Liberdade para crer



Em um Estado democrático de direito os integrantes tem estes garantidos, e quando ameaçados, é necessária a aplicação de medidas à sua manutenção, observando a dignidade da pessoa humana. Diante de uma ameaça real da violação de um direito liquido e certo, o cidadão, tem a seu dispor um remédio constitucional, o Mandado de Segurança.

O artigo 5º da CRFB/88 caput e os incisos II, III, e VI asseguram a isonomia, a liberdade, o direito de receber tratamento digno, e de crença, respectivamente in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifei).

(...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

(...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (grifei).

No ordenamento jurídico pátrio não há previsão legal que obrigue o paciente a aceitar qualquer tipo de tratamento, se contrária a sua fé. Os pacientes que se recusam a receber sangue sustentam, entre outros, os seguintes textos bíblicos:[1]

Gênesis 9:6 – “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem”.

Levítico 7:27 – “Toda pessoa que comer algum sangue, aquela pessoa será extirpada dos seus povos.”(grifei)

Levítico 17:14 – “Porquanto é a alma de toda a carne; o seu sangue é pela sua alma; por isso, tenho dito aos filhos de Israel: Não comereis o sangue de nenhuma carne, porque a alma de toda a carne é o seu sangue; qualquer que o comer será extirpado”.  (grifei).

São relevantes os argumentos de cunho religioso e cultural enraizado por séculos em um povo que crê, será que pode a ciência sobrepor-se ao movimento de fé?

Para o seguidor de algumas religiões ao receber sangue em transfusão este, que pratica esta fé, sentir-se-á impuro, como se recebendo tratamento degradante, o que manchará sua honra e sua imagem.

Quando provocada a justiça, pode o juiz conceder liminar em Mandado de Segurança, in limine litis visando suspender de pronto o ato a que se almeja coibir, para tanto se faz necessário a presença de dois requisitos: fumus boni iuris, a fumaça do bom direito e periculum in mora o perigo na demora da decisão, presente os dois requisitos basilares, em mandado de segurança o juiz (a) poderá concedê-lo inaudita altera parte.

Resgatando seu direito de natureza, como pontua o filosofo Thomas Hobbes (1588-1679) em seu clássico Levaitã, (TUCK, 2008, p.112);

(...) o direito de natureza a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua vida; e conseqüentemente de fazer tudo aquilo que o seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais adequados a esse fim.

E ainda este clássico conceitua liberdade (TUCK, 2008, p.112)

(...) por LIBERDADE entende-se, conforme a significação própria da palavra, a ausência de impedimentos esternos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas não poder obstar a que usem o poder lhes resta conforme o que seu julgamento e razão lhe ditarem.

Em defesa de seus direitos, os seguidores desta fé, organizaram uma rede transnacional de Comissões de Ligações com Hospitais (COLIH), já instalada em aproximadamente 230 nações, que tem por fim buscar por hospitais, médicos que usam meios alternativos às transfusões de sangue.

O entendimento do Juiz Marco Antônio Lobo Castelo Branco[2] ao sentenciar em um processo, se convence sobre o direito de uma paciente internada em rejeitar tratamento que a reduziria de sua condição, afirma que os seguidores de determinada crença “ ....  não podem se tornar um grupo aterrorizado pela ameaça constante da violação da sua fé”[3] ainda ao final o nobre julgador pontua “... qualificando seu direito à vida, conferindo-lhe dignidade necessária para caminhar e viver em sua comunidade...”, (CASTELO BRANCO, 2009) ao receber a transfusão a reduziria perante sua comunidade.

A doutrinadora Maria Helena Diniz afirma que “a crença religiosa é um direito humano fundamental reconhecido constitucionalmente” (DINIZ, 2007 p. 231).

Esse também representa um direito universal consagrado na declaração universal dos direitos do homem, de 10 de dezembro de 1948, disposto em seu artigo XVIII,

(...) Artigo XVIII - Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular. (grifei)

É polemico e diverso o entendimento sobre o tema mais segue o avanço da sociedade em acolher a tese religiosa sustentada pelos pacientes em recusar-se a tratamentos com fins de curar a saúde física, mas mantendo a saúde emocional, moral e principalmente a dignidade. 


[1] Retirado na integra do site http://www.bibliaon.com/genesis_9/, acessado em 30 de agosto de 2010 ás 17:58hs

[2] Juiz de Direito da 2ª vara da Fazenda de Belém.

[3] Sentença prolatada nos autos do processo 20091049843-2, as folhas 31.


Autor: Cilene Moreira Sabino De Oliveira


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