Sobre equívocos, narcisos e imediatismos



           Caracterizada pela evidente degradação do “ser” em “ter”, a atual estrutura socioeconômica, embasada no que é efêmero e aparente, acarreta na vida uma devastadora inversão de valores. Os indivíduos, influenciados pela vivência em meio a um mercado de consumo marcado pela competição, passaram a enxergar o outro como um inimigo em potencial. Diante disso, entre relacionamentos superficiais, valores egocêntricos e atitudes que priorizam o imediato, o altruísmo vai se desfalecendo e se tornando uma raridade no mundo contemporâneo.

            Em “Amor Líquido”, o sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, discorre sobre a fragilidade, superficialidade e efemeridade dos relacionamentos humanos. Para ele, em um mundo que se molda facilmente, pois vive em constante transformação, os laços humanos estão cada vez mais frouxos e insólitos. De fato, a sociedade pós-moderna está cada vez mais mecânica, mais indiferente e menos humana. Se antes a amizade prevalecia, hoje se enaltece o dinheiro; se antes o sexo coroava o amor, hoje se encontram praticamente desvinculados. Isso, no entanto, não acontece impunemente; o respeito e a consideração com o outro, a partir disso, já nascem desfigurados, ao passo que o individualismo e egocentrismo começam a vigorar.

         No mito grego, Narciso amava-se incondicionalmente. Apreciava sua voz, seu corpo e sua feição. Certo dia, Narciso apaixona-se por uma voz, a da bela ninja Eco. Palatáveis aos ouvidos de Narciso, entretanto, não eram as palavras que Eco dizia; eram as palavras que ele mesmo proferia e Eco, amaldiçoada para isso, refletia. Por isso, quando a viu, Narciso a rejeitou friamente e ela, amargurada, definhou. Analogamente, o mundo contemporâneo encontra-se pleno de narcisos, indivíduos egocêntricos e indiferentes aos outros. Para eles, a imagem própria e o enaltecer do “eu” são as prioridades. Assim, sentem-se no direito de ignorar e menosprezar o outro, agindo friamente com relação ao outro, ao coletivo, ao mundo.

         O próprio pensamento imediatista com relação aos recursos naturais, próprio do capitalismo, revela a que grau o altruísmo rebaixou-se. Embora sejam projetos, tratados e acordos que tentem amenizar o problema ambiental atual, pouco se tem visto na prática. O fato é que ainda se impera a lógica de mercado, onde tempo constitui dinheiro, e como medidas ecologicamente coerentes são mais demoradas, são também economicamente inviáveis. De fato, inexiste o senso de destino compartilhado. E a tal da sustentabilidade, que valoriza a eficiência na extração dos recursos naturais e pensa nos recursos das gerações futuras, é deixada a segundo plano.

      A partir disso, depreende-se o caráter egocêntrico e imediatista da sociedade contemporânea. Trata-se de uma sociedade cujos valores mais profundos, como o respeito e o altruísmo, que tornam a vida realmente humana, tem sido esquecidos, abandonados e enterrados sob os escombros de uma “lógica moderna” na qual prevalece o “eu”. Infelizmente, apenas a reeducação e o resgate de alguns desses importantes valores sinalizam como soluções coerentes nesse mundo insensato, caracterizado pelo acúmulo de equívocos, narcisos e imediatismos.

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Autor: Luciane Oliveira Moraes


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