O serviço social e a nova política nacional de resíduos sólidos



No dia 2 de agosto, o Presidente Lula sancionou a Lei 12305/10 que regula a reciclagem e disciplina o manejo dos resíduos sólidos no Brasil.

Dados do IBGE apontavam que a Coleta Seletiva ainda era bastante incipiente no país. Apenas 7% dos municípios tinha este processo consolidado (405 localidades). Como alguns destes municípios são populosos, tínhamos 14%da população brasileira atendida por esse processo. Na região sudeste, 48% da população tem coleta seletiva implantada.

O objetivo da PNRS – Política Nacional de Resíduos Sólidos é o “desenvolvimento de estratégias sustentáveis, garantia que os resíduos retornem à cadeia produtiva, minimização da geração de resíduo e desperdício de materiais, incentivo ao uso de insumos considerados não poluidores ou degradadores do meio ambiente, redução de danos ambientais, estímulo à produção/consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis”.

Os municípios brasileiros tem pouco mais que três anos para adequar estes serviços aos novos parâmetros, e isso significa construir propostas locais a partir de uma ótica multidisciplinar já que a implantação da PNRS em nível municipal, demanda a identificação dos resíduos sólidos gerados, e a construção de estratégias de gerenciamento específico (logística reversa), assim como a definição de áreas favoráveis para a disposição final dos rejeitos.

A proposta instituída pela lei que conforma a Nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, começou a ser discutida no final da década de 80. Ao mesmo tempo em que profissionais sociais discutiam as condições de vida e trabalho da população que vivia do lixo, ambientalistas levantavam a bandeira da defesa do Planeta, a cada dia mais comprometido pela ação humana.

Em 1999, o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente define diretrizes técnicas para a gestão de Resíduos Sólidos, e em 2001 é formada uma Comissão na Câmara de Deputados que em 2005 ganha novo fôlego e constrói o Projeto de Lei a partir de discussão com os Ministérios das Cidades, da Saúde, do Meio Ambiente e da Casa Civil. Este PL, enviado ao Congresso pelo presidente Lula é a primeira iniciativa do executivo sobre a matéria e gera, em 2010, a lei 12.305.

A primeira grande diretriz contida na lei refere-se à Ordem de Prioridade, visando levar população e empresas a uma postura de “não geração, redução, reutilização,reciclagem e tratamento de resíduos sólidos e à disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”.

Em segundo lugar, a lei classifica os diversos resíduos, definindo o processo de coleta, tratamento e disposição final. Dessa forma, são normatizados resíduos domiciliares, da limpeza urbana, de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, de serviços públicos de saneamento básico, industriais, de serviços de saúde, da construção civil, agropastoris e outros.

No trato de alguns destes resíduos – agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, produtos eletrônicos e seus componentes – a lei determina a obrigatoriedade da  implantação da logística reversa.

No que se refere às pessoas que sobrevivem a partir destes resíduos, precisamos nos ater ao item XII do artigo 7º. da lei 12.305 que pontua como um dos objetivos a “integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos”.

Nesta leitura e, considerando-se as prioridades do governo federal,  os municípios devem construir planos municipais de resíduos sólidos, podendo propor consorciadas intermunicipais; e a coleta seletiva deve contar com a participação de cooperativas ou associações de catadores.

Segundo dados do IPEA, a implementação desta Política Nacional de Resíduos Sólidos deve ampliar ainda mais este mercado que, em meados de 2010, movimentava R$ 12 bilhões por ano – a produção anual era de 150 toneladas de lixo/dia – e envolvia cerca de um milhão de catadores.

Este volume de material reciclado pode ser triplicado, mas para isso são necessárias ações em dois sentidos: motivando a população a separar o reciclável do lixo orgânico e ampliando a capacitação e as condições de trabalho dos catadores (instrumentos de coleta, transporte e armazenamento, assim como intermediação na venda destes materiais à indústria).

O primeiro passo da consolidação de políticas municipais de resíduos sólidos deve partir de um Diagnóstico da Situação dos Resíduos Sólidos gerados, cotejando-se estas informações com as características socioeconômicas daquela cidade.  Outro aspecto a ser analisado é relativo às condições de vida e autonomização do segmento populacional que sobrevive da catação de material reciclável.

Relatos e depoimentos de trabalhadores na catação de recicláveis permitem afirmar que esta ocupação surgiu da necessidade de complementação de renda para pessoas com dificuldades de sobrevivência.

“O papelão catado e revendido garantia o leite das crianças” – dizia D. Rosa quando contava ser uma das pioneiras e que estava neste trabalho desde a década de 40.

Num primeiro momento, estes homens e mulheres atuavam individualmente, sem troca com seus pares e estavam submetidos aos proprietários dos depósitos de sucata que não apenas compravam aquilo que obtinham, mas definiam o valor a pagar e, em algumas situações forneciam uma carroça e mesmo permitiam o pernoite no meio do lixo recolhido.

Foi na década de 70 que estes trabalhadores começaram a discutir em grupo suas dificuldades pela falta do instrumento de trabalho, pela insegurança em virtude da falta de local seguro para guardar a carroça – principal instrumento de trabalho – e por terem que se submeter aos donos dos depósitos.

Era difícil aceitar que o preço do papelão diminuía quando caia o valor desse produto no mercado, mas que não aumentava quando o mercado se aquecia, gerando cada vez mais mais valia para o Capital.

Já dizia Marx (1980) que o pauperismo faz parte das despesas extras da produção capitalista, mas o Capital arranja sempre um meio de transferí-las para a classe trabalhadora e para a classe média inferior”.

A socialização surgida desses primeiros grupos vai aumentando a clareza de que eram roubados no peso e explorados na definição do preço do produto. A discriminação por falta da sociedade que legitima a violência policial contra eles é outro tópico presente nas conversas. Há relatos de espancamentos brutais promovidos por policiais, o que gerava muito desconforto principalmente por ser este mesmo agente público a única opção quando eles precisavam de socorro médico, por exemplo.

Atos de pura maldade eram freqüentes na vida dos catadores como fazer com que o catador que acabara de descer uma ladeira íngreme ter que voltar ao topo, empurrando sua carroça apenas para que aquele policial testasse sua “autoridade”.

Pouco a pouco, estes trabalhadores vão percebendo que sua atuação é parte integrante de cadeias de produção, como a da produção de papel e papelão. A face perversa dessas relações sociais de produção que apresentam vários matizes:

  • Os catadores, diferentes dos demais grupos de rua, vivem a pressão do mercado de trabalho: não tem patrão, registro ou salário, mas a ausência da sua produção é penalizada com a perda do ponto, do depósito como intermediário de seu trabalho ou mesmo como local de moradia;
  • Esta mesma inserção que se dá na relação exploração-exclusão, tem possibilitado o embrião de sua organização como trabalhador;
  • A sua espoliação acontece também na relação que estabelece com o poder público e a sociedade, já que mesmo que esteja prestando um serviço, a cidade o vê de forma distorcida.

Surgem assim associações, grupos e cooperativas de catação de material reciclável que pouco a pouco vão dando visibilidade à necessidade deste agir quando se pensa no meio-ambiente e no bem estar das cidades.

Sem dúvida, a construção de estratégias multidisciplinares voltadas para uma política de resíduos sólidos municipal precisa contemplar a formação/capacitação dos trabalhadores na catação, seja no trato com o material a ser reciclado, seja no gerenciamento de empreendimentos coletivos como nas estratégias de comercialização justa e solidária.

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Autor: Maria Magdalena Alves


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