Alunos surdos - a relevância da escola especial



O presente artigo tem por objetivo discutir a importância da Escola Especial para o desenvolvimento sócio-cultural da pessoa com surdez e como as práticas pedagógicas, nesse ambiente, podem ser bem sucedidas. Para atender a esse propósito aponta-se que os preconceitos construídos ao longo do tempo sobre a condição educacional do surdo estão atrelados a um modelo ideal de sociedade que privilegia o “ouvinte”, ocasionando àquele indivíduo a segregação e exclusão social. Para tanto, discute-se o percurso da educação dos alunos surdos, enfatizando na história, o valor da Língua de Sinais e as diversas concepções e abordagens comunicativas que perpassaram/perpassam a educação dos mesmos. Nessa direção são analisadas algumas implicações e limites da inclusão educacional dos surdos na contemporaneidade. Ainda neste contexto, enfatiza-se que o atendimento na Escola Especial poderá promover o princípio da igualdade, a desmistificação da cultura preconceituosa que subestima o potencial intelectual deste aprendiz, e a valorização do seu contexto histórico-social.

 PALAVRAS-CHAVE: surdez – escola especial – língua de sinais

 Introdução

 Durante muito tempo, educadores desse e de outros países lutaram para que a escola incluísse em seu contexto, crianças e jovens com deficiência. A inclusão educacional vem se concretizando nas sociedades pós-modernas que enfrentam o desafio de conviver bem com a heterogeneidade e as particularidades do ser humano. No bojo dessas discussões sobre a valorização e respeito à dignidade humana encontra-se o indivíduo com necessidades educacionais especiais, em decorrência da surdez, que durante um longo período foi sujeito de compaixão e exclusão em seu entorno social e familiar. Assim, na contemporaneidade, defende-se a idéia de que esta população considerada erroneamente como “desvalida” e “inabilitada” tenha acesso a um espaço de ensino que promova o seu desenvolvimento profissional e educacional.

Nesta perspectiva, muito se tem discutido sobre os critérios mais apropriados para o atendimento educacional das pessoas surdas, este fato tem dado à educação de surdos o status de temática inquietante, especialmente pelas dificuldades que impõe aos educadores. Mendes (2002) esclarece que essa discussão sobre educação de pessoas com necessidades especiais, de um modo geral, vem acontecendo no Brasil há mais de uma década, mas a grande maioria dos discentes com necessidades educacionais especiais ainda está fora da escola. Considerando a quantidade de pessoas com deficiência, pode-se afirmar que poucos estão na escola, tanto em escolas e classes especiais quanto em sala de aula do ensino regular. Vale ressaltar ainda que o corpo docente não tem  preparo adequado para recebê-los.

Tendo como referências as discussões que colocam a surdez em uma visão prospectiva a partir da alusão de vários teóricos (SKLIAR, 1999, LACERDA, 2000, BASTOS, 2006, SANTANA, 2007, PERLIN, 2003) este artigo enfatiza a importância da Escola Especial para favorecer ao aluno surdo o desenvolvimento dos aspectos intelectuais, psico-sociais, emocionais e afetivos. Para tanto, apresenta os caminhos trilhados pelas pessoas surdas na sua trajetória educacional.

 Neste contexto, também é propósito do estudo fomentar discussões sobre os entraves envolvidos na “perversa” inclusão escolar que vem ocorrendo com os alunos surdos, fenômeno que, muitas vezes, se mostra inadequado, incoerente e descontextualizados para esses alunos, por colocá-los em desvantagem em relação ao ouvinte, principalmente, no que se refere à forma de expressão e comunicação desses indivíduos que fazem parte de uma minoria lingüística e utilizam a língua de sinais; a escola que se intitula inclusiva na maioria das vezes desconsidera essa peculiaridade.

 A desvalorização daquilo que é específico do surdo, como a língua de sinais, por exemplo, está pautada em idéias equivocadas sobre a surdez, pré-construidas culturalmente, que tem como modelo o ouvinte.  Nesse pensar a condição do surdo fica atrelada à patologia, à inaptidão para a aprendizagem, à falta de inteligência. Contrário a essa perspectiva, Santana (2007, p.15) diz que “o déficit auditivo não compromete a cognição, desde que a pessoa com surdez tenha uma vida social ativa e participativa, nesta condição suas funções são (re) organizadas dentro de um contexto sócio-histórico, onde está inserido”.

 Entende-se, com isso, que é de suma importância a compreensão de que uma escola que atenda alunos surdos e/ou com outras especificidades precisa comprometer-se com a variedade que a compõe, tendo como paradigma uma atuação pedagógica que defenda a heterogeneidade e uma educação de boa qualidade, haja vista que esse é um “direito de todos” sem distinção.

Desta forma, o que se pretende enfatizar na discussão é a importância de oferecer aos surdos, Escolas Especiais ou atendimento especializado, nos primeiros anos da escolarização, pelo fato de se entender que esses são, por excelência, espaços de interação dos surdos com os seus pares, e assim, certamente haverá um maior incentivo à cultura, à língua, à construção das identidades surdas.

A Escola Especial, nesse raciocínio, é que fará a verdadeira inclusão no âmbito sócio-educacional, pois no seu interior as discussões estarão mais voltadas para o campo específico da surdez. Acredita-se em acordo com Lacerda (2000) que os atores envolvidos nesse espaço educacional estão mais aptos a compreender a surdez como uma diferença lingüística que deverá ser respeitada, algo que de fato pouco ocorre nas escolas ditas inclusivas.

A partir destes pressupostos destaca-se o problema que se constitui em guia para o alcance dos objetivos desse estudo: Porque se considera a Escola Especial mais adequada para o atendimento ao aluno surdo? Na direção dessa indagação serão proporcionadas discussões relevantes sobre o tema, as quais irão nortear a análise para se chegar a possíveis conclusões acerca do atendimento educacional mais indicado para a educação de alunos com surdez. Assim faz-se necessário refletir sobre a verdadeira função da Escola Especial, demarcando qual o diferencial dessa escola ou atendimento especializado em relação à escola que se diz inclusiva e sobre as situações que podem se configurar em entraves no processo de inclusão dos alunos surdos na rede regular de ensino.

 1.0 Os discursos sobre a surdez

 A surdez é uma experiência visual que dá ao surdo a possibilidade de constituir sua subjetividade mediada por uma forma de comunicação que lhe é peculiar – a linguagem gesto-visual. Entretanto, cada sujeito surdo é singular e sua identidade se constituirá com base nas experiências socioculturais que vivenciou ao longo de sua existência.  Nesse sentido, Santana (2007, p. 15) esclarece que:

 "A organização cognitiva particular está também relacionada à percepção do mundo e à construção da significação. Podemos dizer que, na surdez, encontramos uma condição neurolingüistica de grande complexidade, em decorrência das condições de aquisição da língua, do uso da leitura labial, da língua de sinais, da fala, da “audição” resultante das próteses auditivas e dos implantes cocleares, dos aspectos culturais e do impacto político e social desses aspectos na vida dos surdos".

 Essa compreensão da surdez não estabelece limites para o sujeito que aprende, ao contrário dá possibilidades de construções diversas o que se torna grande desafio para o sistema educacional. Não obstante, as propostas que envolvem a educação de alunos com surdez estão permeadas das mais diversas discussões acerca das diferentes abordagens que são possíveis para a educação desses discentes. Assim, como um primeiro caminho para a procura de alternativas que auxiliem na melhor estruturação da educação que é oferecida aos surdos, se faz indispensável a compreensão das concepções que orientaram e continuam a orientar, na maioria das escolas, o  atendimento educacional dessas pessoas.

De acordo com o Ministério da Educação e Cultura e a e Secretaria da Educação Especial - MEC/SEESP (1994) é considerado surdo o indivíduo que possui audição não funcional na vida comum, e parcialmente surdo aquele que, mesmo com perda auditiva, possui audição funcional com ou sem o uso de prótese auditiva.

 Do ponto de vista educacional, consideram-se, na surdez, dois grupos específicos que se subdividem, conforme descrito a seguir. O grupo dos parcialmente surdos engloba os sujeitos com surdez leve e aqueles com surdez moderada. Essa perda impede a percepção perfeita de todos os fonemas da palavra, mas não impede a aquisição normal da linguagem. Pode, no entanto, causar algum problema articulatório ou dificuldade na leitura e/ou escrita.

O grupo dos surdos abrange os sujeitos com surdez severa e os com surdez profunda. Essa perda permite a identificação de alguns ruídos familiares e apenas a percepção da voz de timbre mais forte. A compreensão verbal vai depender da utilização da percepção visual pelo indivíduo na percepção do contexto. A surdez severa é muito grave e pode privar o sujeito da percepção e identificação da voz humana, impedindo-o de adquirir naturalmente a linguagem oral.

A persistência de discursos ligando a surdez à questão médica faz predominar uma abordagem clínico-terapêutica dentro de muitos projetos educacionais desde o século passado, persistindo até os dias atuais. Ainda hoje podemos perceber que os discursos médicos pretendem reabilitar os surdos. Dentro deste aspecto, Skliar (1998, p. 113) explica que:

 "O surdo é considerado uma pessoa que não ouve, portanto não fala. É definido por suas características negativas; a educação se converte em terapêutica, o objetivo do currículo escolar é dar ao sujeito o que lhe falta: a audição, e seu derivado, a fala. Os surdos são considerados doentes reabilitáveis e as tentativas pedagógicas são práticas reabilitórias derivadas do diagnóstico médico cujo único fim é a ortopedia da fala".

Desta forma, na visão médica, o surdo é um “sujeito deficiente” que precisa ser corrigido a partir da falta de audição. Essa maneira de pensar repercute, negativamente, em todos os aspectos de suas vidas. Entretanto, alguns autores têm defendido a surdez em outra perspectiva – em uma abordagem sócio-antropológica e nesse contexto enfatizam a existência de uma cultura surda permeada por comportamentos, valores, atitudes, estilos cognitivos e práticas sociais diferentes da cultura ouvinte.

A partir da visão sócio-antropológica, é fundamental estar atento às implicações da cultura surda na vida nas pessoas com surdez.  O surdo está inserido em duas comunidades – a comunidade surda e de ouvintes. Tanto a comunidade surda quanto a ouvinte tem a sua cultura e, por isso, uma proposta educacional para surdos tem que considerar as duas culturas, assim deve ser bilíngüe, e “bicultural”. Isso é, deve favorecer o acesso natural do surdo à duas línguas -  a língua de sinais e a do país onde o surdo está inserido, e propiciar o acesso do surdo à comunidade surda, fazendo com que ele se reconheça como parte integrante dessa comunidade e participe, ainda, na comunidade ouvinte.

A cultura do surdo é representada principalmente pela língua de sinais que tem propiciado a comunicação entre os surdos. A história dos surdos mostra a necessidade que têm de permanecerem unidos, de construírem uma identidade própria enquanto grupo. A cultura dos surdos, assim entendida, se revela no comportamento, valores, atitudes, estilos cognitivos e práticas sociais. O surdo engajar-se-á em tal cultura se tiver uma identificação sólida com o seu grupo, respeitados os seus aspectos psicossocial, cultural e lingüístico, principalmente pelos familiares e profissionais que atuam junto a esse grupo (PERLIN, 2003).

Este novo olhar para o surdo “pressupõe o respeito e o reconhecimento de sua singularidade e especificidade, refletidos no direito de apropriação da língua de sinais da qual depende os processos de identificação pessoal, social e cultural” (Skliar, 1997, p. 45). Nesta concepção o surdo deixa de ser visto a partir de uma patologia, e passa a ser considerado em sua diferença. Isto é, como pertencente a uma comunidade minoritária, usuários da língua de sinais, com a mesma capacidade e potencialidade de qualquer indivíduo.

Não obstante, a nossa sociedade em seu contexto histórico sempre constituiu os modelos ideais de gênero, etnia, meio social, cultural e físico. Desta forma, quem não estiver dentro dos padrões estabelecidos num dado contexto espaço-temporal acaba sendo negado na sua diferença e encarado como uma minoria anormal que se desvia de tais padrões e merece, portanto, ser excluído. Dentro deste aspecto, Santana (2007, p. 23) explica que:

 "A individualidade é vista como um desvio e, portanto, deve ser corrigida para adequar a pessoa ao que é considerado normal, evitando-se a discriminação. Discriminação esta de que são alvos os gagos, os afásicos, os surdos, os disfluentes, enfim, todos aqueles que fogem à norma vigente".

  Esses argumentos induzem à compreensão de que é comum que aquele considerado deficiente seja julgado pela estética e visto sempre com baixas expectativas (BASTOS, 2006). Com isso, Santana (2007, p. 23) coloca que “o anormal é aquele que possui características diferentes e não faz parte da média considerada normal, ou seja, quem não segue as normas estabelecidas socialmente, pois as características individuais distintas do esperado não são bem vistas”.

Outra concepção de surdez, existente, se aproxima da anterior e está vinculada à concepção denominada como “modelo social”. Neste modelo a idéia central divulgada coloca o meio social como desencadeador de dificuldades para as pessoas com deficiência. Assim os estigmas e conflitos que sofrem essas pessoas são gerados pelas desigualdades e falta de oportunidades no contexto social. Esta concepção defende que “ser diferente é normal” e que a deficiência não está apenas na parte danificada do corpo, mas no jeito marginal de entendê-la, No caso do surdo o modelo social ajuda a entender que "a perda auditiva existe e não é uma invenção dos ouvintes, por isso deve ser solidamente enfrentada” (Santana, 2007, p. 33).

Tal concepção percebe a surdez como deficiência e diferença. Contudo, esse déficit não torna o indivíduo impossibilitado, não afeta seu intelecto, sendo que o fator decisivo é o meio social onde essas pessoas estão inseridas, pois dependendo da forma como esse sujeito é entendido/atendido pela sociedade, ou como o seu déficit é encarado, ele poderá se tornar um ser limitado, incapaz de fazer atividades corriqueiras. Assim, não se nega que a pessoa surda apresente limitações, porém o seu potencial é valorizado (LACERDA, 2000).

A partir da compreensão das concepções teóricas apresentadas e, sabendo que estas norteiam o atendimento educacional do sujeito surdo, entende-se que o modelo sócio-antropológico é o mais adequado para se discutir a importância da Escola Especial para os surdos, objetivo central desse estudo. Essa adesão à concepção se deu pelo fato de que com essa abordagem é possível compreender o espaço mencionado como fomentador de interações para o sujeito surdo que, pela especificidade, tem a uma cultura particular.

Desta forma, faz-se necessário também que tenhamos um aprofundamento maior acerca do contexto histórico em que essas concepções se desenvolveram, para compreender seus desdobramentos e influências na educação de surdos na atualidade.

 1.1. O percurso histórico na educação de surdos: da segregação à inclusão educacional

 A ênfase nas limitações das pessoas com surdez tem raízes históricas com episódios marcantes nas sociedades primitivas, escravista, feudal e capitalista. Em cada fase dessas, esse indivíduo foi sempre excluído da comunidade.

Na sociedade primitiva, demarcada pelo nomadismo, o “deficiente”, por não conseguir seguir o grupo, era simplesmente deixado para trás, abandonado, excluído, para não atrapalhar a sobrevivência das demais pessoas do grupo. Assim, acabavam morrendo por não conseguirem sobreviver sozinho.

 No período escravista, sobretudo na Grécia antiga, o conceito de deficiência pautava-se numa concepção de que se o indivíduo não possuísse um corpo saudável, atendendo ao padrão social estabelecido na época, deveria ser extinto, conforme relata Bianchetti (1998, p.29):

"Os gregos se dedicavam predominantemente à guerra, valorizando a ginástica, a dança, a estética, a perfeição do corpo, a beleza e a força [e] acabaram transformando [tudo] num grande objetivo. Se, ao nascer, a criança apresentasse qualquer manifestação que pudesse atentar contra o ideal prevalecente era eliminada".

 Fica assim evidente o conceito do diferente como um ser desprezível para a sociedade daquela época. Desta forma, a única solução que apresentavam era sacrificar tal indivíduo para que não ficasse fora dos padrões culturais estabelecidos naquela sociedade.

No período feudal, quando a igreja passa a ser dominante, o indivíduo que não está dentro dos padrões da normalidade passa a ser estigmatizado e, consequentemente, socialmente segregado. Desta forma, a deficiência passa a ser sinônimo de pecado, impureza, possessão de demônios. Neste contexto, a pessoa surda era estereotipada apenas e tão somente na sua “deficiência”, sendo considerada como conseqüência de um “castigo divino” àqueles que geraram tal “deficiente”. (BIANCHETTI, idem)

Por volta do século XVI o modelo do que era denominado “normal” sai da influência ideológica cristã para ser elemento de pesquisa das ciências biológicas, sobretudo da medicina. Assim o “deficiente” passa a ser um sujeito “doente” que necessitava de atendimento clínico, buscava-se uma provável cura, porém concluiu-se que estes indivíduos seriam uma ameaça para a sociedade, o que levou a medicina a optar pela segregação ou institucionalização.

Entretanto, com a transição para o período capitalista, a concepção relacionada ao deficiente passa a ter um sentido diferente; seguindo o desenrolar da industrialização, o corpo humano passa a ser comparado a uma máquina, e qualquer diferença se torna na verdade uma disfunção, problema, ou defeito dessa máquina. Nesse contexto, o que fica evidente é a preocupação com a capacidade de produção das pessoas com deficiência e nesse caso específico reporta-se aqui às pessoas que tem surdez. A segregação social agora se dá pelas supostas limitações dos surdos, que ainda hoje, na maioria das vezes, são excluídos e consequentemente expostos a desempregos ou subempregos.

A história da educação do surdo começou a se estabelecer há muito tempo, sendo que nos primórdios havia pouca compreensão do problema, e os indivíduos “deficientes”, como já fora visto, eram abandonados. A surdez, era confundida com inferioridade de inteligência.

Até o final do século XV não haviam escolas especializadas para surdos. Os primeiros instrutores de alunos com surdez surgiram na Europa; no século XVI, criaram-se diferentes metodologias de ensino, que se utilizavam da língua auditivo-oral, língua de sinais, representação manual do alfabeto e outros códigos visuais, podendo, ou não, essas metodologias associarem estes diferentes meios de comunicação.

A partir do século XVIII, a língua de sinais passou a ser bastante difundida, atingindo êxito na educação de surdo, tanto do ponto de vista da expansão, quanto dos resultados que propiciava, permitindo que os surdos conquistassem sua cidadania. Entretanto, a partir de1880 quando aconteceu o Congresso de Milão[2] (Itália) adotou-se o oralismo, método que considera a fala como o único meio de comunicação na educação de surdos. A filosofia oralista baseia-se na crença de que a modalidade oral da língua é a única forma desejável de comunicação para o surdo, e que qualquer forma de gesticulação deve ser evitada. Desde então, foram excluídas todas as possibilidades de uso das línguas de sinais. Nesta época, muitos surdos que utilizavam a língua gesto-visual sofreram perseguições (GOLDFELD, 1997).

Para os oralistas, a linguagem falada é indicada como indispensável para o desenvolvimento integral das crianças com surdez. Porém, as abordagens oralistas sofreram muitas críticas pelos inúmeros limites que apresentam, mesmo com o incremento do uso de próteses. Outro aspecto a ser desenvolvido pelo surdo, com base nessa abordagem é a leitura labial. Porém, de acordo com Lacerda (2000) é muito difícil para uma criança surda profunda, ainda que "protetizada"[3], reconhecer, tão precocemente, uma palavra através da leitura labial. O que ocorre nas técnicas oralistas não pode ser denominado de desenvolvimento de linguagem, mas sim de exercício de fala organizado de caráter formal, artificial, com o uso da expressão limitado a ocasiões em que a criança está sentada diante de desenhos, fora de contextos dialógicos, que de fato permitiriam o desenvolvimento do significado das palavras. Esse aprendizado de linguagem é separado das circunstâncias apropriadas de comunicação, e limita as possibilidades do desenvolvimento global da criança surda.

Todas as metodologias utilizadas no oralismo coincidem pelo fato de enfatizarem que a língua oral é a única forma desejável e efetiva de comunicação do surdo.  Sobre este aspecto, Lacerda e Mantelatto (apud SANTANA, idem, p. 122) explicam que:

A concepção de linguagem da abordagem oralista é inatista. Ela é vista como um comportamento humano igual a qualquer outro, adquirida por meio de imitação: a criança copia as produções do outro as tomando como próprias e falando. Tem-se, então, uma linguagem pronta, que precisa ser apropriada pelos iniciantes da língua. Assim, a repetição e o estímulo são as bases dessa abordagem. Isso tem como resultado vocabulário restrito e compreensão atrelada ao sentido literal.

 Percebe-se assim, que os efeitos de muitas décadas de trabalho nessa linha não indicaram grandes sucessos. A maior parte dos surdos profundos desenvolveu uma fala socialmente mecânica e, em geral, esse desenvolvimento é parcial e lento em relação à aquisição de fala apresentada pelos ouvintes, implicando um atraso de desenvolvimento global significativo. Somadas a isso estavam as dificuldades ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita: sempre tardia, cheia de problemas, mostrava indivíduos, muitas vezes, parcialmente alfabetizados após anos de escolarização (LACERDA, 2000)

Na década de 60, a língua de sinais tornou a ressurgir com o aparecimento de uma nova abordagem comunicativa para a educação de surdos - a Comunicação Total. Pode-se dizer que a importância dessa concepção consistiu, inicialmente, em deslocar a língua oral do centro na educação de sujeitos com surdez, passou-se a priorizar todas as formas de comunicação dos mesmos, independente da forma como se daria.

A Comunicação Total inclui em sua estrutura todas as formas lingüísticas: gestos criados pelas crianças, língua de sinais, fala, leitura oro-facial, alfabeto manual, leitura e escrita. Essa abordagem incorpora o desenvolvimento de quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades de fala ou de leitura oro-facial, através de uso constante, por um longo período de tempo, de aparelhos auditivos individuais. Alguns autores (LACERDA, 1998; DORZIAT, 2005), entretanto, dizem que o grande problema desta filosofia é que ao se tentar ajustar a língua de sinais à língua portuguesa acaba por ocorrer a mistura de duas línguas (Português + Língua de Sinais), o que resulta numa terceira modalidade que é o “português sinalizado”, no qual ocorre a introdução de elementos gramaticais de uma língua na outra e acaba por inviabilizar o uso adequado da língua de sinais.

As críticas à Comunicação Total geraram a partir dos anos 80 novas discussões sobre a comunicação dos surdos na escola. Tais discussões se voltavam para uma outra filosofia da educação de surdos – o Bilingüismo. Esta abordagem teórica tem como pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua primeira a língua de sinais (L1), que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país (L2).

 Para os que defendem o Bilingüismo, o surdo não precisa desejar uma vida igual ao ouvinte, podendo assumir sua surdez. O Bilingüismo defende que a língua é uma importante via de acesso para o desenvolvimento do surdo em todas as esferas de conhecimento, pois propicia a comunicação do sujeito com surdez com os seus pares e com os outros sujeitos, dando suporte ao pensamento e estimulando o desenvolvimento cognitivo e social.

Nesse sentido, Sacks (1998, p. 44) esclarece que:

 "A língua de sinais deve ser introduzida e adquirida o mais cedo possível, senão seu desenvolvimento pode ser permanentemente retardado e prejudicado, com todos os problemas ligados à capacidade de “proposicionar” [...] As crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro com pessoas fluentes na língua de sinais, sejam seus pais, professores ou outros. Assim que a comunicação por sinais for aprendida, e ela pode ser fluente aos três anos de idade, tudo então pode decorrer: livre intercurso de pensamento, livre fluxo de informações, aprendizado da leitura e escrita e, talvez, da fala".

 Dessa forma percebe-se que a língua de sinais é importante e indispensável por possibilitar o domínio lingüístico e a capacidade de expressar-se de forma plena e segura com os seus pares; e a língua oficial do país (no caso do surdo brasileiro o português) oral e/ou escrita possibilitará a comunicação com o meio ouvinte. A exposição à língua de sinais, desde o início da vida das crianças surdas garantiria o direito a uma língua de fato e, em decorrência dela, um funcionamento cognitivo satisfatório, facilitando assim o ensino da língua portuguesa. Dentro da proposta bilíngüe, a língua de sinais é uma língua natural, adquirida de forma espontânea pela pessoa surda em contato com pessoas que a usam. Na direção desse pensar essas pessoas têm o direito de ser alfabetizadas e orientadas, na vida acadêmica, em língua de sinais.

Segundo Goldfeld (1997), há duas formas distintas de definição da filosofia bilíngüe, quais sejam: a primeira acredita que a criança surda deve adquirir a língua de sinais como L1 e a modalidade oral da língua de seu país como L2. Por outro lado existem aqueles que acreditam que os sujeitos com surdez devam aprender a língua de sinais e a língua oficial de seu país apenas na modalidade escrita e não na oral.

O contexto educacional brasileiro adota o mesmo percurso em relação às abordagens comunicativas mencionadas. A educação dos surdos, no Brasil, teve início durante o segundo império, com a chegada do educador francês Hernest Huet. Em 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que inicialmente utilizava a língua de sinais, mas que em 1911 passou a adotar o oralismo puro. A partir desta data, foram criados no Brasil alguns Institutos para o atendimento de pessoas ditas “deficientes”, reproduzindo os modelos europeus dos sistemas de internatos.

De 1905 a 1950, muitas das instituições que foram criadas para o atendimento das pessoas deficientes eram particulares. Em 1957, a educação dos “deficientes” de um modo geral foi assumida em nível nacional, pelo governo federal. No ano de 1961, quando vigorou a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foram escritos dois artigos (88 e 89) referentes à educação dos “excepcionais”, como eram chamados, garantindo, desta forma, o direito à educação das pessoas deficientes. Outro ponto importante desta Lei é que, no artigo 89, o governo se compromete em ajudar as organizações não-governamentais a prestarem serviços educacionais a essas pessoas.

Já a Lei de educação 5692/71 para o ensino de 1º e 2º graus faz referência à Educação Especial em apenas um artigo (artigo 9), deixando claro que os Conselhos Estaduais de educação garantiriam aos deficientes tratamento especial nas escolas.

Na Constituição Brasileira de 1988, constam vários capítulos, artigos e incisos sobre educação, habilitação e reabilitação da pessoa deficiente, além de mencionar a sua integração à vida comunitária. Em 1996 se estruturou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN 9394/96, trazendo no Cap. V uma discussão mais aproximada da Constituição Brasileira, a partir de algumas inovações, não só para a educação em geral, como também para a educação especial,  a Lei preconiza que:

 "Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial; o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular; (...)". (LDB, cap. V)

 Assim, a garantia do direito de todos à educação, a propagação das idéias de normalização e de integração das pessoas com necessidades especiais e o aprimoramento das próteses auditivas fizeram com que as crianças surdas de diversos países passassem a ser encaminhadas para as escolas regulares. No Brasil, após a oficialização da LDB 9394/96, as secretarias Estaduais e Municipais de Educação passaram a coordenar de forma mais plena o ensino das crianças com necessidades especiais (inicialmente denominadas “portadoras de necessidades educacionais especiais”) e passou-se a ampliar as Salas de Recursos e Classes Especiais para surdos, além de algumas Escolas Especiais, com recursos públicos e/ou privados.

Segundo Lacerda (2000), embora com essas mudanças, ainda é possível constatar que, de alguma maneira, as três principais abordagens de educação de surdos (Oralismo, Comunicação Total e Bilingüismo) coexistem em diversos países, incluindo o Brasil. As diferentes opções por essas abordagens e a necessidade de respeito aos Direitos Humanos que preconiza “a Educação para Todos”, abrem espaço para reflexões na busca de um novo caminho educacional – a Escola Inclusiva.

 Assim, cabe também neste trabalho direcionar a discussão para a escola inclusiva, que hoje também vem se tornando realidade na educação das pessoas com surdez, para refletir se esta Escola consegue, de fato, favorecer a aprendizagem para as crianças surdas, ou seja, se valoriza as suas diferenças culturais, sociais e individuais.

 1.1.1. A inclusão de surdos na rede regular de ensino: apontando lacunas

 A educação inclusiva de alunos com surdez é um assunto inquietante, principalmente pelas dificuldades que infligem e por suas limitações. As propostas educacionais direcionadas para a inclusão educacional do sujeito surdo têm como objetivo proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades; contudo, não é isso que se observa na prática. Diferentes práticas pedagógicas ditas inclusivas, envolvendo os alunos surdos apresentam uma série de lacunas, e, ao final da escolarização básica, muitos não são capazes de ler e escrever satisfatoriamente ou ter um domínio dos demais conteúdos acadêmicos (LACERDA, 2000).

Nesta contextualização, Mitler (apud Bastos, 2006, p. 101) afirma que a inclusão

 "[...] envolve uma mudança de cultura e de organização da escola para assegurar acesso e participação para todos os alunos que a freqüentam regularmente e para aqueles que estão em serviço segregado, mas podem retornar à escola em algum momento futuro. A inclusão não é a colocação de cada criança individual na escola, mas é criar um ambiente onde todos os estudantes possam desfrutar o acesso e sucesso no currículo e tornarem-se membros totais da comunidade escolar e local, sendo deste modo, valorizados".

No entanto, muitas escolas ditas “inclusivas”, voltadas para alunos surdos têm enfrentado grandes dificuldades em se organizarem como espaços de ensino e aprendizagem e também não conseguem apresentar uma prática pedagógica que respeite as diferenças. Assim não efetivam, de fato, uma verdadeira inclusão no espaço escolar. O atendimento educacional aos alunos com surdez numa classe escolar inclusiva é um grande desafio, pois a própria comunidade ouvinte atrelada ao processo, muitas vezes, não propicia condições favoráveis à diminuição dos estigmas e preconceitos fortemente arraigados na atual sociedade, fazendo com que:

(,,,) o próprio indivíduo se reconheça como incapaz, devido aos olhares que vêm em sua direção pelo fato de ser diferente, ou seja, assim o faz tomando por base a institucionalização de estereótipos, generalizações indevidas e fixação nas supostas dificuldades. (BASTOS, 2006, p. 99)

 Vale ressaltar nessa direção que se a escola que se diz inclusiva não respeita as diferenças destes alunos em relação aos alunos ouvintes, geralmente manifestadas em sua forma de comunicação e por produções escritas muito singulares, pode trazer conseqüências desastrosas para o desenvolvimento cognitivo e psicossocial desse aluno. Neste sentido, Perlin (2003, p. 01) explica que “colocar os surdos junto com ouvintes pode gerar conseqüências, como o não acesso ao conhecimento, o desenvolvimento intelectual imperfeito” [...].

Outro aspecto que pode comprometer o processo de inclusão do aluno surdo na escola regular está relacionado ao processo avaliativo. No que concerne às avaliações, comparar as produções escritas dos alunos ouvintes com as dos surdos é uma atitude que se mostra inadequada à realidade desses últimos. Assim, a falta de conhecimento da maioria dos professores da escola regular em relação ao que realmente acontece nas produções escritas dos surdos pode levar os professores a cometerem arbitrariedade no ato de avaliar. Desta forma, colocar em prática critérios diferenciados de avaliação na escola significa reconhecer e respeitar a diferença lingüística dos alunos surdos.

Além disso, o problema mais grave da escola brasileira é a exclusão, associada à reprovação e repetência, fenômeno que reforça as dificuldades dos alunos com surdez.  Nesta perspectiva, Bastos (2006, p. 98) esclarece que:

 "O fracasso escolar do alunado evidencia-se em todos os níveis e modalidades de atendimento educacional, devido à carência de atenção por parte do Sistema Educacional. (...) A carência de ações sócio-políticas para a educação tem sido uma das variáveis geradoras dos baixos êxitos escolares do alunado, ampliando as dificuldades dos alunos surdos que apresentam especificidades, na maioria das vezes, desconhecidas pelo professor e pela escola".

 Assim, embora a proposta da educação inclusiva, que vem sendo praticada há pelo menos três décadas no Brasil, defenda a idéia de que é a escola que deve se adaptar à criança surda, devendo esta ser inserida em um espaço escolar que respeite suas diferenças e valorize suas potencialidades, as práticas ditas “inclusivas” não passam de práticas de integração[4], nas quais o sujeito surdo fica excluído de muitas atividades, mesmo estando inserido neste ambiente. Assim, Mendes (2002, p. 03) explica que a inclusão de surdos:

 "[...] sempre vem com muitas dificuldades por falta de formação dos professores que saibam Libras, por falta de intérpretes profissionais e formandos de pedagogias, por falta dos professores surdos. O que vejo é que a palavra inclusão é um conceito bonito e desejável, mas na prática funciona como exclusão. Exclusão da comunicação, exclusão da real participação [...]".

 Neste sentido, percebe-se que as experiências de inclusão com crianças surdas têm apresentado muitas lacunas no ambiente escolar como a dificuldade de comunicação entre professores e alunos, devido ao desconhecimento da língua de sinais por parte dos professores, bem como a falta de interação entre alunos surdos e ouvintes. Assim, Wittgenstein (apud PERLIN, 2003, p. 104) coloca que “os limites da linguagem significam os limites do mundo”, pois a interlocução entre alunos surdos com alunos ouvintes numa classe de escola regular acaba por se tornar muito limitada e restrita pela barreira lingüistica existente entre ambos os grupos. 

Uma outra problemática deste aspecto que precisa ser aperfeiçoado é a relação aluno surdo com o colega ouvinte. É importante que o professor, junto com o intérprete prepare os alunos ouvintes para receberem seus colegas surdos para que haja uma relação de colaboração, visando às trocas de experiências, pois estas não devem ficar restrito à relação professor ouvinte-aluno surdo. É importante que a escola oriente os alunos no sentido de que respeitem a diversidade, isso ajudará no desenvolvimento de habilidades importantes para o convívio social.

No que se refere à Língua Portuguesa, a maioria das pessoas surdas, já escolarizadas, demonstra dificuldades tanto nos níveis fonológico e morfossintático, como nos níveis semântico e pragmático, fato que se torna mais acentuado se são estabelecidas análises comparativas com os alunos ouvintes; nos demais campos do saber, o nível de criticidade dos discentes com surdez também fica comprometido se não houver intervenção especializada neste aspecto.

 Vale salientar que está sendo questionado no processo de inclusão a forma como vem se estabelecendo no Brasil, pautada no modelo da integração do aluno surdo em uma turma de alunos ouvintes, pois isso não é o suficiente para garantir seu aprendizado. Não bastar acolher, ou matricular para dizer que esta ou aquela escola é inclusiva. É fundamental que o professor efetive diferentes estratégias na sala de aula com objetivo de facilitar a participação e o desenvolvimento intelectual dos alunos, como a utilização de materiais visuais para a melhor compreensão do surdo, dado o fato de que este se baseia essencialmente em processos visuais e não oral-auditivas. É lamentável afirmar, mas esse não é a notícia em relação à inclusão no Brasil (LORTHIOIS, 2008). Com base nessas argumentações cabe refletir sobre a Escola Especial para atender o objetivo central nesse artigo que é mostrar a importância desse atendimento educacional para alunos surdos.

 2. Um olhar para o diferencial da escola especial

 A Escola Especial para surdos é um ambiente onde a língua de sinais circula espontaneamente, além de ser usada nas situações formais de ensino. Se comparada à inclusão na escola regular, é um ambiente em que os alunos surdos não encontram, em relação aos ouvintes, a desvantagem de não compreender ou compreender com dificuldade e distorções o que é informado, dito, discutido e decidido, bem como de não ser respeitado na sua diferença. Neste sentido, Perlin (2003, p. 140) explica que

 "Está, atualmente, em vigor a inclusão entre ouvintes (...), fato que nos obriga a estratégias para salvaguardar nossa identidade, nossa cultura, nossa língua, nossa diferença. Daí porque nos últimos anos os surdos se posicionam como ninguém contra a inclusão. No ano de 2000 e seguintes os surdos se uniram numa caminhada contra a inclusão, fato que fez do Rio Grande do Sul o único estado brasileiro a não utilizar a inclusão dos surdos nas escolas. (...)"

 Não obstante, no que concerne essencialmente às Escolas Especiais, Bastos (2006, p. 104) esclarece também que estas escolas, nesta perspectiva:

 "[...] tornam-se espaços de transição para os alunos surdos, que poderão dividir este espaço com seus pares nos primeiros anos da escolarização, experienciando vivências e aprendizagens significativas, principalmente no que diz respeito à aquisição da Língua de Sinais".

 Seguindo esse pensar, a Escola Especial é um ponto de encontro de crianças que muitas vezes são as únicas surdas em famílias de ouvintes. Assim, é um lugar que possibilita a interação de crianças da mesma idade e de idades diferentes na mesma língua, experiência tão comum e corriqueira para os ouvintes. Além do mais, convivendo num ambiente onde a língua de sinais é usada em situações informais e formais, o aluno desenvolve o conhecimento da sua língua natural.

Muitas escolas especiais investem na contratação de instrutores e professores surdos, pois esses proporcionam aos alunos um contato com a língua de sinais, e estimulam reflexões sobre ela, contribuindo para o seu desenvolvimento. O contingente de profissionais surdos nas escolas especializadas vem crescendo, mas professores especialistas ouvintes ainda formam a maioria. É muito importante que esses professores sejam proficientes na língua de sinais, que tenham contato com a comunidade surda e respeitem sua cultura.

Considerando que o maior desenvolvimento lingüístico ocorre durante a idade pré-escolar (SANTANA, 2007), é muito importante que crianças surdas tenham professores ouvintes com bom nível de língua de sinais, ou melhor, ainda, que tenham professores surdos. Neste sentido, Santana (idem, p. 105) coloca que:

 "A aquisição da língua de sinais dos surdos filhos de pais ouvintes não é tão “natural” quanto a aquisição dos surdos filhos de pais surdos. Como é uma língua não dominada pelos pais só pode ser adquirida em ambientes institucionais: escola, clínicas e locais que oferecem atendimento especializado. Dessa forma, muitas vezes a criança só tem contato com a língua de sinais em idade avançada".

 Nas escolas especiais para surdos é comum receber alunos que nunca tiveram contato com língua de sinais ou cujo contato foi precário. Neste caso, também é preciso investir nos primeiros anos escolares para que ocorra a aquisição da língua de sinais, sem a qual a aprendizagem escolar fica prejudicada. Assim, Lebrun (apud SANTANA, idem, p. 60) esclarece que “a primeira infância constitui um período especialmente favorável para aquisição da linguagem. Se, durante este período, a criança não for estimulada, terá muitos problemas para se tornar hábil na utilização do futuro idioma”. Nesta perspectiva, o ideal seria que todos os professores de surdos fossem fluentes na língua de sinais.

Além disso, Lorthiois (2008, p. 21) explica que:

 "Os surdos vivem entre dois mundos: é parte da sociedade majoritária ouvinte que não sabe a língua de sinais e não entende de surdo; no entanto, quando têm contato com a comunidade surda, têm a possibilidade de vivenciar e se apropriar da sua cultura. Os surdos que têm a identidade surda transitam por esses dois mundos sabendo em que são diferentes e iguais aos ouvintes. A intimidade com seus pares os fortalece e lhes serve de apoio quando estão em contato com os ouvintes. Porém, crianças surdas que não têm a identidade surda fortalecida, vivem buscando ser como os ouvintes, pois é assim que elas acham que deve ser. (...) Ela acaba achando que esta é a melhor forma de se comunicar, já que todos (ouvintes) à sua volta se entendem dessa maneira, sem perceber que assim ela não consegue ser compreendida".

 Comungando com esta idéia, é de fundamental importância que a criança surda compreenda que é diferente dos ouvintes para não sofrerem em demasia, como pode acontecer com alguns alunos incluídos na escola regular (LORTHIOIS, idem). Já na Escola Especial, com o uso da Língua de Sinais, o canal visual é privilegiado e o contato com seus pares lhes oferece mais segurança.

Na aceitação da própria identidade surda, o papel da família também é importante. A descoberta da surdez do filho numa família ouvinte é um momento de dor e luto. Porém, a entrada na Escola Especial, onde acontece o encontro com outros pais para quem a surdez passou a ser algo comum depois que a dor inicial foi superada, dá mais firmeza para a família entender que o filho não é somente uma criança que não ouve, mas um ser humano com outras potencialidades. A decisão pela Escola Especial é uma opção mais coerente que direcionará toda a vida deste sujeito. E quando a família assume a especificidade da criança surda, ela investe no aprendizado da língua de sinais. As famílias também precisam usá-las. O diálogo não pode acontecer somente na escola.

É digno de nota que muitos pais ao matricularem seus filhos surdos na escola regular perdem a possibilidade de perceber que precisam tomar posição frente à diferença do filho. A Escola Especial é um local privilegiado para informar e orientar os pais. E enquanto os pais não passarem a ver o filho como surdo, a criança também terá mais dificuldade em perceber-se como parte de uma comunidade surda, com língua e cultura própria. Os pais devem, entretanto, procurar uma Escola Especial, que trabalhe na perspectiva da proposta bilíngüe, ou seja, que assegure a língua de sinais, e posteriormente o ensino do português oral e/ou escrito como segunda língua.

 Sabe-se que a aprendizagem da leitura e da escrita é mais “penosa” para os surdos, na medida em que, ao mesmo tempo em que aprendem a ler, aprendem uma nova língua, por não terem o suporte da memória auditiva. Neste ponto, em relação ao ensino do português, a metodologia usada nas escolas especiais difere muito daquelas usadas na escola regular.

Enfim entende-se que a proposta de educação inclusiva, incentivando os alunos surdos a se matricularem com os alunos ouvintes na escola regular, desconsidera o específico trabalho inclusivo que é feito na Escola Especial. Neste sentido, Perlin (2003) explica que não incluir a criança surda entre as crianças surdas e incluí-la apenas em grupo de crianças ouvintes é o mesmo que excluir, haja vista que “toda inclusão no contexto moderno é também uma exclusão do ser surdo” (PERLIN, idem, 145). Assim, por mais que a escola especial traga uma idéia de segregação, ela é um local facilitador para a inclusão do surdo na sociedade formada em sua maioria por ouvintes. A Escola Especial, portanto, não objetiva afastar os surdos dos ouvintes, mas luta para assegurar-lhes uma melhor educação, fortalecê-los e lhes oferecer condições de igualdade (LORTHIOIS, 2008).

A Escola Especial pensada para surdos os prepara melhor para a inclusão social e educacional, posteriormente, a partir das séries mais avançadas (5º ano do Ensino Fundamental). É importante que seja oferecida a eles educação básica de qualidade, dando-lhes oportunidades de serem sujeitos atuantes na sociedade, em vez de “pseudocidadãos” que, mesmo presentes no ambiente escolar, não têm condições de acompanhar mais que superficialmente os acontecimentos ao seu redor.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A educação de alunos surdos implica uma compreensão de que estes são tão capazes quanto os ouvintes de galgarem novas e ricas experiências pedagógicas que poderão favorecê-las no seu desenvolvimento, nos mais variados aspectos. Não obstante, é na Escola Especial que o surdo se sente de fato participante ativo de uma cultura e uma língua considerados próprios e naturais para o seu convívio.

Embora se defenda a Escola Especial para surdos, não se descarta totalmente a educação inclusiva para estes sujeitos. Pensa-se neste sentido que, embora a Escola Especial, nas séries iniciais, favoreça mais amplamente os processos cognitivos dos surdos e lhe dê subsídios para viverem em sociedade, a inclusão sócio-educacional de alunos com surdez na rede regular de ensino poderá ocorrer nas séries mais avançadas do Ensino Fundamental e, por extensão, na continuação da escolarização formal.

 Contudo, é importante ressaltar que a educação inclusiva implica na reestruturação das escolas e na necessidade de implementação de uma pedagogia voltada para a diversidade (Bastos, 2006). Também é imprescindível que as necessidades específicas do aluno em diferentes contextos, sejam atendidas mediante a adoção de estratégias pedagógicas que possam beneficiar todos os alunos. Essas exigências diferenciam o processo da “inclusão” que já está estabelecida em muitos contextos educacionais.

Vale lembrar, ainda, que é na Escola Especial que os alunos com surdez se apropriam efetivamente da língua de sinais, da língua portuguesa, e de demais campos de conhecimentos. Só assim poderá ocorrer a inserção sócio-educacional destes indivíduos e os avanços cognitivos, psicológicos e intelectuais. Assim, é necessário que toda a comunidade escolar esteja envolvida e se disponha a aceitar e participar deste processo, fazendo com que a Escola Especial seja promotora de uma futura inclusão, não apenas no âmbito educacional, mas também no campo social.

 3. Referências

 

BASTOS, Edinalma Rosa Oliveira, Surdez? Deficiência Incapacidade? Desfazendo os nós e trilhando caminhos na direção de uma educação inclusiva In: SANTOS Marilda Carneiro; RIBEIRO, Solange Lucas; GONÇALVES, Isa Maria Carneiro (Org.). Educação Inclusiva em Foco: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2006.

 BIANCHETTI, Lucídio, et al. Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania. Campinas, SP, Papirus, 1998.

 BRASIL/MEC/SEESP. A educação de surdos. Brasília. MEC/SEESP, 1997.

 GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. São Paulo: Plexus, 1997.

 LACERDA, Cristina. A prática pedagógica mediada (também) pela língua de sinais: Trabalhando com sujeitos surdos. Disponível em www.scielo.org. Acesso em 02/02/09.

 LORTHIOIS, Amandine. O valor da LIBRAS – A importância da língua de sinais na educação de surdos. ABC EDUCATIO, Abril 2008.

 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996. MEC. Disponível em http://legislação.planalto.gov.br. Acesso em 07/07/2008.

 MENDES, E. G. Perspectivas para a construção da escola inclusiva no Brasil. In: PALHARES, M. & MARINS, S. (org). Escola Inclusiva. São Carlos: EDUFSCAR, p.61-85, 2002.

 PERLIN, Gladis. O ser e o estar sendo surdos: alteridade, diferença e identidade. Tese (Doutorado). Porto Alegre, UFRGS, 2003.

 SKLIAR, C. (Org.). Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.

 SACKS, Oliver. Vendo Vozes. Uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

 SANTANA, Ana Paula. Surdez e Linguagem: aspectos e implicações neurolingüísticas. Ana Paula Santana.  São Paulo: Plexus, 2007.


[2] Conforme explicitado por Lacerda (1998), este congresso é considerado um marco histórico, pois foi preparado por uma maioria oralista com o firme propósito de dar força de lei às suas proposições no que dizia respeito à surdez e à educação de surdos. Neste congresso apresentaram-se muitos surdos que falavam bem, para mostrar a eficiência do método oral. Com exceção de cinco membros americanos e de um professor britânico, todos os participantes, em sua maioria europeus e ouvintes, votaram pela aprovação do uso exclusivo da metodologia oralista e a proibição da linguagem de sinais.

[3] Este termo refere-se às pessoas surdas que usam qualquer tipo de prótese auditiva externa ou até mesmo a interna, tais como o implante coclear que é inserido a partir de uma intervenção cirúrgica.

[4] No que concerne à diferenciação de “integração” para “inclusão” no campo educacional, Lacerda (2000) explica que a primeira proposta subjaz a idéia de que é a criança quem deve se adaptar à escola, devendo ser inserida em um ambiente educacional o menos restritivo possível, sendo que o aluno é quem precisa conquistar sua oportunidade para ser colocado na classe regular, demonstrando suas habilidades de poder acompanhar os trabalhos propostos. Entretanto, a segunda proposta tem como meta não deixar nenhum aluno fora do ensino regular, desde o início da escolarização, e propõe que é a escola que deve se adaptar ao aluno. Inclusão implica o compromisso que a escola assume de educar cada criança. Assim, a proposta de inclusão contempla a pedagogia da diversidade, pois todos os alunos deverão estar dentro da escola regular, independentemente de sua origem social, étnica ou lingüistica.

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Autor: Daniel Neves Dos Santos Neto


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