Do procedimento especial para os crimes de responsabilidade cometidos por funcionário público e a lei 11.719/2008



Para tratarmos do tema acima disposto, imprescinde, primeiramente, que se faça uma análise do contexto sobre o qual se insere os crimes de responsabilidade, cometidos por funcionário público.

 Apesar da expressão já comumente usada em contexto diverso, referente aos crimes definidos pelo Decreto-Lei 201/67, salienta-se que os crimes de responsabilidade do qual se trata este estudo, se referem única e exclusivamente àqueles cometidos por funcionários públicos contra a administração pública. Referimo-nos, portanto, neste caso, aos também chamados “crimes funcionais”.

 Apesar do julgamento dos crimes funcionais estarem submetidos às regras do procedimento ordinário, no momento da apreciação judicial, prevê o Código de Processo Penal, também, uma condição primária de procedibilidade da ação, ou seja, uma condição anterior ao processo judicial e que permite a apresentação de justificação e defesa pelo acusado para apuração do fato delituoso, mediante procedimento administrativo.

 Dessa forma, aos crimes afiançáveis, cometidos por funcionário público, garante-se o direito a apresentação de defesa, em fase que antecede ao início da ação penal, sendo possível, inclusive, que o funcionário se adentre às questões preliminares e de mérito referente a um processo que ainda não teve início, sendo cabível, também, a recusa da denúncia ou queixa-crime, pelo juiz, quando constatada a inexistência do crime ou improcedência da ação.

 Nesse sentido, os artigos 513, 514 e 516 do CPP determinam que:

 Art.513 - “Nos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, cujo processo e julgamento competirão aos juízes de direito, a queixa ou denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas”.

 Art.514 – “ Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias”

 Art. 516 – “O juiz rejeitará a queixa ou denúncia em despacho fundamentado, se convencido, pela respostas do acusado ou do seu defensor, da inexistência do crime ou da improcedência da ação.”

 Dessa primeira enunciação, destacam-se três questionamentos:  

- da possível violação ao princípio da isonomia, tendo em vista tratar-se de um procedimento diferenciado e direcionado a pessoas com atributos e características específicas;

- da possível aplicação da “absolvição sumária”, em momento anterior ao processo judicial;

- da possível revogação tácita dos artigos supra, em razão do disposto pela nova redação conferida aos artigos 396, 396-A e 397 do CPP, após promulgada a lei 11.719/2008.

 No tocante ao primeiro questionamento, conforme disposto nos artigos supramencionados, antes de aceitar a denúncia ou queixa/crime, deverá o juiz abrir a possibilidade de defesa ao funcionário público, para que este apresente sua defesa, bem como as causas e provas que justifiquem e/ou refutem a acusação a ele imputada.

 Nesse sentido, a previsão de um procedimento especial, aplicável apenas aos funcionários públicos, poderia representar uma afronta ao princípio da isonomia?

 Pode-se dizer que sim, tendo em vista que, uma vez previsto no ordenamento jurídico a obrigatoriedade de notificação (e não de citação) do acusado para responder por escrito e apresentar defesa, antes mesmo de iniciado o processo, temos que ao funcionário público foi garantido o direito constitucional a defesa, mas, mais do que isso, foi-lhe assegurado o privilégio a possível não submissão a um processo judicial.

 Diferentemente, para aqueles que não exercem cargo ou função pública, resta apenas a possibilidade de comprovação de sua inocência ou inexistência do crime mediante investigação criminal e/ou instrução em processo judicial. Isso significa que, somente após procedida a sua citação e concedido prazo para apresentação de defesa é que passaria a existir a possibilidade de análise dos elementos favorável a concessão da absolvição sumária do réu.

 No tocante ao segundo questionamento, eis que este se apresenta sem validade, uma vez que, para que se promova a apreciação dos elementos necessários a absolvição sumária, far-se-ia indispensável citação do acusado.

 Ora, se o procedimento especial em questão não prevê a citação do réu, mas sim, a notificação do acusado, não há que se falar em absolvição sumária, uma vez que não há processo. A notificação se perfaz pela via extra-judicial, e, neste momento, deverá o magistrado optar pelo recebimento ou não da denúncia/queixa-crime, e, a partir de então, dar início a fase processual a partir da qual, poderá ser declarada a absolvição sumária, se preenchidos os requisitos para tanto.  

 Dessa forma, em respeito ao princípio da isonomia, bem como dos procedimentos processuais legalmente instituídos, uma vez apresentada a denúncia/queixa-crime e constatada a existência do fato delituoso, resta ao magistrado, apenas, a apuração técnica dos elementos de admissibilidade da ação, momento este em que se daria início ao processo, mediante citação do réu e abertura de prazo para defesa, não havendo que se falar, portanto, em apresentação de defesa preliminar.

 Por fim, no que tange a revogação tácita dos artigos que dispõe sobre o procedimento especial destinado aos funcionários públicos, em razão da promulgação da lei 11.719/2008, podemos dizer ta afirmativa procede, haja vista que a nova lei apresentou um novo formato de processamento da denúncia/queixa-crime, de maneira a incluir tanto a possibilidade da recusa preliminar, quanto da análise dos elementos da absolvição sumária, após analisadas as razões e fundamentos exposto na defesa do réu, devidamente citado.

 Nesse sentido, os artigos 396, 396-A e 397 do CPP, definem que:

 Art. 396 – “Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar preliminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias”.

 Art. 396-A – “Na resposta, o acusado poderá argüir preliminarmente e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.”

 Art. 397 – “Após o cumprimento do disposto no art.396-A, e parágrafos, deste código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:

 I – Existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;

II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;

III – que o fato narrado evidentemente não constituiu crime; ou

IV – extinta a punibilidade do agente.

 Convergente a esse entendimento, Eugênio Pacelli de Oliveira também  determina que o procedimento especial de que tratam os artigos513 a518 do CPP encontram-se tacitamente revogados, após promulgação da lei 11.719/2008, que trouxe nova redação aos artigos 396 e 397, bem como criou novas determinações, conforme disposto no art. 396-A do CPP.

 Segundo seu posicionamento, “com a unificação dos procedimentos, segundo lei 11.179/2008, não há razão alguma para insistir no tema. O rito, como se vê, rigorosamente, é o ordinário. E as decisões judiciais anteriormente previstas no artigo 516 devem ser redirecionadas para os 395 e 397 CPP.”

 Como conclusão, podemos dizer que a alteração formalizada pela lei 11.719/2008 faz cair por terras todos os questionamentos anteriormente levantados, vez que apresenta uma solução unificação e completa para o processamento das ações, não havendo mais que se falar em adoção de procedimento especial aos crimes de responsabilidade cometidos pelos funcionários públicos.

 Referências Bibliográficas

 - Código de Processo Penal

- Lei 11.719/2008

- Curso de Processo Penal, 13ª Edição, 2010 – Eugênio Pacelli de Oliveira.

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Autor: Ana Carolina Lima Belico


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