:

As falhas no sistema penitenciário são sempre justificadas pelas ausências de maiores recursos materiais e humanos: faltam remédios, faltam profissionais técnicos e funcionários mais bem capacitados. O objetivo principal do sistema acaba resumindo-se em segurança e vigilância. (2001: 88)

No que se refere à questão da família, se torna evidente que o que ocorrerá  é a questão da redução de visitas tendo como um de seus fatores as dificuldades financeiras das famílias e a distância para se locomoverem até a unidade prisional. Estas dificuldades podem acabar afastando os mesmos, fazendo com que não compareçam às visitações, e como conseqüência, a possibilidade até mesmo da fragilização dos vínculos sócio-familiares. De acordo com LEP em seu Art 90: A penitenciária de homens será construída em local afastado do centro urbano à distância que não restrinja a visitação.

A família tem um papel muito importante no cárcere que é dar suporte ao apenado no ambiente prisional, sendo que a vulnerabilidade dessa família pode vir a contribuir para desarticular esse papel. A participação da família ao longo do cumprimento da pena poderá reduzir o sofrimento da reclusão, ao mesmo tempo em que mantém preservados os laços afetivos, podendo favorecer o processo de reinserção, pois aqueles que não possuem esse apoio poderão estar mais vulneráveis à reincidência e o retorno ao cárcere.

Conclusão

A sociedade fecha os olhos à realidade cotidiana desses homens e dessas famílias, os quais são precariamente amparados pelo aparelho estatal, e se vêem, a todo o momento, subtraído de sua dignidade e da retirada de suas identidades pessoais.

A família, enquanto instituição de suma importância no processo de reintegração social do individuo encarcerado, não se enxerga como detentora desse poder uma vez que, para tanto deveria ter o respaldo social necessário o que configura um círculo vicioso de reprodução da dualidade: exclusão X marginalidade por esta não possuir condições de cumprir suas funções básicas que faz referência à socialização de seus membros.

O desgaste da família em todos os seus aspectos afeta sobremaneira os vínculos sócio-familiares, sendo constatado o protagonismo do fator econômico.

A família é a base que da sustentabilidade ao individuo, principalmente ao apenado, é um dos principais fatores de ligação com a sociedade livre, sem falar que a mesma acaba contribuindo como principal agente da reintegração social. Sendo que as dificuldades que se encontram desarticula esse papel, podendo assim impossibilitar um melhor cumprimento da pena desse individuo encarcerado.

Tanto as famílias quantos os apenados vivenciam a questão social de uma forma mais gritante, não sendo observados como sujeitos. São culpabilizados e levados a ajustar-se aos padrões vigentes na sociedade e a questão social é tratada somente na sua aparência, contribuindo para sua pulverização.

Como resposta a esta situação, os apenados diante do não atendimento de suas reivindicações podem se organizar e se manifestar através de motins, rebeliões, com propósito de obterem melhores condições de vida.

A população civil livre clama por maior rigidez na forma de punir os apenados como se ter sua liberdade e sua cidadania civil, política e social vetada não fosse o bastante, pois os mesmos têm local para dormir e comida para não passar fome. Lamentavelmente, as pessoas que difundem este tipo de pensamento esquecem que o Estado deve custodiar a vida daqueles que infligiram a lei respeitando os direitos humanos e mais importante ainda, deveriam ter noção de que tratá-los como animais irracionais leva ao inevitável fim de devolver ao convívio em sociedade homens revoltosos e vingativos. O que não ocorre pois o Estado acaba por dando mais ênfase a manutenção da ordem e da disciplina.

Portanto como proposta a ser apresentada sugerimos a possibilidade de se rever à concepção de família pela própria política penitenciária com a colocação da mesma como sujeito de direitos e nos remetendo aos apenados deixar claro que apesar de estarem cumprindo pena por um delito praticado, devem ter assegurado direitos no que se concerne às suas condições de vida humana e digna, para que tenham uma inserção na sociedade como sujeitos de direito e não voltem a delinqüir.

Referência Bibliográfica:

BRASIL, Rio de Janeiro. RPERJ Regulamento Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro. Lei de 31 de março de 1986.

BRASIL, LEP Lei de Execução Penal nº 7210 de 11 de julho de 1984.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1988.

GUINDANI, Miriam Krenzinger A. Tratamento a Dialética do Instituído e do Instituinte. InServiço Social e Sociedade, nº67, setembro 2001..

TORRES, Andréa Almeida. Direitos Humanos e sistema penitenciário brasileiro: desafio ético e político do Serviço Social. PUC/ SP. Abril de 2001.


Autor: Liliane de Almeida Fonseca Marques


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