Terceirização na administração pública



Terceirização na Administração Pública – Breves Notas

CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa e JORGE NETO, Francisco Ferreira. Revista Jurídica Consulex. Ano XIV. nº 335. 01/01/2011. São Paulo: Consulex, p. 30-31.

 

Resenha Crítica

Lidiane Locatelli

Bacharelanda do Curso de Direito, 9º Período

Faculdade de Sorriso - FAIS

 

 

A obra original apresenta o tema da terceirização no setor público. Propõe uma discussão acerca da validade da terceirização na Administração Pública, enfrentando as principais divergências entre as normas trabalhistas (súmula 331, VI, TST) e a lei de licitações e contratos públicos (art.71, § 1º lei 8.666/93).

Ressaltam também os autores da obra, que para que seja válido o contrato de terceirização, a atividade exercida pelo contratado será a chamada atividade meio (atividades lícitas), sendo aqui inexistente a subordinação e a pessoalidade. Porquanto que as atividades fim não são passíveis de terceirização, constituindo-se em atividades ilícitas, estas formam o vínculo empregatício, exceto nos casos de serviços de vigilância, limpeza e conservação, que dependem que os trabalhadores sejam concursados (art. 37, II, § 2º CF).

Aponta a obra que a terceirização ainda não está regulamentada como deve, porquanto em 2010 o TST firmou entendimento asseverando que, mesmo a contratação do trabalhador sendo irregular não gera vínculo empregatício, mas estes terão os mesmos direitos às verbas percebidas a aqueles contratados diretamente pelo tomador, desde que estejam em igualdade de funções, como preconiza o art. 12, “a” da lei 6019/74.

De outra banda, trazem ao conhecimento do leitor, de que a igualdade e a isonomia dos contratados de forma terceirizada não é admitida dento da CF, no art 37, XIII, que veda a equiparação salarial.

Aponta também o texto, que o disposto no art. 71, § 1º da lei 8.666/93, segundo posicionamento do Direito do Trabalho, seria inconstitucional, na medida em que, viola o princípio da igualdade, a ordem social e econômica, bem como a valorização do trabalho, todos esses preceitos preconizados na Carta Magna de 1998.

Sobre o mesmo artigo supracitado, apontam os autores, que, ele não seria aplicável à terceirização trabalhista, justamente por violar os princípios constitucionais e fraudar os direitos trabalhistas (art. 9º CLT)

Diante de tantas divergências entre a lei 8.666/93 e a súmula do TST, o STF foi provocado a manifestar-se a respeito, concluindo que o art. 71, § 1º, da lei 8.666/93 é constitucional, indicando também ao TST que não generalize a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, devendo, apurar em cada caso concreto, as relações entre o tomador e o contratado.

Conclui os autores do texto original, que a responsabilidade dos direitos trabalhistas nos casos de terceirização será analisado caso a caso, através de exames minuciosos, bem como nas hipóteses de culpa latu sensu do ente público contratante, nos casos de contratação sem licitação, dispensa ilegal dos atos licitatórios, e etc.

Pois bem, a obra dos autores é muito esclarecedora tanto do ponto de vista trabalhista quanto administrativo, pois aponta as duas visões. Não necessitando de um prévio, ou até mesmo de um conhecimento específico para entender-se o conteúdo e o intuito dos autores, salvo dispositivos citados, que para melhor entendimento necessitam de consulta prévia.

Mesmo com o posicionamento do STF, em 24-11-2010, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 16-DF), a qual buscava declarar, e de fato declarou, o art. 71, § 1º da lei 8.666/93 constitucional, a celeuma na terceirização decorrente dos contratos da Administração Pública está longe de ser consensual. Uma vez que O STF não pode impedir que o TST em cada caso concreto reconheça a responsabilidade do ente público, especialmente nos casos em que haja omissão culposa no exercício da fiscalização.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, esta aponta que em um primeiro momento, com a leitura simples da súmula 331, VI e o art. 71, § 1º da lei 8.666/93, nos faz acreditar em um conflito entre os dispositivos mencionados.

No entanto, segundo a mesma autora, a análise sistemática da súmula e do artigo de lei nos faz entender que não há conflito nenhum. Concernente ao passo de que a súmula do TST refere-se ao fornecimento apenas de mão de obra (que por sua fez constitui-se em prática ilegal), enquanto o disposto na lei 8.666/93 abrange apenas os contratos em si, firmados nos moldes desta lei, e não na contratação de mão de obra.

No entanto, nas palavras de Jorge Luiz Souto Maior - Juiz titular da 3º Vara do Trabalho de Jundiaí, e Professor da Faculdade de Direito da USP, a prática da terceirização na Administração Publica é ilegal, consoante demonstra ele em artigo publicado na revista Adusp, in verbis:

 “Conclusivamente, não há em nosso ordenamento constitucional a remota possibilidade de que as tarefas que façam parte da dinâmica administrativa do ente público sejam executadas por trabalhadores contratados por uma empresa interposta. A chamada terceirização, que nada mais é que uma colocação da força de trabalho de algumas pessoas a serviço de outras, por intermédio de um terceiro, ou seja, uma subcontratação da mão de obra, na esfera da Administração Pública trata-se de uma prática que fere vários preceitos constitucionais”.[1]

Como se depreende das palavras do juiz do trabalho este tem entendimento de que a terceirização fere os princípios constitucionais, na forma de uma subcontratação. Assevera também no mesmo artigo, que a terceirização seria uma forma do estado produzir riquezas às custas da exploração do trabalho alheio, sendo estes alheios por sua vez os próprios integrantes da sociedade que ele deve proteger.

 O que temos que ter em mente é que existe posicionamentos diversos sobre a questão da terceirização na Administração Pública, um deles é o do direito administrativo voltado à lei 8.666/93, e um outro voltado ao direito do trabalho e a súmula 331, VI do TST.

Algumas das questões debatidas entre as duas correntes, consiste no aviltamento dos salários sociais do trabalhador, a igualdade salarial entre os contratados de forma terceirizada e os concursados, sem contar também as demandas judiciais propostas pelos trabalhadores com base na súmula 331 do TST.

Para que se possa contratar de forma lícita através da terceirização, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera algumas formalidades a serem observadas para que não haja a responsabilização da Administração Pública frente aos contratos, in verbis:

“O que a Administração Pública pode fazer, licitamente, é celebrar contratos de empreita, seja para a realização de obra pública (conforme definida no artigo 6º, I, da Lei nº 8666), seja para a prestação de serviço (tal como conceituado nos artigos 6º, II, e 13 da mesma lei). Nesses tipos de contrato, a empresa é que é a contratada e o vínculo contratual se forma com ela e não com seus empregados.”[2]

Nesta senda, a Administração poderá contratar a empresa e não o trabalhador, porque se assim o fizesse o contrato assumiria a forma de fornecimento de mão de obra, implicando assim na burla ao concurso público, que, via de regra, é meio de contratação da Administração Pública.

 A súmula 331 do TST, foi instituída no ano de 1993, e nos seus termos via de regra, o fornecimento de mão de obra por empresa interposta é ilegal, tendo como conseqüência o reconhecimento do vínculo entre o tomador e o trabalhador.

No entanto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, trata as exceções à regra, ou seja, de duas maneiras não será formado vínculo, que são os casos de: a) quando o contratante é a administração Pública direta, indireta ou fundacional, porque, nesse caso, a formação do vínculo significaria burla à exigência constitucional de concurso público, contida no artigo 37, II, da Constituição; b) quando se trate de contrato de vigilância, de conservação e limpeza ou de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Diante destas duas exceções Di Pietro assevera também:

“... a Súmula insiste em que a terceirização somente se faça para atividade-meio; contrario sensu, se for atividade-fim, há o reconhecimento do vínculo (desde que a contratada não seja Administração Pública). A referência à inexistência da pessoalidade e subordinação é importante para distinguir a terceirização lícita (sob a forma de prestação de serviço) da ilícita (sob a forma de fornecimento de mão de obra). Se estiverem presentes esses requisitos, surge o vínculo de emprego, por estar caracterizada a contratação de trabalhador por meio de empresa interposta.”[3]

A autora supracitada, deixa claro, as formas de contratação pertinentes a Administração Pública para que não gere o vínculo com os empregados contratados pelo contratado e não pelo tomador.

Pois bem, até agora pudemos vislumbrar duas correntes acerca do assunto aqui tratado, a primeira sendo mais favorável aos direitos do trabalhador e a súmula 331 do TST, em outra banda a segunda corrente que defende os interesses públicos nos termos do art. 71, § 1º da lei 8.666/93.

Pra elucidar os defensores dos direitos trabalhistas podemos colacionar o entendimento de Francisco Antonio de Oliveira, acerca da aplicação da súmula 331, IV do TST, a saber:

“O inciso IV da Súmula foi revisto, acrescentando-se, didaticamente:"inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista". (...) Com a modificação, a mais alta Corte Trabalhista coloca as coisas em seus devidos lugares e passa a responsabilizar o Poder Público. Modificação oportuníssima.”[4]

 

 A intenção do direito do trabalho é de responsabilizar os órgãos da administração tanto das esferas direta, indireta e afins no que concerne ao inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo contratado, assumindo assim o tomador a responsabilidade subsidiária referente às verbas trabalhistas dos trabalhadores contratados via terceirização.

Na contramão do que foi dito acima, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, bem como Carlos Pinto Coelho Motta, respectivamente, de acordo com as vertentes do direito administrativo asseveram o entendimento contrário:

“O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato (art. 71). A inadimplência do contratado não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis (art. 71, § 1°).”[5]

 

“Incumbe ao contratado o pagamento de encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais, isentando a Administração Pública desse ônus também no caso de inadimplência do contratado.”[6]

Nesta órbita, percebe-se claramente, com o disposto pelos doutrinadores acima, a incompatibilidade da aplicação da súmula 331, IV do TST aos contratos de terceirização, afastando assim qualquer reponsabilidade do ente público frente às verbas trabalhistas decorrentes da terceirização, ficando estas verbas de única e exclusiva responsabilidade do contratado, e não do tomador.

Do estudo pormenorizado referente à terceirização na Administração Pública, pode-se perceber, que mesmo diante da decisão do STF, que declarou constitucional o art. 71, § 1º da lei 8.666/93, as batalhas entre as correntes do direito administrativo e trabalhista, estão longe de chegar a um consenso. Visto que cada um vê a terceirização dentro da sua área de atuação, sendo que o direito do trabalho busca sempre a valorização e a defesa dos trabalhadores, posto que, de outra banda o direito administrativo vê a terceirização como um modo de aliviar e fazer “andar” a administração, delegando suas funções ao contratado.

É certo que, diante do estudo, fica claro o posicionamento da doutrina administrativa, que não vê conflito algum entre a lei 8.666/93 e a súmula 331, IV do TST. Enquanto a lei, esta visa à contratação dos serviços, e a súmula prevê a contratação da mão de obra. Porquanto não há o que se falar em conflito de normas.

É claro, também, que se a Administração Pública contratar de modo ilegal, como, por exemplo, terceirizando atividades fim e não atividades de meio, será assim responsabilizada. Também será responsabilizada se contratar a mão de obra e não o serviço.

É justo também, conforme se julgou a ADC-16 DF, que não se generalize todos os contratos da administração como ilegais, e que em cada caso concreto seja apurado se há a responsabilidade da Administração nos casos em que esta agiu fora da legalidade.

 

REFERÊNCIAS

LIVROS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 24ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

SITES DA INTERNET

BRITO JÚNIOR, William de Almeida. A Súmula nº 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho frente à Lei de Licitações e Contratos. Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2011.

MAIOR, Jorge Luiz Souto, Terceirização na Administração Pública é prática   inconstitucional. Disponível em: <http://www.adusp.org.br/revista/46/r46a03.pdf> Acesso em: 07 mar. 2011.


[1] REVISTA ADUSP, Edição de Janeiro de 2010, p. 23, disponível em: http: //www.adusp.org.br / revista/46/r46a03.pdf.  Acesso em: 07 mar.2001.

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 24ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, pág. 353.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 24ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, pág. 352.

[4] Comentários as Súmulas do TST. “Apud” BRITO JÚNIOR, William de Almeida. A Súmula nº 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho frente à Lei de Licitações e Contratos. Disponível em: Acesso em: 8 mar. 2011.

[5] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente  “Apud” BRITO JÚNIOR, William de Almeida. A Súmula nº 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho frente à Lei de Licitações e Contratos. Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2011.

[6] MOTTA, Carlos Pinto Coelho. “Apud”  BRITO JÚNIOR, William de Almeida. A Súmula nº 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho frente à Lei de Licitações e Contratos. Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2011.

 


 


 

 

Autor: Lidiane Locatelli


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