O cruzeiro



                                            O CRUZEIRO

Nazaré, 03-07-1968

 

Subo a imensa ladeira,

Só para ver. Ver o que?

Pobres crianças a comerem argila,

Barro e terra são suas comidas,

Mulheres prenhas a subir,

Macróbias a descer.

Todas com o mesmo instinto,

Com a mesma determinação,

Com o mesmo sofrimento.

Crianças barrigudas e mulheres grávidas

Esperando outro sofredor.

Lavadeiras casadas com cachaceiros,

Sete filhos em cada lar

Filhos famintos e saturados

Da sujeira que lhes acompanha.

Filhos que choram a miséria

Que é sua eterna companheira.

A fome domina e dita.

Os pais não podem comprar alimentos.

Os que são comprados

As crianças dão de presente

Aos vermes que nelas residem.

 

Pobre Cruzeiro.

Ninguém te olha,

Muitos te admiram para pedir votos.

Ninguém te ajuda.

Muitos te sentem nojo.

Pobres mulheres,

Prostitutas da língua do povo.

Pobres crianças, não chorem,

Escondam as suas misérias.

Tudo lhes falta, eu sei.

Até lágrimas para chorar.

Elas perderam-se

Nas profundezas de um inferno.

Inferno direto para vocês,

Saudoso para os turistas.

Inferno silencioso, é um câncer;

Destrói aos poucos e acaba com muitos.

Só não acaba a sua angustia,

A sua miséria clara.

Clara e que ninguém quer ver.

Eu escrevo com o coração,

Vocês falam com os olhos.

Eu odeio com a poesia,

Vocês odeiam com o silencio.

Vocês estão perdidos

Na imensidão da montanha.

Foram esquecidos pelos poderosos

Que sentem nojo de vocês.

 

 


Autor: Gilberto Nogueira De Oliveira


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