A elucidação das quatro causas com noção de princípio na metafísica de aristóteles



Antes de começar o estudo sobre as quatro causas e as noções de princípio em Aristóteles, é preciso ter uma idéia do que é e do que se constitui sua metafísica. Feito isso, tratarei de expor o assunto proposto e central do nosso estudo que é a elucidação das quatro causas com a noção de princípio.

            Aristóteles, segundo Giovanni Reale, divide as ciências em três partes, as teoréticas, as práticas e as poiéticas ou produtivas, sendo a mais importante delas as teoréticas, que são constituídas pela matemática, pela física e pela metafísica. Esta última sendo a mais importante de todas, “pois é dela e em função dela que todas as outras ciências adquirem o justo significado”. (1)

            Filosofia primeira foi o nome que Aristóteles deu à sua ciência, depois denominada de metafísica por pensadores posteriores a ele. O termo filosofia primeira era usado por Aristóteles em oposição à filosofia segunda, ou seja, à física. E já que é em oposição à física não poderia ter outro nome senão metafísica. A metafísica é o estudo do que está além da física, de tudo o que a física não pode explicar. Portanto, estuda o universo supra-sensível, o ser e a verdade do ser. Supra-sensível no que diz respeito ao divino, a Deus mesmo, já que para Aristóteles, ser é substância e Deus é a substância primeira que causa todas as outras. Reale diz que a “pesquisa sobre Deus não é só um momento da pesquisa metafísica, mas é o momento essencial e fundador” (2) e, se não existisse uma substância supra-sensível também não existiria a metafísica e a física seria a filosofia primeira.

            A metafísica é uma ciência livre, pois encontra em si mesma o seu fim, ou seja, sua finalidade e, seu objetivo e seu objeto não estão nas coisas materiais como nas outras ciências, mas em si mesma. A metafísica é a ciência que nasce da busca do homem pela sabedoria e não visa nenhum fim prático e material, apenas o conhecimento (3).

            Tendo o conhecimento como única recompensa pelo seu estudo, a metafísica tem por objeto o ser, que é a substância, e a verdade do ser. Conhecer o ser é conhecer a verdade e conhecer a verdade é conhecer a causa. A verdade faz com que a substância seja o que ela é e não pode ser propriedade do homem e sim do ser. Conhecer a causa é conhecer o princípio que faz com que o objeto seja o que ele é, ou seja, a sua essência.

            Portanto, conhecer as quatro causas e os princípios apresentados por Aristóteles e fazer uma relação entre eles nos ajudará a entender melhor a metafísica.

            Para começarmos nosso estudo sobre as quatro causas e as noções de princípio é necessário saber seus significados. Irei começar pelo conceito de princípio e depois fazer uma relação entre as causas e os princípios.

            Se prestarmos atenção na imutabilidade, ou seja, na estabilidade, na capacidade de não mudar e na eternidade do princípio, é possível observarmos que nada se gera e nada se destrói, isto é, o princípio é começo e fim. O princípio não é apenas algo pelo qual se realizam as transformações das coisas, mas princípio “é também a força que movimenta aquelas transformações, deste modo, a constituição, a subsistência, a geração e a corrupção não ocorrem a partir do nada e em direção ao nada, mas a partir da força do princípio e na direção do princípio” (4), portanto, princípio é causa primeira e causa final.

            “O princípio é a unidade de todas as coisas” (5), unidade no sentido de, apesar das diferenças e da multiplicidade das coisas, o princípio reuni-las, condensa-las em uma só, dando a tal coisa uma identidade, uma característica própria.

            O princípio também é o princípio do devir, do vir a ser. Procurar o princípio do devir de todas as coisas é o mesmo que unificá-las, mas de uma outra forma, respeitando a imutabilidade das coisas. Assim como o princípio da multiplicidade é reduzir à unidade, o princípio do devir, sendo o devir a mudança, é reduzir à imutabilidade. A mudança é temporal, portanto, o princípio do devir é também reduzir o tempo à eternidade, ou seja, à imutabilidade (6).

            Portanto, argumentar sobre o princípio de todas as coisas é argumentar sobre a totalidade, pois, é nela que todas as coisas estão e é por conseqüência dela que é possível a unificação das coisas, isto é, o princípio.

            Passemos agora ao exame da causa. Causa é aquilo de que todas as coisas dependem para existir, já que na causa está o devir. Sem a causa, as coisas não têm o vir a ser, ou seja, não podem existir tornando-se contraditórias no sentido de que não pode haver algo sem causa.

            Aristóteles define as causas de todas as coisas como sendo quatro: a causa material, aquilo de que a coisa é feita; a causa formal, aquilo que a matéria será, a sua forma; a causa eficiente, aquilo de que deriva a coisa, aquilo que a fez; e a causa final, aquilo para que a coisa é feita, a sua finalidade. Se tivéssemos que hierarquizar essas quatro causas, elas ficariam assim: causa eficiente, causa material, causa formal e causa final. Para entendermos melhor essa hierarquia, tomemos como exemplo a cadeira: para existir a cadeira é necessário que exista um carpinteiro ou alguém que a faça, essa é sua causa eficiente; o carpinteiro precisará da madeira ou do plástico para fazer a cadeira, isto é, da matéria-prima, essa é sua causa material; essa matéria tomará forma de cadeira, que a identificará como cadeira, essa é sua causa formal; a cadeira tem uma finalidade, ela serve para sentarmos nela, essa é sua causa final.

            É possível perceber nesse exemplo que as únicas causas que não diversificam seu objeto são as causas formal e final, pois a cadeira não pode ter outra forma senão a de cadeira e não podia ter outro fim senão o de sentarmos nela. Portanto, podemos dizer que a forma e a finalidade da coisa são sua essência, são aquilo que fazem com que a coisa seja o que é e sem elas deixa de ser. Diferentemente das causas eficiente e material, que como demonstrado no exemplo, não precisa ser necessariamente o carpinteiro a fazer a cadeira e nem precisa ser de madeira para ao olharmos, sabermos que é uma cadeira. Podemos dizer então, que essas duas causas são constituídas de acidentes, não essenciais.

            Explicado o conceito de princípio e as quatro causas, passemos agora a fazer uma relação entre esses dois aspectos da metafísica aristotélica.

            Em sua obra Metafísica, Aristóteles nos diz que “todas as causas são princípios” (7), no sentido de ser aquilo de onde as coisas derivam.

            As causas e os princípios podem ser diferentes para diferentes coisas e, se tomados universalmente são os mesmos para todas as coisas. No que se trata das categorias do ser, “é absurdo dizer que não são os mesmos para tudo” (8), pois não existe um elemento comum entre elas a não ser elas mesmas, ou seja, nenhuma causa e princípio de uma categoria é causa e princípio de outra.

            Da mesma forma, nenhum ser pode ser idêntico ao do que dele deriva, por exemplo, o filho não pode ser idêntico a seus pais.

            Por outro lado, as causas e os princípios são os mesmos para todas as coisas, no sentido de serem essenciais a tais coisas, isto é, sendo aquilo que fazem com que todas as coisas sejam o que são. As causas e os princípios são os mesmos para todas as coisas enquanto são da substância, isso no sentido universal, e enquanto ela existir já que substância é tudo o que existe. E se diferenciam na particularidade das substâncias, por exemplo, uma cadeira de plástico tem causas e princípios diferentes de uma cadeira de madeira.

            Agora, usando os significados de princípio e causa apresentados por Aristóteles na Metafísica, faremos uma relação mais aproximada entre esses dois pontos, a começar pela causa eficiente.

            O filósofo nos diz que princípio é “a parte de alguma coisa de onde se pode começar a mover-se” (9), este é um dos significados de princípio e se confunde com um dos significados de causa quando diz que “causa significa o princípio primeiro de mudança e de repouso” (10), que é justamente a causa eficiente. É possível perceber que os dois significados chegam à mesma conclusão, de que causa e princípio nesse sentido são aquilo de que a coisa deriva.

            Noutro sentido, princípio se confunde com a causa material. Em um dos significados de princípio, Aristóteles nos apresenta o seguinte exemplo para explicá-lo: “no aprendizado de uma ciência, às vezes não se deve começar do que é objetivamente primeiro, mas do ponto a partir do qual pode-se aprender mais facilmente” (11). Citarei o outro significado de causa apresentado por Aristóteles e logo em seguida explicarei tal relação. O filósofo grego nos diz que causa “é a matéria de que são feitas as coisas” (12). Tomarei como exemplo novamente a cadeira, por já tê-la citado anteriormente e para facilitar a compreensão, na explicação dessa relação: na construção de uma cadeira é necessário escolher bem a madeira, isto é, a matéria, com a qual se irá construí-la, ou seja, a madeira apropriada para tal serviço para facilitar a construção, pois se escolher a madeira errada tal empreendimento não terá sucesso.

            Passemos agora a causa formal. Para Aristóteles causa também significa “a forma e o modelo, ou seja, a noção de essência e seus gêneros” (13). O significado de princípio que se relaciona com essa causa é o que diz que princípio significa “a parte originária e inerente à coisa a partir da qual ela deriva” (14). Para aqueles que lerem este significado sem muita atenção se confundirá com a causa eficiente por dizer que princípio é “a parte originária”. Mas se lermos com atenção, perceberemos que a palavra “inerente” caracteriza este princípio como sendo a causa formal, já que ser inerente a tal coisa é existir somente nela, ou seja, ser essencial a ela e, a causa formal, como já relatado anteriormente, participa da essência das coisas.

            E por fim a causa final. O último significado de causa apresentado por Aristóteles é de que “causa significa o fim, quer dizer, o propósito da coisa” (15), isto é, aquilo para que a coisa foi feita. Para esta causa, “princípio significa por cuja vontade se movem as coisas que se movem e se mudam as que se mudam” (16), ou seja, a busca pelo seu objetivo. A expressão “se movem as coisas que se movem” significa dizer chegar a seu fim, a seu objetivo, portanto à causa final.

            Estas são as relações entre princípios e causas no que diz respeito à metafísica aristotélica. E assim terminamos nosso estudo, não esquecendo que “todas as causas são princípios” (16).

 

 

 

 

 

 

 

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

 

§ (1) História da filosofia antiga, v. II, p.335, Giovanni Reale;

§ (2) História da filosofia antiga, v. II, p.337, Giovanni Reale;

§ (3) Metafísica, Aritóteles, (982 b, 10);

§ (4) Metafísica, Curso sistemático, p. 18, Aniceto Molinaro;

§ (5) Metafísica, Curso sistemático, p. 19, Aniceto Molinaro;

§ (6) Metafísica, Curso sistemático, p. 19, Aniceto Molinaro;

§ (7) Metafísica, Aristóteles, (1013 b, 15);

§ (8) Metafísica, Aristóteles, (1070 a, 35);

§ (9) Metafísica, Aristóteles, (1012 b, 30);

§ (10) Metafísica, Aristóteles, (1013 a, 30);

§ (11) Metafísica, Aristóteles, (1013 b);

§ (12) Metafísica, Aristóteles, (1013 a, 20);

§ (13) Metafísica, Aristóteles, (1013 a, 25);

§ (14) Metafísica, Aristóteles, (1013 a);

§ (15) Metafísica, Aristóteles, (1013 a, 30);

§ (16) Metafísica, Aristóteles, (1013ª, 10).


Autor: George Morrison Dos Santos


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