A utilização do jornal o dia na máquina política de chagas freitas
Introdução
Esta monografia propõe demonstrar como o jornal O Dia foi utilizado por Chagas Freitas para a montagem e consolidação de sua corrente política. Analisando como isto aconteceu no cenário político carioca e posteriormente no novo estado do Rio de Janeiro pós-fusão. Colocaremos como o periódico era manipulado para influir a opinião pública, sendo voltado prioritariamente para a população mais carente.
No primeiro capítulo, vamos demonstrar a trajetória de Chagas Freitas antes de ele fundar o jornal O Dia. Sua origem familiar, sua formação educacional e sua entrada na política, através de Ademar de Barros.
No segundo capítulo, vamos abordar a fundação do jornal O Dia, que foi a pedra fundamental para a construção da máquina chaguista. Através dele, foi sendo consolidada uma imagem política de Chagas Freitas, que era colocado como o “paladino das massas”. “O homem público que iria acabar com as injustiças sociais do Rio de Janeiro”. Suas páginas eram voltadas para diversos estratos da sociedade, como funcionários públicos, militares, donas de casa, aposentados e pensionistas. Sempre com tom messiânico. Com esta retórica Chagas Freitas foi eleito para deputado federal em 1954, 1958, 1962, 1966, governador da Guanabara em 1970 e para governador do novo estado do Rio de Janeiro em 1978.
No terceiro capítulo, será analisado como Chagas Freitas conseguiu ter em suas mãos durante bom período de tempo o controle do antigo MDB carioca e no período de pós-fusão do estado da Guanabara com o antigo estado do Rio de Janeiro, conseguiu vencer politicamente, o maior cacique político fluminense da época, Amaral Peixoto. Para tudo isto, foi essencial do jornal O Dia.
Na conclusão da monografia, abordaremos como se deu a derrocada do chaguismo, a partir do fim da década de 1970, mostrando como o campo político nacional esta completamente diferente daquela da década de 1950, trazendo diversos desafios para a máquina chaguista, que não sobreviveu a uma série de novos fatores. Tendo em 1982, recebido o seu golpe derradeiro, com a perda das eleições estaduais para Leonel Brizola. Além da derrota neste pleito, existem outros motivos para que o chaguismo não tenha conseguido se reerguer como força política, sendo a venda do jornal O Dia, o ponto final da corrente chaguista.
Capítulo I - Os Primeiros Passos
1- Chagas Freitas: suas origens
Antônio de Pádua Chagas Freitas nasceu em 04 de março de 1914, na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, sendo descendente de uma família de agricultores do noroeste fluminense. Sua mãe Maria Eugênia Chagas, filha de família de fazendeiros do sul de Minas Gerais e irmã do médico Carlos Chagas, que se tornou famoso internacionalmente ao descobrir os métodos de erradicação da tripanossomíase, que passou a ser conhecida como Doença de Chagas. Seu pai era o desembargador Antônio José Ribeiro Júnior. Ambas as famílias tinham participação na vida política brasileira desde o período imperial, sendo, portanto, membro de uma linhagem de políticos, com influência significativa neste cenário.
Teve infância normal, levando em consideração o padrão existente para as famílias abastadas do inicio do século XX. Ao chegar a idade escolar foi estudar no colégio Santo Antônio Maria Zacaria, que era dirigido por rigorosos padres barnabitas, onde completou sua primeira fase de estudos. Em 1931, seguindo a trajetória paterna, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, lá viveu período de intensa mobilização política estudantil, junto a Evandro Lins e Silva, Carlos Lacerda, entre outros. Era uma fase de grande agitação política no país e no mundo, pois no ano anterior fora deflagrada a Revolução que levou Getúlio Vargas ao poder, derrubando a República Oligárquica. Tal desfecho se deve a vários fatores, como a insatisfação com as políticas da oligarquia cafeeira, que usava o Estado apenas em proveito próprio, se fazendo valer para isso de recursos advindos de toda a população para subsidiar o preço do café. Esta política se tornou impraticável quando ocorreu o Crack da Bolsa de Nova York em 1929, levando o mundo capitalista a bancarrota. O comércio internacional sofreu considerável declínio, com isso o Brasil que vendia café, principalmente para os Estados Unidos, perdeu seu mercado comprador. Milhares de sacas de café foram queimadas na tentativa desesperada de manter os preços elevados, porém foi tudo em vão. Foi impossível conter o desastre econômico que afetou a cafeicultura brasileira e abalou as estruturas da República Velha.
Chagas Freitas dedicou-se a estudar obras do pensamento político de esquerda que se encontrava em voga no período em que esteve na faculdade de direito, se encantava com o carisma e liderança de Lênin. Pertencendo a uma geração marcada pelo engajamento político e pelo fascínio representado pelas alternativas críticas ao modelo liberal-democrático que acontecia na Europa. Teve uma formação marxista, entretanto, não se alinhou a organizações políticas como a Aliança Libertadora Nacional, para qual convergiram muitos dos seus contemporâneos. Apesar de na faculdade de direito ter tido contato com correntes revolucionárias, procurou a linha da moderação, característica que o pautou durante sua carreira política:
A falência do liberalismo político clássico em várias sociedades europeias e o surgimento das propostas revisionistas que pressupunham o primado das instancias dirigentes de perfil autoritário levaram a formulação de diretrizes políticas imbuídas de um vigoroso messianismo. Para além das estruturas desacreditadas, viciadas e frágeis dos regimes representativos das décadas de 1920 e 1930 inspiraram a construção de discursos que valorizavam as vias extralegais e saudavam o advento dos novos tempos. (SARMENTO, 1999, p.24).
Em 1935, após o término do curso, Chagas Freitas começa a trabalhar na área de jornalismo, procurando, neste momento se abster de envolvimentos políticos. Trabalhando no jornal A Tarde entrevistou o interventor de São Paulo, Ademar de Barros, esse foi o primeiro contato a partir do qual começou uma aliança política, onde Chagas Freitas se constituiu no principal escudeiro do interventor paulista no Rio de Janeiro em sua tentativa de se tornar presidente do Brasil.
2- O escudeiro de Ademar de Barros
Em uma feliz estratégia de divulgação de seu trabalho na câmara, Chagas Freitas cunhou o slogan “A lei é boa... falta o homem” (...) Com esta apologia Chagas Freitas, consagrava-se no papel de principal escudeiro de Ademar de Barros. (SARMENTO, 1999a, p.55)
Pelo exposto acima podemos dimensionar a importância de Chagas Freitas para a divulgação da figura política de Ademar de Barros no Rio de Janeiro. Contudo, esta citação é do ano de 1955, no período de campanha eleitoral para a presidência da República. Para entendermos melhor como começou e se desenvolveu tal relação devemos retornar década de 1930.
Após a conclusão de seu curso de bacharel, Chagas Freitas começou a se dedicar ao trabalho de repórter e redator em alguns jornais, principalmente no jornal A Tarde. Procurando manter uma postura moderada, pois naquele momento o Brasil passava por um endurecimento do Regime Varguista, onde estava sendo implantado o Estado Novo, reação de Getúlio Vargas ao Plano Cohen, que teria sido uma tentativa de golpe dos comunistas. Foi neste ambiente político que Chagas Freitas em 1938, foi escalado pelo jornal A Tarde, para entrevistar o interventor federal no Estado de São Paulo, Ademar de Barros. Este aproveitou a oportunidade para tentar se legitimar diante da opinião pública o que levou Getúlio Vargas a indicar seu nome para tal cargo. Para isto, procurou transmitir uma imagem de dinamismo e juventude. Esta entrevista marcaria o momento inicial de uma relação que duraria por muitos anos. Resultando em dividendos políticos para Ademar de Barros, mas principalmente para Chagas Freitas.
Em 1941, Ademar de Barros que começou a fazer oposição ao Estado Novo, após ser afastado de suas funções de interventor de São Paulo, convenceu Chagas Freitas a se filiar a UDN (União Democrática Nacional), prometendo vantagens políticas. Entretanto, por questões políticas Ademar saiu da UDN para ajudar a formar o PRP (Partido Republicano Paulista). Chagas Freitas continuou na UDN, pois não fazia parte dos planos imediatos de Ademar.
Em 1945, o Estado Novo chega ao fim, isto se deveu a vários aspectos que não cabem discutirmos neste trabalho; contudo, entendemos que um dos principais motivos de sua queda foi a contradição entre fato de que o Brasil havia entrado na guerra ao lado de forças liberais, enquanto no país estava implantado um regime com características autoritárias. Esta situação deu forças aos grupos liberais brasileiros para derrubar o Estado Novo, implantando a democracia.
Nesse período Chagas Freitas voltou a fazer parte dos planos políticos de Ademar de Barros, que decepcionado com o desempenho do PRP nas eleições em São Paulo, começou um projeto que fortalecesse sua imagem nas principais cidades brasileiras. Nesse ínterim, Ademar fez a fusão entre o PPS (Partido Popular Sindicalista) e o PAN (Partido Agrário Nacional), criando o Partido Social Progressista (PSP).
A partir da fundação do partido, Chagas Freitas seria o principal alicerce de divulgação da imagem de Ademar na cidade do Rio de Janeiro, rumo a presidência da República em 1946, porém, foi eleito o general Eurico Gaspar Dutra, sendo frustrada a estratégia política do ex-interventor paulista. Na eleição seguinte, em 1951, Getúlio Vargas retorna a presidência de forma democrática.
Após as derrotas, Chagas Freitas e Ademar de Barros investem em uma nova estratégia para a viabilização do projeto político do PSP:
Os dois perceberam que o controle de um meio de comunicação e de opinião desempenharia um papel fundamental para a consolidação do PSP e para a futura campanha presidencial do seu principal expoente. (SARMENTO, 1999b, p.36)
Para colocar em prática tal projeto, Ademar e Chagas compraram em sociedade o jornal vespertino A Notícia. Após a compra do jornal, foi mudada sua linha editorial, passando a veicular informação sobre a trajetória de Ademar de Barros, o colocando como herdeiro político do populismo. Além desta característica, o jornal A Notícia tomou uma postura de acompanhar as questões políticas da cidade e fiscalizar o executivo e o legislativo municipal.
Para as eleições de 1955, os esforços dos jornais dirigidos por Chagas Freitas foram para a campanha de Ademar de Barros a presidência da República. Podemos dar como exemplo de tal propaganda o conteúdo da coluna assinada por Chagas Freitas, em que procurava colocar Ademar como o “verdadeiro representante das forças populares”, o defendendo de acusações contra o seu caráter:
À onda de calúnia que procurou envolver a figura do candidato do povo - Sr. Ademar de Barros - Acudiram as massas populares com a sua confortadora presença nos comícios, antecipando um pronunciamento sobre o qual não pode haver a menor dúvida (...). Nas últimas horas que nos separam do pleito, todas as consciências de se voltar para o Brasil. A ninguém é licito se furtar ao dever do voto nesta fase da vida republicana, em que se decide menos uma eleição presidencial do que, em verdade, dos destinos do regime. Vote cada qual com a sua inspiração cívica, mas vote. O desinteresse será um crime de lesa-democracia e renúncia imperdoável ao próprio direito ser livre.[1]
Percebemos a astúcia de Chagas Freitas neste editorial, para defender e promover o candidato do PSP, que apesar de ter perdido a eleição para Juscelino Kubitscheck, no Rio de Janeiro a vitória foi de Ademar de Barros. Provando que a derrota deste candidato se deveu mais ao fato do PSP não ter conseguido se infiltrar na maioria da população no resto do país, inclusive em São Paulo, seu reduto político. Nesta cidade, Ademar de Barros encontrou dificuldades devido à emergência de Jânio Quadros que era uma nova liderança popular e carismática.
O maior vitorioso desta eleição foi Chagas Freitas, que tomou para si a imagem popular do ademarismo. Demonstrando que seu nome era viável não apenas como deputado federal, mas para ser líder político dentro do Distrito Federal. Chagas se destacou ao exercer efetivo controle dos mecanismos da imprensa escrita para manipular o imaginário político da maior parcela das populações urbanas.
A partir deste momento, o projeto político de Ademar de Barros de chegar a presidência da República, começava a esbarrar nos próprios interesses de Chagas Freitas, seu escudeiro no Rio de Janeiro. Pois este tinha como perfil político a sustentação de uma rede de inter-relações estabelecidas com lideranças locais e paróquias, enquanto aquele tinha como arena política a esfera nacional, usando todo o seu capital político para chegar ao comando do executivo nacional. Esta incompatibilidade ficava nítida no momento em que eram feitas alianças políticas de abrangência nacional, pois estas muitas vezes contrariavam os interesses regionais, prejudicando Chagas Freitas em última análise, devido ao seu perfil localista.
Em 1956, após sucessivas denúncias de Jânio Quadros, através do rádio e da imprensa escrita, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou Ademar de Barros a dois anos de prisão, devido ao processo em que era acusado de compra irregular de veículos da marca Chevrolet. Ademar fugiu para o Paraguai e depois se exilou na Bolívia. Por sua vez, Chagas Freitas, na cidade do Rio de Janeiro fez uma manobra de grande repercussão à época. Alegando a necessidade de preservar o controle do jornal A Noticia e impedir ação judicial que tornasse indisponíveis os bens e ações de Ademar. Convocou uma assembleia geral extraordinária de acionistas da sociedade anônima A Notícia, visando o aumento de capital da empresa, na ausência de Ademar Barros, Chagas Freitas comprou ações que o tornou sócio majoritário. Sem entrar no mérito da questão, queremos apenas colocar que a partir deste momento, Chagas Freitas se tornou senhor absoluto de dois periódicos importantes na capital federal.
Seria metodologicamente incorreto e impreciso afirmar que Chagas Freitas tinha consciência do ganho político ao fazer a manobra acima citada. De qualquer forma este acontecimento foi importante, devido ao fato que a partir deste momento Chagas Freitas deixou de ser apenas o fiel escudeiro de Ademar de Barros, para se tornar uma liderança importante na cidade do Rio de Janeiro. Dentro de alguns anos, seria o líder de uma corrente política hegemônica em todo o Estado do Rio de Janeiro pós-fusão.
3- Início da carreira: a decepção da estreia
Em 1950, o mundo estava começando a viver o período da Guerra Fria; em que as duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética, bipolarizavam o mundo em capitalista ou comunista, a nenhum país era permitido à neutralidade. Qualquer país que não aderisse a uma das vertentes era condenado como traidor. O Brasil fazia parte do polo capitalista, sendo aliado dos Estados Unidos.
Neste ano ocorreu a eleição que reconduziu Getúlio Vargas ao poder. Seu governo foi conturbado, com várias crises políticas, até que em agosto de 1954, na Rua Toneleros, houve um atentado contra Carlos Lacerda, líder da oposição ao governo Vargas, em que morreu o major da aeronáutica Rubem Vaz. As investigações desta instituição indicavam que o assassino cumpria ordens de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Vargas. A oposição e a imprensa anti-getulista exigiram a renúncia do presidente que se negou a sair; a 24 de agosto, o desfecho trágico, Getúlio Vargas se suicida.
Em 1950, Chagas Freitas concorreu pela primeira vez ao cargo de deputado federal pela chapa composta, entre outros nomes, pelo candidato Mozart Lago, presidente regional do PSP e Benjamin Farah, candidato a deputado federal. Mozart Lago conseguiu a segunda vaga para o Senado, ficando a primeira vaga Napoleão Alencastro Guimarães do PTB. Já Chagas Freitas, que foi muito acionado por Ademar de barros como canal de interlocução durante a campanha eleitoral, não conseguiu se concentrar em sua própria candidatura para a Câmara dos Deputados. Mesmo sendo apresentado em panfletos e reuniões políticas como pessoa de confiança de Ademar de Barros, não tinha um importante atributo associado às estratégias políticas de massa, ou seja, não era um tribuno. Como coloca Motta:
Chagas Freitas, era um articulador, ou seja, mais afeito a trabalhar nos bastidores da política. Portanto, para ele, devido ao seu perfil, era extremamente difícil o embate corpo a corpo com seus potenciais eleitores. (MOTTA, 1999, p. 33)
A perda daquela eleição foi um golpe violento para Chagas Freitas, como podemos observar no depoimento de Pedro Couto:
Nunca vi ninguém com tamanha obsessão pelo voto. (...) A obsessão de Chagas Freitas por voto, tinha uma razão de ser. Em 1950, quando se candidatou a deputado federal pela primeira vez (...) perdeu por três votos para Benjamin Farah. Ficou traumatizado. (SARMENTO, 1999c, p.36)
O resultado desta primeira experiência eleitoral de Chagas Freitas a cargo eletivo foi uma marca grandiosa em sua trajetória política. As memórias construídas a este respeito, como o relato do Pedro Couto, uma das pessoas que acompanharam o ex-governador em boa parte de sua vida pública, dão conta de sua obsessão pelo voto. O que teria feito com que ele não abrisse mão de criar mecanismos para angariar o máximo de votos possíveis. Para isto seu discurso era voltado para um leque diversificado de eleitores, como donas de casa, funcionalismo público, aposentados e pensionistas, militares, entre outros. Como podemos ver nesta coluna do jornal O Dia:
Só me resta repetir aos eleitores do Distrito Federal, trabalhadores; funcionalismo público; classes militares; aposentados, inativos e pensionistas; donas de casa; mulher funcionária ou trabalhadora e de modo geral, a todos que necessitam de uma voz e de um soldado para a defesa de suas aspirações legítimas, prosseguirei na mesma trilha, com o pensamento unicamente posto, como até aqui, nos que clamam por justiça, nos que lutam por direitos intangíveis (...).[2]
Estas classes sociais que Chagas Freitas procurava abranger em sua coluna em O Dia, mostra bem a sua preocupação em angariar o maior número possível de votos. Procurando a todo o momento não se posicionar ideologicamente, para não perder seus potenciais eleitores, pois um discurso polarizado, tratando de temas polêmicos que tenham abrangência nacional não era bom para Chagas. Justamente pelo fato deste não ter perfil de tribuno e sim de articulador, com talento para trabalhar no dia a dia, com um discurso localista.
Para que tal política tenha dado resultado satisfatório era necessário um instrumento que manipulasse a opinião de potenciais eleitores. É neste contexto que vamos trabalhar neste próximo capítulo, aonde iremos efetivamente examinar os efeitos da utilização do periódico O Dia na construção e consolidação da máquina política Chaguista.
Capítulo II - A utilização do jornal O Dia na construção da máquina chaguista
1- Fundação do jornal O Dia
O dia 05 de junho de 1951 marcou a fundação do jornal O Dia que é entendida nesta monografia como a pedra fundamental que inaugurou a trajetória ascendente do ex-governador Chagas Freitas, que logo na primeira edição deixa bem explícito o seu perfil:
Estamos certos de que devemos prosseguir na mesma trilha lutando com a mesma coragem e o mesmo espírito de renúncia de fáceis recompensas obtidas a custa de engodos e traições ao povo e de cumplicidade ativa ou passiva com os erros, as injustiças e iniquidades, que, desgraçadamente, se assanham contra os pequeninos e humildes. Assim é que poderemos ser úteis e bem servir ao nosso país.
Não temos ligações político-partidárias. Nascemos do apoio popular e só a ele devemos contas dos nossos atos. Livres de quaisquer compromisso com entidades e grupos, estaremos onde estiver o interesse coletivo e não teremos outro orientador, senão aquele em cujo o nome falaremos sempre: o povo. Os sindicatos políticos e os agrupamentos não contarão conosco, senão quando estiverem a serviço das causas eminentemente populares, nunca quando delas se afastarem, seja a que pretexto for, para se converterem em aparelhos de mistificação das massas, em que instrumentos de gozo
pessoal ou de privilégios intoleráveis à luz da razão ou do regime”.[3]
Apesar de se apresentar da forma que vimos acima, o jornal O Dia foi utilizado para fazer justamente o contrário do anunciado. Afirmou que não iria usar de engodo ou traição com a população, mas não cumpriu sua promessa, pois o jornal foi utilizado para manipular a opinião publica carioca e depois do resto do estado pós-fusão. Afirmou que não era político-partidário, mas apoiava políticos, principalmente Ademar de Barros e Chagas Freitas. Afirmou que não se ligaria a sindicatos políticos ou a grupamentos partidários; contudo, o periódico foi utilizado para promover grupos aliados. Enfim, a retórica utilizada pelo jornal tinha como finalidade principal promover Chagas Freitas e seus aliados.
Não queremos afirmar com isto que Chagas Freitas tinha a consciência de que tendo em suas mãos o domínio de tal periódico o faria ser o maior ícone de uma corrente política hegemônica no estado do Rio de Janeiro a partir dos anos de 1970. Entretanto, não podemos deixar de reconhecer que O Dia foi uma das peças mais importantes na engrenagem da máquina chaguista. Uma pergunta se faz necessária: em que momento Chagas Freitas teve a ideia de formar um jornal com o perfil de O Dia? A leitura do depoimento de Pedro Couto nos dá uma pista:
Em 1950, ele (Chagas Freitas) perdeu por um número mínimo de votos para Benjamin Farah e ficou como primeiro suplente, mas não desistiu do projeto de unir a imprensa acentuadamente popular, ao seu projeto político eleitoral. (SARMENTO, 1999d, p.36)
Com a derrota de 1950, Chagas Freitas começou a vislumbrar a ideia de formar um jornal que lhe proporcionasse condições de manipular uma clientela diversificada sem ter que estar em convívio diário com estas pessoas. Esta conclusão se deve ao fato que quase a unanimidade da historiografia que aborda a trajetória política de Chagas, afirmam que ele não era um político carismático e que por isto seria extremamente difícil que conseguisse ser vencedor a cargos eletivos com este perfil.
Pelo depoimento de Pedro Couto podemos perceber que o periódico seria utilizado para promover politicamente Chagas Freitas, com a finalidade de conseguir se eleger nas eleições de 1954, para o cargo de deputado federal, evitando a decepção de 1950, pois este veículo se colocava como o jornal do “povão”, tendo como público alvo uma gama enorme do estrato social carioca. Se posicionado como defensor das classes desfavorecidas. Não podemos perder de vista que neste primeiro momento que o jornal O Dia, tinha como finalidade maior promover Ademar de Barros, só após a condenação e fuga do ex-governador de São Paulo em 1956, que o jornal se voltou para promover prioritariamente Chagas Freitas.
Toda trajetória do jornal O Dia, até a sua venda em 1983, tinha como característica não dizer objetivamente quem suas colunas estavam realmente atacando e se colocando como paladino das diversas classes sociais e categorias profissionais, com um discurso reivindicativo e assistencialista, se colocando como defensor da justiça social, como braço forte dos oprimidos, os protegendo dos poderosos. Tal estratégia como já dissemos, tinha como finalidade promover Ademar de Barros, Chagas Freitas e seus aliados. Será que tal finalidade foi obtida? A resposta a esta pergunta vai feita em seguida.
2- Primeira vitória: comprovação do potencial eleitoral do jornal
Chegava o ano de 1954, ano de eleições para diversos cargos, inclusive para a presidência da República e para a Câmara dos Deputados, respectivamente Ademar de Barros e Chagas Freitas concorreriam neste pleito. O jornal O Dia dava cobertura a ambos e também a seus aliados e demonizava os adversários. Eram veiculadas reportagens que procuravam colocar os candidatos apoiados pelo jornal como defensores implacáveis da população mais carente.
Apesar de ter espaços para os candidatos que colaboravam com Chagas e Ademar, este no primeiro momento foi o alvo principal das reportagens do periódico que o colocava como o homem que defenderia na presidência da República os direitos das camadas mais pobres da população. A todo o momento eram veiculadas reportagens a respeito de homenagens, visitas feitas a regiões pobres da cidade e discursos políticos, em que eram feitas promessas de acabar com as mazelas e misérias destas populações, sempre enfatizando que isto caberia ao governo que se encontrava no poder naquele momento. Entretanto, se este não cumpria com suas obrigações, cabia ao povo votar em Ademar de Barros e seus aliados, pois estes cumpririam suas promessas. Tal discurso é comum até mesmo nos dias atuais. Contudo no caso específico deste trabalho, temos que considerar que a população humilde da cidade do Rio de Janeiro, sabia destas informações através de um jornal extremamente popular. Em 1954, O Dia já se encontrava infiltrado de forma contundente na rotina da população carioca, se transformando com isso em um forte aliado para aqueles que detinham seu monopólio.
Nesta eleição, diferente de 1950, Chagas Freitas não tinha a intenção de apenas trabalhar para a candidatura de Ademar de Barros, pois queria investir em sua própria. Assim de forma discreta começou a assinar em abril, uma coluna diária, em que passou a ser um ponto de convergência das campanhas, apesar de não ter tirado Ademar de Barros de sua posição de destaque, começou a surgir daí um novo paladino das classes desassistidas dos subúrbios cariocas. A postura de Chagas Freitas era bem sutil em sua coluna, como podemos perceber abaixo:
Sem explicitar ambições políticas e eleitorais, Chagas vociferava contra os inimigos do povo: a má administração pública, a carestia e as péssimas condições de vida nas regiões periféricas da cidade. Logo em seu primeiro artigo assinado, voltou-se contra um alvo peculiar, o aumento dos ingressos do cinema, para em seguida desfilar uma série de ataques a adversários imprecisos: filas, falta de água, preço do café, violências da policia e a bagunça geral que crescia no país. (SARMENTO, 1999e, p.36)
Percebemos a forma sutil da coluna de Chagas Freitas no jornal O Dia procurando atingir as classes mais desfavorecidas da população carioca, se colocando como a pessoa que defenderia a população nas páginas do periódico. Podemos verificar ainda que não havia a preocupação com temas de cunho nacional, nem mesmo em um momento em que o Brasil estava vivendo uma séria crise política que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas. Esta característica seguiu Chagas Freitas durante toda a sua vida pública. Diferentemente de políticos como Carlos Lacerda e Tenório Cavalcanti, seus contemporâneos, que seduziam por sua oratória contundente e demolidora. Chagas Freitas não se sentia a vontade em palanques, por isso usou o jornal O Dia como principal cabo eleitoral e esse além de garantir grande parcela de votos, ainda conseguia eleger candidatos correligionários.
O grande teste para saber se o esquema político ancorado no jornal O Dia iria dar frutos foi as eleições de 1954 e esta mostrou um resultado estrondoso para os padrões do PSP do Distrito Federal que dobrou sua representação na Câmara dos Deputados. Ademar de Barros apesar de ter perdido a eleição para Juscelino Kubitscheck, foi o candidato a presidência mais votado na cidade do Rio de Janeiro. Devemos levar em conta que a base eleitoral de Ademar de Barros era o estado de São Paulo. Esta observação é importante para demonstrar o sucesso da utilização do jornal O Dia como cabo eleitoral de Ademar de Barros, Chagas Freitas e seus aliados.
Contudo, a face mais importante desta eleição foi a emergência de um novo ícone na política do Rio de Janeiro, Chagas Freitas o maior beneficiário do esquema armado utilizando o jornal O Dia. Em breve desbancaria Ademar de Barros do posto de figura principal do PSP-DF, tomando para si a imagem de "paladino das massas". Dentro de alguns anos se tornaria o líder de uma corrente política que iria monopolizar o campo político carioca e posteriormente de todo o Estado do Rio de Janeiro.
3- Como era utilizado o jornal para manipular as diversas clientelas e promover os aliados do chaguismo
Agora vamos esmiuçar como a máquina política de Chagas Freitas funcionava na prática com a utilização do jornal O Dia. Contudo, antes de começarmos a desenvolver o tema vamos discutir os principais conceitos e problemáticas que envolvem questões relativas a manipulação da opinião pública, bem como a formação e consolidação da máquina político-eleitoral de Chagas Freitas, que teve na nossa opinião, como ferramenta fundamental a utilização do jornal O Dia.
Faz-se necessário, primeiro fazer algumas considerações sobre a manipulação da opinião pública. Para Childs a opinião pública:
Refere-se sempre a um grupo de opiniões individuais, e não a uma coletividade mística que paira no ar por sobre as nossas cabeças. Para descobrir qual é um determinado estado da opinião pública, portanto, temos de colecionar opiniões de indivíduos. (DINIZ, 1981, p.22)
Esta visão vai ao encontro da forma como era utilizado o periódico O Dia, ou seja, seu conteúdo era voltado para uma clientela vasta e diversificada, procurando manipular a opinião individual, a fim de conquistar os votos dessas pessoas.
Para Freitas, opinião pública pode ser considerada como:
Um fenômeno social que poderá ou não ter caráter político; é um pouco mais que a simples soma das opiniões; é influenciada pelo sistema social de um país, de uma comunidade; é influenciada pelos veículos de comunicação massiva; poderá ou não ter origem na opinião resultante da formação do público; não deve ser confundida com a vontade popular, pois esta se relaciona aos sentimentos individuais mais profundos; depende e resulta de uma elaboração maior; não é estática, é dinâmica. (DINIZ, 1981a, p.25)
A autora parte do pressuposto que a opinião pública pode ser manipulada de diversas formas, inclusive pelos meios de comunicação, devido a interesses políticos em prol de consolidar metas específicas de determinados grupos, como por exemplo, formar um sistema de patronagem e clientelismo.
Partindo deste mesmo ponto de vista temos a visão de Augras:
A opinião pública é, declaradamente, uma alavanca na mão do demagogo. Daí em diante aparecerá um duplo aspecto: expressão genuína da vontade do povo e meio de manipulação desse povo. (DINIZ, 1981b, p.32)
Esta visão de Augras nos interessa, pois vem ao encontro do objeto da nossa pesquisa, pois o periódico O Dia, era utilizado por políticos demagogos, mais especificamente Chagas Freitas e seus aliados, para manipular a opinião de suas clientelas, a fim de conquistar seu apoio e em consequência seu voto, que ao ser conquistado foi formando e consolidando o chaguismo, que se tornou uma corrente política hegemônica, principalmente nos anos de 1970, no Estado da Guanabara e depois no novo estado do Rio de Janeiro, pós-fusão.
Neste ponto chegamos a outro aspecto importante, que é identificar os conceitos, como se constrói e como se caracteriza uma máquina político-partidária, voltados para cooptação da opinião pública, a fim de conquistar votos de clientelas diversificadas como foi o caso do chaguismo.
Eli Diniz (1981), em sua obra "Voto e máquina política", coloca questões relativas à patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro, pós 1960. Neste trabalho, a autora afirma que "as máquinas encarnariam o lado perverso da política, procurando conquistar e manter o poder através basicamente de recursos pouco lícitos, quando não ilegais” esta atitude teria como finalidade os interesses privados de seus líderes, na perspectiva de ganhos pessoais, não se importando com os interesses coletivos e do bem público. Estes líderes para alcançar seus objetivos seriam capazes de utilizar técnicas típicas da máquina como: o suborno, a corrupção, a fraude, a coação, ou a manipulação eleitoral.
A autora utiliza-se de diversos outros autores para conceituar o que seria uma máquina político-eleitoral, como Gottfried (1977), segundo o qual "qualquer organização política estável, efetiva, dotada de liderança e hierarquia interna (...) pode ser considerada uma máquina política". Gosnell (1980) coloca que "há aspectos não predatórios na máquina, ressaltando seus efeitos integradores numa sociedade relativamente dispersa e desmobilizada". Merton (1975) defende a visão de que "a máquina política adquire persistência e visibilidade a medida que se torne apta a favorecer os interesses específicos de distintos segmentos da população, satisfazendo necessidades que, de outra forma, tenderiam a permanecer relegadas."
Analisando tais conceitos sobre máquinas políticas, percebemos que elas vão ao encontro à máquina implantada no Rio de Janeiro por Chagas Freitas, este utilizava seu periódico para sinalizar as suas clientelas que estariam sempre dispostos, ele e seus aliados, a atender necessidades específicas. Contudo, nunca sinalizando para a resolução de problemas estruturais, que se encontravam no cerne dos problemas do cotidiano da população, com isto levando a um ciclo vicioso, pois se o governo não resolve os problemas estruturais da população, faz com que esta seja sempre dependente do paternalismo, para garantir as condições mínimas de sobrevivência.
Tais máquinas têm como uma das suas características a dimensão motivacional, que na prática funciona através de incentivos e recompensas materiais que mantém a lealdade dos seus adeptos. James Wilson coloca "que tais recompensas incluem o acesso a empregos e cargos na administração pública, a concessão para diversas finalidades, isenções fiscais”. Além dessas práticas não muito lícitas, existem outras ilícitas, que podem desenvolver-se a sombra da proteção política da máquina, como o jogo do bicho, o tráfico de entorpecentes e práticas de enriquecimento ilícito. Inclusive no jornal O Dia foi veiculado, durante bom tempo, o resultado do jogo de bicho.
Outra característica das máquinas políticas é a compatibilização e não de enfrentamento com outras máquinas, com isso procuram não interferir no funcionamento das outras, a fim de resguardarem seus próprios interesses em determinadas áreas, que se encontram sob seu controle.
Uma terceira característica das máquinas políticas, inclusive do chaguismo, é dirigir-se a um número diversificado de grupos, incluindo filiados, adeptos e eleitores do partido. Tal posicionamento é lógico, pois a finalidade dessas máquinas é conquistar o poder político e para isso se torna importante além de conquistar o apoio político do maior número de aliados, também o voto da massa da população. No caso do chaguismo, isto era feito de diversas formas, sendo o periódico que se encontrava em poder de Chagas Freitas de grande importância para a conquista de tais votos, pois neles eram veiculadas reportagens que iam ao encontro para as necessidades básicas e imediatas de tal clientela.
Olhando especificamente para a máquina chaguista, percebemos que os políticos participantes deste grupo, se ligavam a setores específicos da população. Principalmente bairros carentes, grupos comunitários, religiosos e categorias profissionais, defendendo interesses parciais, imediatos e materiais, baseados na troca entre votos e benefícios, como podemos perceber neste editorial:
Através de deputados que mantêm colunas assinadas no jornal O Dia (...) uma ampla gama de mensagens é endereçada a um grande público (...) como comerciários, balconistas, pequenos lojistas (...) professores, funcionários públicos". (DINIZ, 1981c, p.97)
Outro aspecto importante era o caráter pessoal da relação representante-representado e a consequente irrelevância da posição político-ideológica dos representantes do chaguismo para o fortalecimento dos vínculos com os eleitores, sendo todas estas ações legitimadas com reportagens veiculadas no jornal O Dia.
Para conseguir o apoio de lideranças locais o jornal era utilizado para dar ênfase a tais candidatos. Nas campanhas para as eleições, essa estratégia é colocada em prática de forma explicita. Chagas Freitas era recebido em quermesses, jogos de futebol, churrascos, entre outros, por estas lideranças, em contrapartida seus nomes apareciam de forma enfática no periódico de Chagas Freitas.
O poder de influência do jornal O Dia junto a uma ampla parcela da população do Rio de Janeiro foi tão significativo que os candidatos tinham certeza que a citação de seu nome neste periódico era um impulso considerável em sua candidatura:
Por que O Dia tinha o que oferecer que era a voz. O sujeito que estivessem com Chagas Freitas tinha uma certeza: seu nome sairia n'O Dia, e naquela ocasião era fundamental sair n'O Dia para se eleger. (SARMENTO, 1999f, p.90)
Sem o apoio do jornal O Dia, na década de 1970, quando a máquina chaguista estava plenamente consolidada no Estado da Guanabara, se tornava extremamente difícil para a maioria dos candidatos que não tivessem o apoio de Chagas Freitas se eleger. Isto se deve ao fato que ainda neste período os jornais serem um dos principais, quiçá o principal veiculo de comunicação no que diz respeito à manipulação da opinião pública. Especificamente em relação ao jornal O Dia, temos o fato de ele ser o que mais se infiltrava na massa da população carioca e após a fusão da população fluminense.
Para não haver brigas internas entre os aliados do chaguismo, o jornal era dividido de forma a que nenhum dos membros da aliança se sentisse prejudicado. Aqueles que permanecessem fiéis estariam sempre sendo lembrados nas páginas do periódico, caso contrário, o aliado que por algum motivo não se mostrasse fiel as diretrizes do chaguismo era banido. Mas como era feita a divisão do jornal diante de tantos interesses políticos locais? O depoimento de Erasmo Martins Pedro nos dá uma pista:
O Dia dava total cobertura às comitivas que iam para o subúrbio. Quando saia o carro de O Dia ia muita gente atrás, e o jornal fotografava tudo (...). Quando se inaugurava um comitê, um escritório eleitoral, um evento qualquer, no dia seguinte saia n'O Dia. (MOTTA, 1999a, p. 33)
Para haver um mínimo de disputas internas, quando existiam interesses de um ou mais candidatos apoiados pelo jornal O Dia em determinada localidade, era dada uma obra para um, outra para outro; o mesmo acontecia com outros tipos de manipulações políticas de forma a abranger o maior espectro possível de clientela, a fim de angariar seus votos para o "grupo d'O Dia".
Todos os eventos nos bairros no Rio de Janeiro que fossem considerados importantes para Chagas Freitas e seus aliados, lá estava a cobertura de O Dia para promovê-los. Exemplos desta linha podem ser encontrados na visita de Frederico Trotta ao Rio Comprido, para discutir a questão da iluminação pública com os moradores;[4] Na incursão de Mourão Filho pelo morro Cariri, no Bairro de Olaria;[5] e a ida do deputado e pastor protestante Souza Marques a uma Praça em Cascadura onde a população pleiteava a construção de um "monumento à Bíblia".[6]
Uma manobra ilícita utilizada pelo grupo d'O Dia era a manipulação da pesquisa eleitoral. Invariavelmente os candidatos apoiados por Chagas Freitas eram colocados nos primeiros lugares e os demais candidatos, não aliados, em posições sempre inferiores. A manipulação chegava a tal absurdo que muitas vezes candidatos aliados que nem sequer apareciam na pesquisa original, eram colocados de forma fraudulenta em posição de destaque:
Chagas fazia pesquisas eleitorais e sempre colocava (em O Dia) os nomes mais votados. Se bem que ás vezes colocava um ou dois que não tinham realmente aparecido muito, apenas para o nome não ficar esquecido. (MOTTA, 1999b, p. 38)
Tomando como parâmetro os dias atuais em que várias pesquisas são contestadas como se tivessem sido manipuladas. É curioso como tamanha manipulação das pesquisas no jornal O Dia aconteciam sem que os candidatos adversários ao "grupo d'O Dia" e as autoridades competentes da época não tiveram forças para barrar tal prática ilícita. Isto nos da uma noção da força que tinha este grupo.
Capitulo III - A Consolidação da Máquina Chaguista através da utilização do Jornal
1- O monopólio do MDB carioca
Após o período do governo de Juscelino Kubitscheck (1956-1961) assume a presidência Jânio Quadros, tendo o apoio da UDN. Nas eleições, ganhou com grande vantagem de votos, conquistando 48% da preferência do eleitorado, obteve a expressiva diferença de 1.800.000 votos em relação ao segundo colocado, o marechal Henrique Teixeira Lott da coligação PTB-PSD.
O governo de Jânio Quadros foi tumultuado devido a uma série de razões que não cabem serem discutidas neste trabalho. O fato importante desta situação foi que Jânio renunciou, contando que o clamor popular o trouxesse de volta ao poder e com isto ele ganhasse enorme força política, entretanto, isto não ocorreu e de acordo com a Constituição assumiria em seu lugar o vice-presidente João Goulart. Este, porém, estava em visita oficial à China Comunista. A UDN, diante disto, tentou impedir a posse de Jango, acusando-o de "perigoso comunista". Depois de enorme embate político foi encontrada uma solução: Jango assumiria o poder se aceitasse o sistema parlamentarista. Isso significava que assumiria a presidência com poderes limitados e vigiados pelo Congresso Nacional. A emenda constitucional previa o plebiscito para que o sistema parlamentarista fosse referendado. Em 06 de janeiro de 1963, o parlamentarismo, através de plebiscito, foi recusado e o Brasil volta a ser presidencialista.
Entretanto, apesar de ter o apoio de vários setores populares, o governo Jango tinha contra si grande parte das classes dominantes, que o queriam fora do governo. Após uma série de crises, explodiu em 31 de março de 1964, o golpe militar, que estes chamam de revolução, no dia seguinte, 1° de abril, Jango foge para o Rio Grande do Sul e depois se dirige para o Uruguai, como exilado político. Começa a ditadura civil-militar.
O primeiro representante militar ao qual foi outorgado o cargo de presidente do Brasil foi Castelo Branco, que baixou diversas medidas, entre elas, o Ato Complementar n° 04, que instituía o bipartidarismo no Brasil. As forças que se alinhavam com o governo militar constituíram a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), enquanto a oposição se articulou no Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Esta situação fez com que Chagas Freitas tivesse que optar entre ambos os partidos. Para isso analisou três fatores: o grau de pressão do comando militar sobre os meios políticos, a estrutura político organizacional que a legenda adotaria e a maneira pela qual o eleitorado carioca receberia os novos partidos.
Aderir ao partido do governo garantiria a sobrevivência política, por outro lado, a rejeição do eleitorado carioca ao Regime Militar, poderia inviabilizar o futuro político imediato de Chagas Freitas. No interior do MDB-GB não encontraria graves obstáculos e poderia investir na sua reeleição para a Câmara dos Deputados e nas candidaturas dos integrantes de seu grupo político nas eleições legislativas de novembro de 1966. Analisando as possibilidades, Chagas Freitas optou pelo MDB.
Em dezembro de 1968, com a edição do AI-5, a representação parlamentar do Estado da Guanabara, ou melhor, a grande bancada do MDB, que elegeu um senador, 15 deputados federais e 40 estaduais, sofreu o golpe de ter visto serem cassados 21 parlamentares, com isso o MDB-GB ficou acéfalo, dando espaço para que Chagas Freitas conduzisse um projeto de dominar o MDB carioca, como atesta o depoimento de Pedro do Couto:
Além do Valdir Simões, houve outras cassações com o ato 5, e o MDB então ficou acéfalo (...). Chagas Freitas percebeu, em 69, que o partido estava vazio e que era a hora dele. Como na corrida de cavalo, olhou para trás, não viu e disse: "Vou empalmar o partido. (SARMENTO, 1999g, p.90)
Para "empalmar" o MDB carioca, Chagas Freitas iria utilizar um dos seus principais, quiçá o principal mecanismo de manipulação: o jornal O Dia.
Um dos elementos fundamentais para o controle do partido era o mecanismo da filiação partidária previsto pelo Ato Complementar de maio de 1969, que determinava que as inscrições de novos membros na ARENA e no MDB deveriam ser feitas em livros próprios, com folhas numeradas e rubricadas pelo juiz eleitoral. O jornal O Dia publicou um cupom que prometia dar prêmios aos seus leitores, caso preenchessem tal cupom. Tal publicação fazia parte de uma manobra, pois o preenchimento significava na verdade a filiação ao MDB, com esta manobra Chagas Freitas teve uma vitória esmagadora na convenção do MDB-GB, enquanto a ARENA não conseguiu se articular bem, ficando dividida, isto trouxe uma enorme vantagem para Chagas Freitas. Agora, ele tinha como meta vencer as eleições para o governo da Guanabara em 1970, para isto teria que se legitimar perante o governo militar como um adversário possível, para que estes franqueassem seu caminho para o governo do estado da Guanabara. Para conseguir a simpatia do presidente Médici eram veiculadas no periódico O Dia reportagens com apologia ao regime.[7]
Esta estratégia se mostrou eficaz, pois Chagas Freitas foi eleito governador da Guanabara, além disso, o "grupo d'O Dia elegeu grande parte da bancada carioca e com estes resultados o MDB carioca havia sido "empalmado". Contudo, na verdadeira roda viva que era o governo militar, em que decretos e atos eram baixados para corresponderem aos interesses do regime de exceção implantado, novos desafios tinham que ser enfrentados. A Lei complementar n° 20 fixou para 15 de março de 1975, a fusão do Estado da Guanabara com o antigo Estado do Rio de Janeiro. Esta nova realidade fazia com que Chagas Freitas tivesse que se impor no novo Estado pós-fusão, para isto teria que vencer politicamente a maior expressão da política fluminense: Amaral Peixoto.
2- A vitória sobre o amaralismo
Ernesto Geisel foi indicado pelo alto comando militar para ser sucessor de Médici e deveria levar adiante a fusão dos estados da Guanabara e do antigo Rio de Janeiro. Diante desta nova realidade política Chagas Freitas, que já havia consolidado sua máquina política na Guanabara, se via diante do desafio de espalhar sua influência no antigo Estado do Rio de Janeiro, para isto deveria vencer a força política de Amaral Peixoto, comandante da política fluminense. Este embate era inevitável como, atesta o depoimento de Erasmo Martins Pedro: "Era como uma lei física: dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Tinha que ser um". (MOTTA, 1999c, p. 143)
Prevendo este embate desde 1974, portanto no ano anterior a fusão começou a ser colocado em prática um projeto de ampliação territorial, para outras áreas fora do Estado da Guanabara, principalmente a Baixada Fluminense. O jornal O Dia penetrou nesta área, com reportagens que procuravam mostrar o interesse de Chagas Freitas após a fusão de resolver os problemas latentes destas regiões que não foram resolvidos por governos anteriores, que tinham como maior expressão política Amaral Peixoto. Afirmava que estes e seus aliados não resolveram estes problemas antes da fusão e não resolveriam depois após a mesma. Para demonstrar a capacidade administrativa no Estado da Guanabara, O Dia veiculava dados estatísticos que pretendia mostrar o progresso durante a gestão de Chagas Freitas. Os políticos da região começaram a perceber a capacidade de penetração do jornal O Dia na massa da população:
Eu lia O Fluminense em Niterói, porque em Nilópolis ele não chegava às bancas. A Luta democrática estava desaparecendo e O Dia ocupou o lugar de grande jornal popular. (...) Uma vez recebi para uma entrevista um repórter de uma revista semanal de grande tiragem semanal. Eu lhe disse: "quer saber de uma coisa? Prefiro três linhas em O Dia a uma página inteira em sua revista. “Meu eleitor não a lê." (...) Em época de eleição valiam mais as três notinhas que o Chagas Freitas nos dava em O Dia. Na véspera da inauguração do viaduto de Nilópolis, por exemplo, O Dia anunciava o evento e informava que o requerimento para a sua construção era de minha autoria. Eu não estava fisicamente presente na inauguração, mas marcava presença através do jornal. O povo lia e dizia: "O Gilberto ajudou na construção". Por isso, quando houve o cisma entre Chagas e o Amaral, optei pelo Chagas, porque a Baixada vivia sob a égide de O Dia, que divulgava a nossa atividade legislativa e política. (MOTTA, 1999d, p. 166)
Por este depoimento do político Gilberto Rodriguez que atuava em Nilópolis, percebemos como, com seu discurso assistencialista, o jornal O Dia respondia aos anseios mais imediatos da população, dando uma nova esperança de melhoria de vida a esta região que é composta na sua maioria de pessoas carentes da presença do Estado nas resoluções de seus problemas, que são latentes. Diante de tal realidade era mais importante para o político ter seu nome lembrado em nota em um jornal popular como O Dia, do que em jornais ou revistas de grande prestígio que não fossem lidos por este segmento da sociedade. Isto trouxe muitos políticos que não estavam satisfeitos com Amaral Peixoto para o "grupo d'O Dia”. Até mesmo políticos que sua família estava a gerações apoiando o líder fluminense, como foi o caso de Ecil Batista que deu um giro de 180° em direção a Chagas Freitas. Embora em menor proporção, mas também com importância o jornal O Dia penetrou no interior do antigo Estado do Rio de Janeiro, promovendo o novo grupo d'O Dia, que agora encampava em suas reportagens os políticos oriundos de fora do Estado da Guanabara que aderiram a corrente chaguista. A esta altura Chagas Freitas já havia vencido politicamente Amaral Peixoto, se colocando como o principal ícone da política do novo Estado do Rio de Janeiro.
Não defendemos aqui, que o jornal O Dia foi o único responsável pela vitória política de Chagas Freitas sobre Amaral Peixoto, pois houve outros motivos para que isto acontecesse, contudo, não podemos deixar de considerar a força que o jornal O Dia teve para que esta vitória sobre o amaralismo ocorresse.
Vieram as eleições de 1978, a última no sistema bipartidarista, Chagas Freitas conseguiu sair vitorioso, sendo eleito ao cargo de governador do Estado do Rio de Janeiro. Entretanto, a sua vinculação a legenda oposicionista e ao mesmo tempo sua docilidade com o regime militar traria muitas dificuldades em um momento que o regime mostrava sinais de abertura política como a anistia e a extinção do bipartidarismo. Será que a máquina chaguista iria conseguir mais uma vez sobreviver a mais este momento de transição ou ela iria começar a ser desmontada?
3- O desmonte da máquina chaguista
Em 1979, termina o governo de Ernesto Geisel, assume a presidência em seu lugar o general João Figueiredo, em um momento em que crescia no país a critica política às decisões autoritárias e centralizadoras do governo militar. Diversos setores da sociedade, como sindicatos de trabalhadores, grupos de empresários, associações artísticas, universidades, imprensa, entre outros, passaram a reivindicar a redemocratização do país. Diante das pressões da sociedade, o presidente Figueiredo assumiu o compromisso de realizar a "abertura" política e devolver a democracia ao Brasil. Nesse clima de abertura democrática, 05 sindicatos se fortaleceram e ressurgiram as primeiras greves operárias contra o achatamento dos salários.
A campanha da sociedade pela redemocratização do país obteve os primeiros resultados positivos. A anistia trouxe de volta ao país os exilados políticos, punidos pela Ditadura Militar, entre eles, Leonel Brizola que desempenhou papel importante na fase final do chaguismo. O segundo resultado foi a extinção do bipartidarismo, o MDB e a ARENA, deram lugar a um mosaico de partidos, tendo Chagas Freitas que optar por uma nova legenda. Depois de analisar as opções, decidiu pelo PP (Partido Popular), que nasceu como um partido centrista. A opção pelo PP seria devido ao fato de lá não ter que disputar o controle partidário, como acontecia no MDB.
Entretanto, o governo militar ainda não estava acabado e em novembro de 1981, baixou um "pacote político eleitoral", e entre outras medidas, proibia as coligações partidárias, o que inviabilizava a possibilidade de alianças político-partidárias entre as agremiações oposicionistas. Beneficiando o PDS (Partido Democrático Social), que era o novo partido do governo, pois possuía enormes bases municipais, capazes de ser decisiva no pleito eleitoral de 1982. O PP foi extremamente prejudicado, pois contava em fazer alianças com a esquerda em muitos Estados, onde suas bases eleitorais era fraca ou inexistente. Com esta situação, o PP que tinha em seus quadros Chagas Freitas, acabou tendo que se fundir com o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).
Neste momento a máquina político eleitoral chaguista estava plenamente consolidada, utilizando o jornal O Dia como um dos seus principais trunfos para a manipulação da opinião pública. Entretanto, o grupo d’O Dia, não contava com a reviravolta política que aconteceria no ano de 1982. Os novos atores políticos (principalmente Leonel Brizola do PDT - Partido Democrático Trabalhista), que entrariam em cena, solapariam as bases da corrente chaguista hegemônica no Estado do Rio de Janeiro nos anos de 1960 e 1970. Vamos passo a passo ver como foi o embate eleitoral através do jornal O Dia, que terminou com a derrota da corrente chaguista.
O jornal O Dia foi utilizado para veicular propaganda política explícita através da divulgação de pesquisas de opinião. Eram divulgadas pesquisas feitas pelo próprio jornal, com manipulações que colocavam Miro Teixeira como o primeiro colocado em todas elas.[8] O periódico O Dia era utilizado também, como fonte de propaganda do governador Chagas Freitas, que a cada inauguração aparecia ao lado de seus aliados, como forma de promovê-los, sendo o principal beneficiário Miro Teixeira, candidato Chagas Freitas.
O jornal O Dia também foi utilizado para atingir diretamente os candidatos que ameaçavam a candidatura de Miro Teixeira. O primeiro alvo foi Sandra Cavalcanti do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que foi o destaque inicial para o pleito estadual de 1982. Prontamente começou a ser veiculadas noticias em O Dia de sua suposta participação no caso "mata-mendigos", que havia ocorrido no governo de Carlos Lacerda na Guanabara.[9] Moreira Franco, candidato do PDS, portanto do governo militar, foi o segundo a ser atacado nas páginas de O Dia.[10] Lisânias Maciel do PT (Partido dos Trabalhadores), foi o único poupado, isto devido a sua candidatura não ter provocado nenhum tipo de ameaça ao grupo d'O Dia. Contudo, o embate mais duro aconteceria com Leonel Brizola, candidato do PDT.
O confronto com Leonel Brizola começou a ficar mais duro a partir do mês de agosto, com os debates na televisão, onde Brizola, com seu perfil carismático e com um discurso polarizador, que colocava questões de interesse nacional, conseguiu alavancar o interesse da população do Rio de Janeiro. Diferente de Miro Teixeira e seu padrinho político Chagas Freitas, que tinham pouco carisma e perfil político localista, o que os prejudicou, pois o país estava em um momento de "abertura" política. Portanto, a população estava interessada em assuntos de cunho nacional. O grupo d'O Dia, ainda tentou manipular a opinião pública carioca com reportagens que indicavam a vitória de Miro Teixeira nos debates televisivos.[11] Entretanto foi inócuo, pois com a abertura das urnas foi constatada a vitória de Leonel Brizola. Iniciava-se o desmonte da máquina chaguista, que na verdade já estava fadada a ser desmontada, pois diante do novo quadro político-social que se desenhava desde o fim da década de 1970, com a chamada "abertura" política em que o ex-governador não conseguiu se desvencilhar da imagem de docilidade com o Regime Militar.
Após a derrota para Brizola, Chagas Freitas se despediu da vida pública afirmando que se dedicaria a missão de ser apenas um "jornalista voltado para o interesse público”.[12] Já titubeando rumo ao túmulo político, o chaguismo levou o último golpe com a venda do jornal O Dia em 1983.
Entretanto, existem certas questões que precisam ser respondidas, entre elas: será que uma simples derrota nas eleições estaduais para Leonel Brizola, foi motivo suficiente para o desmonte da máquina chaguista? Por qual motivo o jornal O Dia, utilizado desde 1951, para servir como cabo eleitoral da Chagas Freitas e seus aliados, não funcionou em 1982, como nas eleições anteriores?
Por qual motivo, mesmo com a derrota de Miro Teixeira, o jornal não continuou sendo utilizado por Chagas Freitas, para promovê-lo e a seus aliados, já que se trata até os dias atuais de um jornal de grande penetração entre as massas mais humildes da população do Estado do Rio de Janeiro, podendo continuar sendo utilizado como mecanismo de manipulação política? Na conclusão do nosso trabalho, vamos responder a tais questões.
Conclusão
Entendemos que não foi a derrota nas eleições para o governo do Estado em 1982, o principal motivo da derrocada final do chaguismo. Colaborou para isto, a identificação de Chagas Freitas e, portanto, também do jornal O Dia, com o Regime Civil-Militar, o que significava naquele momento de redemocratização do país uma propaganda negativa, como podemos ver a seguir:
Alvo prioritário das críticas formuladas pelos candidatos à sua sucessão em 1982, no final de seu governo Chagas personificava tudo aquilo que os discursos políticos desejavam expurgar da política fluminense: as práticas clientelistas, a dócil submissão aos ditames do Regime Militar, a relação patrimonial com a coisa pública e a chamada promiscuidade estabelecida entre o Estado e organizações políticas informais. (SARMENTO, 1999, p. 04)
Efetivamente, como político filiado a uma agremiação que se colocava como oposicionista do Regime Civil-Militar, Chagas Freitas em momento nenhum teve um posicionamento de enfrentamento, muito pelo contrário, no periódico O Dia, por diversas vezes, era feita apologia à política de exceção implantada no país. Os candidatos de oposição usavam isto para atacar o chaguismo. A estratégia era a de "satanizar" Chagas Freitas, como figura que encarnaria na arena política do Rio de Janeiro, o que havia de pior no Regime. Além da submissão a este, havia o repudio as práticas clientelistas, muito usadas pela máquina chaguista. O clientelismo da máquina chaguista necessitava submeter-se a atualizações para não ser soterrado pela voracidade do tempo. O chaguismo representara até então a eficácia da "política da bica d'água”.
Mesmo levando em consideração que no plano estadual a hegemonia política tenha passado para o brizolismo, fica a seguinte pergunta: por qual motivo o jornal O Dia não continuou sendo utilizado para promover Chagas Freitas e seus aliados em uma arena política mais restrita dentro do Estado, até que o cenário político nacional mudasse e quiçá voltasse ser favorável aos chaguistas?
A resposta a esta pergunta não pode ser dada apenas pela identificação do chaguismo e do jornal O Dia com o Regime Militar, pois em outros momentos este periódico foi utilizado de forma eficiente para manipular a opinião publica em favor do chaguismo. Além de ser considerado este fator, nesta monografia consideramos preponderante o fato de que com a abertura política, houve a anistia de vários políticos perseguidos pelo Regime Militar, entre eles, Leonel Brizola. Além disto, consideramos que as inovações da mídia brasileira foram de suma importância para o enfraquecimento político do jornal O Dia e em consequência da máquina chaguista. Vejamos por que.
No começo da década de 1950, quando foi fundado o jornal O Dia, chegava ao Brasil à televisão. Por ser uma novidade, inicialmente ficou restrita a uma parcela ínfima da população. Sendo o jornal um veículo de comunicação mais acessível, com isto se tornou ótimo instrumento de manipulação. No começo da década de 1970, o sistema de televisão brasileiro se encontrava mais difundido, entretanto, o país passava, por um Regime ditatorial, o que impedia o livre debate político nos meios de comunicação. No fim da década de 1970 e início da década de 1980, o país passava por um momento de maior liberdade política. Sendo aberto espaço para manifestações dos representantes das forças sociais como sindicalistas, estudantes e políticos.
Foi neste novo ambiente político que ocorreram as eleições de 1982 para governador do Estado, onde ficou explícita a inadequação da estrutura da propaganda política controlada por Chagas Freitas diante das inovações da mídia brasileira. A facilidade de acesso e a imediata reação do consumidor provocada pela mídia, principalmente a televisão, impunham novos limites a sua utilização para fins políticos. Chagas Freitas não havia atualizado seus instrumentos de ação nos canais de comunicação para adaptar-se ao novo universo da mídia que se mostrou nas eleições de 1982.
A política da "bica d'água" foi solapada pela televisão, que teve o poder de mostrar, principalmente nos debates, políticos como Leonel Brizola, que tinha um discurso polarizador, abordando na televisão o debate de cunho nacional, que naquele momento político era o que mais interessava a população, cansada dos ditames militares e que não se contentava com a abordagem localista dada pelo jornal O Dia. Além disto, Brizola tinha uma característica que faltava a Chagas. Ele era carismático.
Em suma, a imagem de Chagas Freitas e do jornal O Dia, vistos como dóceis ao Regime Militar e, portanto, devendo ser expurgado do cenário político nacional, isto, segundo a maioria da população e dos políticos oposicionistas, como Leonel Brizola. Com este, o panorama político se modificou muito: Brizola tinha carisma, tinha condições de usar os meios de comunicação como ninguém e foi isto o que ele fez. A televisão se transformou no principal veículo de comunicação. Ficando o jornal O Dia, sem condições de garantir a vitória para a corrente chaguista e, portanto tendo sua eficiência, do ponto de vista político, drasticamente reduzido.
Poucos meses após a derrota de Miro Teixeira, candidato apoiado por Chagas Freitas às eleições para governador do Estado do Rio de Janeiro, o jornal O Dia foi vendido. Este ato se tornou a pedra fundamental que marcou o fim do chaguismo como corrente política hegemônica.
Referência Bibliográfica:
CHILDS, Harwood L. Que é opinião pública. Rio de Janeiro: FGV, 1967. p. 44-61.
DINIZ. Eli. Máquinas políticas e oposição: o MDB no Rio. Dados. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.
FREITAS, Sidinéia Gomes. Formação e desenvolvimento da opinião Pública. São Paulo: Revista Comunicarte, v. 2, n. 4, 1984. p. 177-184.
KRESS, Renato. Controle da Opinião Pública. Porto Alegre: Revista Opinião. 2005. p. 12-20.
MOTTA, Marly Silva da. Frente e verso da política carioca: o Lacerdismo e o Chaguismo. Rio de Janeiro: Estudos Históricos. Volume 13, N° 24, 1999.
------- Mania de Estado: O Chaguismo e a estadualização da Guanabara. São Paulo: História oral, N° 03, 2000. p. 91-108.
SARMENTO, Carlos Eduardo, (org.) Perfil Político de Chagas Freitas. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas/ALERJ. 1999.
------ A morte e a morte de Chagas Freitas: a (Dês) construção de uma imagem Pública: trajetória individual e reelaboração memorialística. Rio de Janeiro: CPDOC, 1999.
------ O espelho partido da metrópole. Chagas Freitas e o campo político carioca (1950-1983): Liderança, voto e estruturas clientelistas. 397 folhas. Dissertação (Doutorado em ciências sociais) UFF. Niterói. 2002.
[1] O Dia, 02-10-1955.
[2]O Dia. 03/10/1958. p.2.
[3]O Dia, 05/06/1951.
[4] O Dia. 16/07/1970. p.4.
[5] O Dia. 13/07/1970. p.2.
[6] O Dia. 24/06/1970. p.6.
[7] Exemplos de tal propaganda no jornal O Dia: aplausos a Médici no maracanã (09/09/1970); elogio ao MOBRAL (15/09/1970); Critica àqueles que deformavam a imagem do Brasil no exterior (24/9/1970 e 31/10/1970).
[8] Miro na frente na pesquisa: Miro - 58,2%; Sandra - 13,8%; Lisânias - 13,5%; Brizola - 13,1% e Emílio Ibrahim (pré-candidato do PDS), 1,2%. O Dia, 09/05/1982.
[9] O Dia. 06-01-1982.
[10] O Dia. 16-03-1982.
[11] Miro Teixeira vence fácil debate na TV. O Dia, 03-08-1982.
[12] Jornal do Brasil. 04/03/1983.
Autor: José Duarte Botelho
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