Princípio da insignificância: possibilidade da sua aplicação em crimes praticados contra o meio ambiente



INTRODUÇÃO

A preocupação com um meio ambiente equilibrado é uma crescente. Pois o homem percebeu que nele está inserido. Percebeu-se também que ele é um bem de titularidade difusa, nascendo assim, a necessidade de proteção de atos que o lesem hoje e no futuro.

                   Assim, as condutas do homem devem afastar-se ao máximo da possibilidade de gerar danos ao meio em que vive e, caso não se distancie o suficiente e venha a gerar alguma lesão, deverá ser punido na forma da Lei, seja ela de caráter criminal, cível ou administrativa.         

                   Na esfera cível, a responsabilidade pauta-se pelas disposições constitucionais e pelo parágrafo 14, da Lei nº 6.938/81.

 

Na administrativa e criminal, deve pautar-se pelos comandos da Lei nº 9.605/1998, popularmente conhecida como lei de crimes ambientais, e, subsidiariamente, pelo Código Penal Brasileiro (esfera criminal).

Atentando-se sempre que, quando da aplicação de qualquer lei do nosso ordenamento jurídico, seja administrativa, cível ou criminal, os princípios deverão ser observados. 

 

ORIGEM E APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Conforme magistérios do Professor MISAEL MONTENEGRO FILHO (2008, p. 26), a palavra princípio significa “norma jurídica qualificada, que nem sempre se apresenta de forma escrita”. E, segue ainda: “serve de norte para a criação de normas jurídicas e para a aplicação do direito ao caso concreto”.

Insignificância, nas palavras do professor e filósofo AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA, equivale a “coisa de pouco valor, de escassa ou nenhuma importância; ninharia”.

O Princípio da insignificância surgiu na Alemanha, na década de 1970, e teve como doutrinador pioneiro, Klaus Roxin. Ele é amplamente defendido pela doutrina e aplicado pela jurisprudência brasileira.

De acordo com este princípio para que uma conduta seja considerada criminosa, portanto, merecedora de uma sanção penal, é necessário que se faça um juízo de atipicidade formal (adequação do fato ao tipo descrito em lei), além de um juízo de tipicidade material (lesão significativa a bens jurídicos relevantes a sociedade). Se a conduta apesar de formalmente típica causar uma lesão sem relevância ao bem jurídico protegido, não há que se falar em tipicidade material, entendendo ser o comportamento atípico, logo, indiferente ao Direito Penal e incapaz de gerar condenação penal.

O ordenamento jurídico pátrio não prevê explicitamente norma infraconstitucional concernente à aplicabilidade do princípio da insignificância, salvo algumas exceções, por exemplo:

Art. 209, § 6º, CPM: No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar.

Art. 240, § 1º: Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário-mínimo do País.

 

O CARÁTER FRAGMENTÁRIO DO DIREITO PENAL

Num Estado Democrático de Direito que visa proteger a dignidade da pessoa humana em sua plenitude, a aplicação da fragmentariedade é característica marcante nos delitos penais de pouca ou nenhuma relevância. Por este princípio entende-se que o ordenamento jurídico não deve se ocupar de todos os ilícitos que porventura acometam a sociedade, mas sim, tutelar penalmente apenas os bens jurídicos mais relevantes, mais expressivos, sob pena de vivermos uma dominação absoluta, restringindo de forma brutal a liberdade.

De acordo com LUIZ FLÁVIO GOMES, “somente os bens mais relevantes devem merecer a tutela penal; exclusivamente os ataques mais intoleráveis é que devem ser punidos penalmente”.

 

PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Este princípio possui um caráter subsidiário junto à norma penal incriminadora. Significa que nem toda ofensa ao bem jurídico merece sanção penal. Nos dizeres de JULIO FABRINI MIRABETE, “pelo princípio da intervenção mínima, o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes, deixando os demais à aplicação das sanções extrapenais”.

Ainda, consoante LUIZ FLÁVIO GOMES, “o Direito Penal é Direito de ultima racio”. Assim sendo, no entendimento desses doutrinadores, tanto quanto possível, deve-se evitar recorrer a processos formais ou julgamentos perante tribunais, de acordo com as garantias legais e normas jurídicas. Em suma, de acordo com este princípio as medidas não-privativas de liberdade devem ser utilizadas, e que o Direito Penal só deve intervir quando outros ramos do direito não sejam suficientes.

No entanto, quando o bem agredido está inserido na seara ambiental, o qual é juridicamente tutelado pela Constituição Federal, e, vige também em seu favor uma norma especial, a Lei nº 9.605/98, popularmente conhecida como lei de crimes de ambientais, o debate e a apreciação sobre a aplicação do princípio da insignificância ganha novos contornos. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região é enfático nas suas decisões que negam o emprego do mencionado princípio: “não se admite a aplicação do princípio da insignificância no trato de questões relacionadas ao cometimento de ilícitos contra o meio ambiente, porquanto incompatível com o cunho preventivo conferido à tutela penal ambiental”.

Em voto prolatado, o Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz (apud FURLAN e FRACALOSSI, pag. 435) justificou a inaplicabilidade do princípio da insignificância em matéria de crime ambiental:

“Tenho sustentado que, em princípio, as infrações penais ambientais não admitem a aplicação de tal teoria. O bem jurídico agredido é o ecossistema (constitucionalmente tutelado: art. 225 da CF/1988), cuja relevância não pode ser mensurada, sendo inaplicável o princípio da insignificância e, por conseqüência, os princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade. Seja porque o meio ambiente é bem jurídico de titularidade difusa, seja porque as condutas que se lhe revelem deletérias detêm a potencialidade lesiva que se protrai no tempo e pode afetar as gerações futuras, seja porque as violações ao meio ambiente, no estágio atual, não admitem mais transigência, cobrando de todos a máxima preservação, seja porque foi por meio de micro-lesões que chegamos aos caos que hoje reina, não vejo como aplicar ao caso o princípio da insignificância. A conduta delituosa, conforme praticada culmina por lesionar, em cadeia, todo o sistema. Se há regras emitidas proibindo a pesca em determinados lugares e com a utilização de petrechos específicos, é porque nestes locais, especialmente, necessário se faz mais empenho em sua preservação. A jurisprudência desta Casa, em casos tais, com acerto, tem se revelado contrário à aplicação do princípio da insignificância (...)”. (TRF 4ªRegião, ACR 2002.72.01.001754-1/SC, DE 09.05.2007.) 

 

No entanto, e. Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado a favor da aplicabilidade do Princípio em comento, senão vejamos:

 

“Para esta Corte, o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não se deve ser considerado apenas em seu aspecto forma, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido a sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima. (...) Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico. (...) A conduta dos pacientes, embora se subsuma à definição jurídica do crime ambiental e se amolde à tipicidade subjetiva, uma vez que apresente o dolo, não ultrapassa a análise da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva”. (STJ, HC 86.913/PR, Min. Arnaldo Esteves de Lima, 5ª Turma, DJE 04.08.2008).

Em outro julgado, o STJ assim decidiu: “para incidir a norma penal incriminadora, é indispensável que a guarda, a manutenção em cativeiro ou em depósito de animais silvestres, possa, efetivamente, causar risco às espécies ou ao ecossistema, o que não se verifica no caso concreto, razão pela qual é plenamente aplicável, à hipótese, o princípio da insignificância penal”. (STJ, HC 72.234, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, DJ 05.11.2007, p. 307).

 

CONCLUSÃO

Percebe-se que o princípio da insignificância é revestido pelo caráter fragmentário e da intervenção mínima. No entanto, mister que a sua aplicação esteja voltada para as conseqüências que poderão influir nas futuras gerações, pois o meio ambiente é um direito difuso que a todos pertence e que deve ser amplamente protegido. Igualmente, deve-se levar em consideração se o critério valorativo do bem ambiental é passivo de mensuração, e se for, até quando é possível fazer essa dimensão a ponto de saber se degradá-lo deixará ou não seqüelas irreversíveis para a humanidade. Assim sendo, cabe ao poder judicante analisar caso a caso, a fim de adequar referido preceito às situações concretas quando possível.

 

BIBLIOGRAFIA

FILHO, Misael Montenegro. Processo Civil. Concursos Públicos. Método. São Paulo. 2008.

FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, William. Direito Ambiental. Forense. Rio de Janeiro. 2010.

GOMES. Luiz Flávio. Delito de bagatela, princípio da insignificância e princípio da irrelevância penal do fato. 25.08.2011. Disponível em www.lfg.com.br: 10:00h.

HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Eletrônico Aurélio. 2010.

MIRABETTI, Julio Frabini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2004.


Autor: Jeferson Coutinho Guedes


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