Um breve histórico sobre o processo civil brasileiro



 

Um Breve histórico sobre o Processo Civil brasileiro

 

Sumário: 1 Introdução. 2 Do início dos estudos do Processo à atualidade. 3 Conclusão.4 Referências bibliográficas.

1 Introdução

A teoria eclética da ação imprimiu movimento inicial nos estudos a respeito da ação e sua importância para o processo ao discutir a possibilidade jurídica do pedido enquanto condição de ação, celebrando e honrando as idéias preconizadas por Liebman.

O ordenamento de Processo Civil consagrou a teoria eclética proposta por Liebman, acarretou nas condições de ação verdadeiro monumento ao saber jurídico-processual.

E Fazzalari põe em prática a metodologia de seu pensamento, consistindo esta numa nova ideia de adicionar do geral para particular e do particular para o geral e considera como postulado ou premissa para objeto de estudo o procedimento que passa a ser gênero, tendo o processo como espécie por excelência.

O processo é conceituado como procedimento realizado em contraditório entre as partes. A partir daí, marcos teóricos esquecidos e relegados pelos estudos de escolas e teorias anteriores são revistos e finalmente valorados.

No entanto tal vista à possibilidade jurídica como padrão de apoio a carência da ação caiu por terra pois se teríamos que considerá-lo basilar a entrada de qualquer ação estaria o juiz – ao serviço de análise negativa de tal pressuposto processual adiantando o julgamento da lide.

Tal entendimento veio ser contemplado no anteprojeto do novo Código de Processo Civil em trâmite nas casas do Congresso Brasileiro.

 

2 Do início dos estudos do Processo à atualidade

 

Segundo NEWTON DE CARVALHO “De ressaltar-se, também, que Fazzalari aderiu, incondicionalmente, à teoria da ação como direito abstrato. Assim, igualmente para aquele professor, o direito de ação independe da existência efetiva do direito material invocado pelas partes no processo. Mas para Fazzalari, na conclusão do processo, existindo o direito material, o juiz sterá o dever de se pronunciar. Nessa hipótese, poder-se-á constatar, efetivamente, a legitimação

do juiz para emanar a providência jurisdicional como fase última da legitimação do mesmo.”

Nesse sentido (de legitimação a receber a providência jurisdicional), pode-se falar de legitimação passiva das partes. Tem início a ideia que no processo o autor tem legitimação ativa e o réu legitimação passiva.

Tal entendimento encontra-se ultrapassado pois a legitimação de todos processo é ativa. Ferindo assim o basilar do contraditório. Entretanto, se, ao contrário, o juiz rejeitar o pedido, ou seja, recusar a providência jurisdicional requerida, neste caso se poderá dizer que, ao final, o juiz e as partes não têm a legitimação à providência almejada, ou seja, respectivamente, para emiti-la e para recebê-la.

Apesar disso, tanto o juiz quanto as partes não podem se considerar sem “legitimação para agir”, visto que processo houve, e não poderia ser de outra maneira para se chegar à decisão. A legitimação para agir não é sensível ao êxito do processo.

Fazzalari não considera o caráter jurisdicional a toda a atividade que se desenvolve no processo e da qual resulta a carência de ação; e, por conseguinte, nega também o caráter jurisdicional da chamada sentença terminativa. Levantado-se assim contra Liebman.

Assim, veio à tona, em 1973, o atual Código de Processo Civil, que com o enfoque de Liebman foi escudado pelas condições da ação presentes nesse diploma .

Em respeito à incompatibilidade do art. 267, VI,1 do Código de Processo Civil, a impedir que, em se tratando de carência de ação, não haja julgamento de mérito e, por conseguinte, inexista coisa julgada. Apesar que para Fazzalari, mesmo que o processo termine em razão de, desde o início, uma ou as demais partes não podem considerar-se, em hipótese, destinatárias dos efeitos do processo, ou que o juiz não poderia considerar-se autor; mesmo nessas hipóteses, os atos implementados durante o curso do processo, breves ou duradouros, serão inúteis, mas não inválidos.

A tese de fazzalari do processo como procedimento em contraditório apresenta uma evolução em no conceito de processo como relação jurídica. A relação jurídica processual toma contornos da relação de direito material e cuja característica seria a presença na forma de credor como titular do direito subjetivo ligado obrigacionalmente ao devedor como responsável pelo cumprimento do dever objetivo. O que se verifica são interesses opostos manifestados em contraditório, criando o provimento judicial que irá afetar a esfera jurídica de um dos interessados.

Contrapondo-se a essa tese do processo como relação jurídica, Gonçalves apresentou argumentos de que o conceito de Bulow se encontra superado pelo reconhecimento do processo como procedimento em contraditório. Segundo Gonçalves, a presença do contraditório e a simetria de paridade na obtenção do provimento seriam incompatíveis com a figura da relação jurídica, em que prevalece a presença do vínculo obrigacional entre os sujeitos, em que o credor (interessado) poderia exigir do devedor a prática de conduta determinada, portanto, ao raciocínio apresentado e desprezando, de vez, a teoria da relação jurídica processual, Gonçalves assevera que inexistindo vínculo entre sujeitos, pelo qual atos possam ser exigidos, pelo qual condutas possam ser impostas entre partes e o juiz, não há como aplicar ao processo a figura da relação jurídica que, construída no século passado, inspirado no individualismo jurídico.

Não se nega o devido valor à teoria da relação jurídica num contexto histórico para o desenvolvimento da Ciência do Direito Processual, mas o que não se pode admitir é sua incontestabilidade como teoria unânime no direito brasileiro.

Cabe ressaltar que, ao estudarmos o direito sob o aspecto democrático, temos de reconhecer o ordenamento jurídico como um todo homogêneo, dotado de normas complementares entre si, a fim de que a exegese jurídica seja obtida por critérios democráticos e inspiração constitucional, em que a prevalência de princípios regrados na Constituição se sobrepõe a conceitos isolados.

Com fundamento no raciocínio acima, é incontestável o reconhecimento de que a concepção de processo como procedimento em contraditório se encontra, sobremaneira, mais afinada ao discurso

democrático que a teoria da relação jurídica de índole liberal, fruto de doutrinas do século XIX.

Na concepção de fazzalari o processo é fator inerente ao Estado de Direito Democrático, situando-se não apenas no campo exclusivo do Direito Processual, mas sim no vasto domínio da Teoria Geral do Direito, donde se irradiará a todo o ordenamento jurídico estatal, apresentando-se imprescindível ao desenvolvimento de uma sociedade livre, plural e harmoniosa.

A missão do processo como instituto geral do Direito e sua classificação com base nas funções do Estado em que se encontra presente também é compartilhada pelo professor Baracho ao ver o processo como fenômeno geral do Direito dependente da natureza da função em que ele se coloca.

A classificação dos tipos fundamentais de processos tem relação com a questão das funções do Estado. A ideia de processo aparece em todos os campos do direito, desde que ocorra um conflito

de interesses que necessita ser resolvido.

A sociedade na qual o processo não é visto como garantia constitucional e não ter tal instituição como de presença obrigatória na emanação de provimentos estatais não se pode chamar de democracia – e se arrisca a decisões arbitrárias e vive sempre sobre a incerteza das paixões governamentais e dos regimes ditatoriais. É um povo sem voz que não participa da formação dos poderes de sua própria vida.

O juiz, seus auxiliares e partes devem ter uma específica legitimação para poder cumprir os respectivos papéis no seio do processo e devem se fazer habilitados a participar, impulsionando-o em direção ao provimento através das faculdades, dos poderes e deveres. O magistrado deixa de ter legitimidade para atuar em determinado processo dependendo do tipo de jurisdição ou da fase do processo bem como da divisão das tarefas num mesmo processo.

Assim, a legitimação para participar de um processo não poderá ser apenas em relação às partes, deve ainda ser usada em relação à legitimação dos órgãos jurisdicionais, visto que eles também interagem durante todo o processo.

O Professor Aroldo Plínio Gonçalves adere ao entendimento de fazzalari ao afirmar que contraditório não é só a participação dos sujeitos do processo. O contraditório é a garantia de participação em simétrica paridade das partes e daqueles que são os interessados aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor.

Os efeitos do provimento a ser emitido podem afetar o patrimônio de alguns sujeitos. Portanto a exigência que eles, como possíveis destinatários da eficácia da providência jurisdicional participem na formação do processo.

Por conseguinte e enquanto não proferida a sentença, são os sujeitos legitimados passivos em relação à providência pedida – tais sujeitos são contraditores, visto que legitimados a dizer e contradizer durante o procedimento.

A situação legitimante das partes é constituída por dois pontos a serem pensados: a providência jurisdicional que o requerente postula e os sujeitos que por causa dessa providência são diretamente atingidos pelo desfecho do processo.

A legitimação do julgador é também respaldada no tipo de providência que ele emite e que ele próprio poderá julgar a própria legitimação dele e de seus auxiliares (competência), inclusive no tocante à competência, para figurar em determinado processo.

Ainda para as finalidades de legitimação de um juiz num determinado processo, outro requisito é a imparcialidade em relação à providência. O juiz deve estar acima da situação substancial que vai ser apreciada por ele.

titulares da mesma, isto é, os destinatários dos efeitos da medida jurisdicional. Este “estar além”

ou “acima” é a base da “imparcialidade” do juiz, qualidade essencial, por imposição do nosso sistema constitucional.

Da obra de Fazzalari, nota-se a necessidade de destacar a importância do relacionamento entre o processo e a situação substancial deduzida no litígio. É que, do ponto de vista constitucional, a justiça se coloca contra o “ilícito”. Assim, a justiça civil é direcionada a consertar o inadimplemento da obrigação e a tutelar o correspondente direito subjetivo.

Portanto, os processos jurisdicionais são formulados de forma que, no desenvolvimento deles possam percebe-se a existência ou não daquela situação e, no caso de resultado positivo, possa dar-se uma providência.

Obviamente, ressalta Fazzalari que nem todos os processos finalizam uma “providência jurisdicional”, visto que podem extinguir-se durante o caminho ou não, comprovada a situação

substantiva em razão da qual a providência poderia existir.

Portanto, não se pode considerar a ação pelo resultado do processo, no sentido de que, no final, a providência jurisdicional pedida seja rejeitada. Não é pelo resultado do processo que se poderá dizer que as partes ficaram sem “legitimação para agir”. Ao contrário, houve desencadeamento necessário do processo, justamente para que o juiz pudesse tomar uma decisão. “Ações” aconteceram por parte de todos os partícipes do processo.

Como visto acima, a legitimação para agir diferencia-se da legitimação à providência e não é

afetada pela diferença dessas legitimações, diferença que depende, no processo civil, da

instrução, a esclarecer se existe ou não o dever e/ou o direito subjetivo, ou que o autor ou o réu

não é, respectivamente, titular do direito e do dever, ou que não aconteceu a lesão do direito.

As atividades processuais despendidas para instrução do mérito poderão ser consideradas

inúteis, mas não por isso invalidadas por falta de legitimação para agir, visto que esta se adquire

com base na situação legitimante e pode ser exercida durante todo o desencadeamento do

processo, independentemente do resultado.

O caso que dar poder as partes e ao juiz poderia ser mostrado como o relacionamento substancial deduzido na demanda. Mas na versão mais moderna é entendido que está legitimado ao processo civil quem declara um próprio direito subjetivo maculado e também quem é indicado como titular do dever colocado a serviço do referido direito e como autor da lesão.

 

3 Conclusão

 

Assim e a partir de Fazzalari sepulta-se a ideia da relação jurídica de Bülow dentro de um Estado Democrático. A teoria do processo como procedimento realizado em contraditório, em simétrica igualdade entre as partes, concebida por Fazzalari e entre nós por Gonçalves, vem influenciar na roda evolutiva do estudo do Processo na garantia do devido processo legal como direito fundamental e não apenas como haste formal do processo.

Aroldo Plínio Gonçalves define o processo como procedimento realizado em contraditório. Essa teoria foi aceita por Rosemiro Pereira Leal ao ver no processo uma instituição constitucionalizada garantidora de direitos procedimentais pelos princípios do contraditório, da ampla defesa, da isonomia, do dever da jurisdição, do direito ao advogado dentre outros.

E ainda cita-se com o advento no anteprojeto do novo CPC traduz toda a dimensão dada aos princípios perante o processo – destinando os primeiros capítulos do diploma vindouro a esses alicerces do Estado Democrático de Direito.

Com efeito, o Professor Rosemiro Leal afirma que a reflexão de fazzalari do processo para sua validade jurídico-científica, “terá de partir, na atualidade, do estudo dos fundamentos jurídico-institucionais do processo, e não da qualidade do procedimento em si mesmo”.

Assim, existirá processo apenas se observados todos os seus princípios instituidores, previstos na Constituição a definir, previamente, o que seja processo na Constituição.

Também há que se entender, como bem ressalta Pereira Leal que a jurisdição não tutela ou cria direitos vigentes, processuais ou materiais, pelo provimento - apenas reconhece, define e, mediante o processo de hoje o povo tem a liberdade direta e permanente de rever, fiscalizar, construir, destruir, reconstruir ou alterar o ordenamento jurídico, isto é, o povo se sente como destinatário da norma jurídica por meio de procedimento interacional.

É de se dar relevo à evolução do estudo processual encampada sempre em princípios constitucionais com caráter mais universal o que da ponta de análise se obtém mais segurança e menos alterações legislativas posteriores – uma vez vinculada a tais mandamentos de caráter mais inerentes a grande fonte de mudanças do direito: a alma humana.

 

4 Referências bibliográficas

 

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Autor: Gustavo Souto Monteiro


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