Contemporaneidade e a formação do professor de e/le: desafios e perspectivas



No mundo contemporâneo, onde a velocidade das mudanças impactam diretamente na vida humana, ser professor de uma LE não é tarefa fácil e é diante deste contexto de mudanças e transformações aceleradas que precisamos fazer uma reflexão para entender como vem ocorrendo a formação desse profissional e quais são os desafios enfrentados pela universidade para a formação de um professor que saiba articular o corpus teórico à prática e que compreenda o jogo social e político que envolve a educação em meio a um cenário em constantes mudanças.

As transformações rápidas, a perda dos referenciais, a incerteza da vida no planeta e a crise do sentido existencial por que passa o homem nesse momento, entre outros, têm provocado reflexões sobre o sentido de ser e estar no mundo [...] Nada permanece estático. Tudo é movimento em constante reconstrução, re-interpretação e recompreensão. (HENGEMULHE, 2007, p. 15)

 Segundo Barbosa (1994, p.54), caminhamos para uma concepção de universidade dedicada a promover o avanço do saber, a invenção, a descoberta e a elaboração de teorias. Essa instituição, segundo esse mesmo autor, terá como finalidade criar saber voltado para o encaminhamento de problemas atuais e prementes dos diversos grupos sociais.

A questão citada por este autor é crucial para tratarmos do problema que direciona essa investigação: Será que a universidade está preparando professores de Espanhol como Língua Estrangeira para responder as demandas educacionais contemporâneas, professores que além de críticos e reflexivos , possuam as competências básicas para despertar nesse novo aluno uma nova visão de mundo que o cerca, ajudando-o a desenvolver a percepção da realidade por meio do contexto do outro?

Formar professores na atual conjuntura significa uma revisão de cursos, habilitações, currículos e da prática pedagógica, que deve fundamentar-se na pesquisa sobre a realidade, que culminem na formação do professor e do aluno como cidadãos plurais e coletivos, inspirado na ética e no respeito. (SANTOS, 2009)

 De acordo com a autora o grande desafio para a formação do professor neste novo milênio está caracterizado pelas incertezas que a profissão nos proporciona, o que exige de nós docentes, um compromisso renovado com a educação, no intuito de colaborar para a formação de alunos mais humanos, éticos e conscientes do seu papel na sociedade.

 Torna-se, pois, fundamental, conferir ao ensino escolar de línguas estrangeiras um caráter que, além de capacitar o aluno a compreender e a produzir enunciados corretos no novo idioma, propicie ao aprendiz a possibilidade de atingir um nível de competência lingüística capaz de permitir-lhe acesso a informações de vários tipos, ao mesmo tempo em que contribua para a sua formação geral enquanto cidadão. (PCNs, 2000, p.26).Dessa forma, na sociedade plural em que vivemos, deixa de ser prioridade para os professores de línguas ensinar aspectos gramaticais e lexicais que objetivem apenas resultados quantitativos. Nesse novo milênio é imprescindível reconsiderarmos a concepção do ensino de LE, pois como afirma Edgar Morin (2000, p.30), “O inesperado surpreende-nos [...] O novo brota sem parar [...] É preciso ser capaz de rever nossas teorias e ideias.” Não há mais espaço para professores que continuam pensando e agindo sobre a ótica de uma perspectiva reducionista do ensino de línguas.

As transformações econômicas, sócio-políticas e culturais do mundo atual, estão exigindo dos professores uma nova leitura de mundo, que nos capacite para atuar em um futuro desconhecido e agir diante de situações inesperadas, em uma era onde as pessoas apresentam grande resistência e dificuldade em respeitar a cultura do outro, a forma de pensar diferente e o direito próprio de cada individuo de ver e perceber o mundo a sua maneira. Márcia Paraquett (2009) salienta que:

Estamos vivendo em um tempo em que já não é mais possível ignorar a urgência para discutir formas de eliminar barreiras entre os povos que constituem nossas sociedades. Por isso, é nossa compreensão que o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira é absolutamente propicia a essa discussão, por que aprender e ensinar uma língua estrangeira é trabalhar em prol da eliminação o diminuição de fronteiras entre diferentes comunidades lingüísticas e culturais.

Aprender e ensinar uma LE, na atualidade, não significa possuir uma formação puramente lingüística ou comunicativa, significa fundamentalmente reconhecer o outro como um ser individualmente diferente. Os documentos que norteiam o ensino de línguas no nosso país ressaltam o caráter humanístico que uma LE deve assumir indo além do conhecimento da metalinguagem ou da preparação para o mercado de trabalho. O Ensino de uma LE na atualidade deve contribuir para a eliminação das fronteiras que as línguas nos impõem.

Percebemos assim, o papel decisivo da universidade como formadora desses profissionais, uma vez que formados, esses professores irão reproduzir as características do curso, de seus objetivos, interesses e preocupações formativas transmitidas ao longo de sua formação pelas relações organizacionais a que estava submetido.

Muito acima   de     uma    visão     reducionista     e    limitada,    os professores são    agentes -     junto    com    os     estudantes -  da   construção        dos    saberes    que     levam   um   individuo    a    “estar   no     mundo”     de     forma    ativa,     reflexiva     e crítica. (OCNS, 2006, p.146)

 De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino de E/LE, a função maior de uma língua estrangeira no contexto escolar é contribuir para a formação do senso de cidadania, pois na era da informação, da internet e das telecomunicações é indispensável educar para a compreensão humana, pois é dessa forma que as culturas aprenderão umas com as outras.

A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal centrado na condição humana. Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. (MORIN, 2000, p.47)

O mundo globalizado exige uma atitude diferenciada do professor, assumindo que não compete mais ao docente ser apenas um mero reprodutor de conteúdos aprendidos durante seu processo formativo, e sim assumir o papel de orientador, mediador do processo educacional preparando o aluno para a vida. Celso Vasconcelos (2002, p. 55) assinala que:

 Se compreende que o conhecimento não é “transferido” ou “depositado” pelo outro (conforme a concepção tradicional) nem “inventado” [...] mas sim construído pelo sujeito na sua relação com outros e com o mundo [...] ao contrário o educando não aprende.

 É necessário repensarmos acerca da importância da formação desse profissional que está sendo desafiado a assumir novas responsabilidades de natureza educacional, multicultural, humanizadora e tecnológica. Conforme Maria Lujan (2009), Mestre em educação pela UCDB, pesquisas sobre a atuação desses profissionais tem demonstrado a falta de preparação destes professores frente à diversidade e complexidade que é ensinar uma língua estrangeira no contexto atual. Almeida Filho (1999) pontua que:

 Todo professor de LE [...] constrói um ensino com pelo menos quatro dimensões (as de planejar cursos, escolher ou fazer matérias, criar experiências com a nova língua, e avaliar o desenvolvimento do programa e dos alunos), todas elas influenciadas simultaneamente por uma dada abordagem de ensinar.

 Trata-se de entender como é que os professores no decorrer de sua formação acadêmica, tem incorporado e traduzido em sua prática pedagógica os elementos que compõem a teoria por eles aprendida na universidade. Pedro Demo (2002) sustenta que a universidade não é um campus cheio de salas de aula, mas um lugar para produzir ciência própria, com qualidade formal e política. A este respeito Silva (2009, p.24) comenta que:

O professor em formação acadêmica adquire um conjunto de saberes técnicos e teóricos referentes a sua profissionalidade, porém distantes do ambiente escolar sobre o qual atuará futuramente, uma vez que essa formação privilegia o corpus teórico, e essa teoria não está sendo socializada aos futuros professores no chão da escola, onde o cotidiano diuturnamente é produzido e reproduzido.

 Os conhecimentos adquiridos na universidade durante a vida acadêmica devem servir como base teórica e metodológica para que possamos compreender os diversos sistemas de ensino, as políticas educacionais e a educação básica, que será o campo de atuação desses professores, de maneira crítica, possibilitando assim, atitudes de intervenção por parte desses profissionais. A necessidade de repensar e refletir sobre a formação do futuro professor de línguas no âmbito brasileiro é uma questão que tem sido apontada e discutida na literatura que versa sobre essa temática há longo tempo, como aponta Moita Lopes (1996, p.184):

 É necessário que o professor ainda em formação envolva-se na reflexão crítica sobre seu próprio trabalho [...] esta visão do processo de formação de professores é totalmente diferente de programas tradicionais, que, basicamente, requerem que os professores participem de cursos sobre áreas relevantes no currículo: língua (uso e descrição), literatura, psicologia, sociologia etc.

 Em um mundo em constantes transformações é indispensável que o professor seja capaz de adaptar-se a essas mudanças analisando-as criticamente. É imprescindível que todo professor reflita sobre sua função na sociedade, para entender o mundo em que vive e, deste modo, as mudanças nos campos político, tecnológico, econômico e cultural que estamos presenciando.

O professor contemporâneo deve superar desafios, promover mudanças, estimular seus alunos a descobrirem suas próprias soluções, levantarem suas próprias perguntas, respeitando as possibilidades de aprendizagem de cada um. Para Evandro Ghedin (2009) o professor deve ser um sujeito político, disseminador de princípios éticos, responsável não apenas pela transmissão, mas principalmente pela produção de conhecimentos através da pesquisa. Pedro Demo (2002) garante que:

 “Ensinar”  já   não    significa transferir     pacotes     sucateados,  nem  mesmo significa  meramente     repassar     saber.      Seu conteúdo       correto é motivar o processo  emancipatório  com base em saber crítico, criativo, atualizado, competente. (DEMO, 2002, p.153)

A escola de hoje é diferente da escola de décadas atrás em vários aspectos. Mudaram os valores, os alunos, as intenções, os objetivos e todos esses elementos foram impactados pelo contexto social. Para o professor Francisco Gomes, presidente da Associação Brasil América, além de ensinar, apresentar conteúdos a ser estudado, avaliar, explicar, corrigir erros e fazer outras atividades relativas ao ensino o professor de espanhol como língua estrangeira tem a grande responsabilidade na formação de um aluno autônomo e motivado a prosseguir sua própria educação. Cabe aos  professores ajudar esse aluno a perceber sua responsabilidade social incluindo que suas ações refletem em outros. Segundo Tardif (apud SILVA, 2009, p.25):

O professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina, seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos as ciências da educação e a pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos.

 As diferenças geradas pelo processo histórico/social nos revelam uma nova maneira de ver e perceber o papel do professor de LE na atualidade. É preciso redefinir o papel do educador, assumindo que o atual sistema de ensino persegue outros objetivos que são diferentes dos que vigoravam há 20, 30 anos atrás, onde os alunos eram considerados como receptores passivos e o professor o detentor do saber.

 Menos     que dominar conteúdos que   envelhecem   e    desaparecem   rapidamente, é importante         que o professor     consiga    que  o aluno      saiba pensar,  pois  esta  habilidade   representa   a     aprendizagem     que se confunde com a vida. (DEMO, 2004, p.31)

 A docência atual requer um professor que não apenas ensine, mas que reflita acerca de suas ações, pois o aluno que precisamos formar não é apenas um técnico, mas um cidadão consciente de suas responsabilidades para a transformação da sociedade a qual está inserido. Pedro Demo (2004) considera que “ser professor hoje é saber renovar, reconstruir, refazer o conhecimento”, visto que, a sua finalidade é que colabore na formação do educando em sua globalidade e que possibilite o compreender, o desfrutar, o transformar dos problemas globais.

Desta maneira, é essencial que o professor reflita sobre esse novo aluno e conduza suas classes para situações reais de comunicação, fazendo com que o educando recrie sua própria capacidade de expressão e compreensão na nova língua.

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Autor: Eliane Cerqueira


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