Mal-estar e ensinar a ensinar



         Quando lemos essa expressão ENSINAR A ENSINAR certamente, nos primeiros momentos, nos deparamos com um ponto de interrogação. Como assim? O que quer dizer isso?

         Trata-se de uma questão bem pontual que ouço quase que comumente das estagiárias do curso de Pedagogia no qual sou docente: quem vai me ensinar a ensinar?

         Pois então, esse é o ponto para o qual escrevo esse texto – alguém vai ter que ajudar esse aluno na sua caminhada de construção da sua profissão.

         Reportando-nos a nossa vida pregressa, principalmente em relação a nossa profissão de professor, em algum momento tivemos que ser estagiários. Gostando ou não, querendo ou não, a profissão exige essa prática. Sabe-se inclusive de pessoas simpatizantes da profissão que deixam de lado seu sonho de ensinar em virtude dessa etapa que é um momento decisivo e trabalhoso em sua vida acadêmica.

         Essa etapa de estágios é de extrema valia para aqueles que estão dispostos realmente a aprender a ensinar e colocar “a mão na massa” propriamente dita.

         Na faculdade ele aprendeu a teoria e necessita aplicar o que foi estudado. Teoricamente, ele foi ensinado a ensinar.

         Só que, além do suporte que lhe foi dado na sua formação, ele também vai precisar de outras colaborações, apoiando-se sempre na idéia de que será bem recebido e acolhido nesse momento tão importante para sua qualificação.

         Essa parceria/colaboração para com o estagiário, não é somente com relação à orientadora do estágio e os especialistas das escolas que o acolheram, é também com o professor da sala de  aula, ou melhor, aquele professor regente de turma que permitiu a sua entrada na sua rotina educativa.

         Essa parceria é carregada de expectativas, tanto da professora concedente quanto do próprio estagiário que está ali, muitas vezes para além de uma simples prática e sim para uma pré-realização de um sonho.

         Dentro das expectativas existem, por um lado um professor “proprietário” e por outro um “professor temporário”. Nesse momento pode-se perceber um sentimento não muito refletido em nosso meio, por sua invisibilidade, mas que há tempos vem sendo considerado interiormente, que se chama “mal-estar”.

        Por trás, ou através desse mal-estar, estão escondidas diferentes incógnitas nem sempre notórias, simplesmente seguem seu percurso de exclusão daquele que está ali incomodando e aflorando aquele sentimento.

         Nesse momento, fica uma questão: o que está gerando esse sentimento? No que essa estagiária está mexendo? Que aflição é essa?

         O ser humano vem trazendo através dos tempos o poder como sendo sua mola propulsora de caminhada, reservando um lugar privilegiado para ele, muitas vezes excluindo todo e qualquer empecilho que venha modificar sua rotina, principalmente pensando-se no risco de perdê-lo.

         Ao se perder o poder, dá para pensar: o que sobra? Que tipo de “estar” fica? A nível invisível seria essa a preocupação, de perdê-lo? O que vai restar de “mim” supostamente?

         Ao perdurar o mal-estar encontramos o que realmente me preocupa como docente, que é a exclusão do estagiário.

         Aquele aluno-estagiário, ou melhor, professor temporário,  está ali para simplesmente ser ensinado a ensinar e  também ser apoiado em sua caminhada, por aquele que também já teve que passar por esse momento, inclusive para poder estar onde está. Mas, por suas limitações, nem sempre consegue realizar essa parceria.

         O aluno, entretanto, chega com toda uma bagagem de conhecimento, de estudos, de reflexões realizadas em sua graduação, com toda uma empolgação proveniente tanto de sua pessoa, quanto dos professores formadores que também estão ali para ajudá-lo a construir seu sonho. Só que acaba encontrando todo um mal-estar na atmosfera, resumindo todo seu entusiasmo em absolutamente nada.

         Contudo, procura construir a sua prática da melhor maneira possível, pensa em alternativas para realizá-la de uma maneira adequada e tranqüila, mas encontra restrições.

         Restrições essas movidas por toda uma invisibilidade, um medo, um sentimento de perda, de dor.

         Esse tormento perceptível por parte do estagiário não o deixa seguir, não existindo enfim a aprendizagem que tanto lhe é necessária para mudar de etapa em sua profissionalização.

         Por vezes, a tortura encontra seu clímax na hora da colocação das notas avaliativas desse “proprietário” a esse “temporário”, acabando ou tentando acabar “de vez” com esse estorvo que passou por sua vida. Ao ser crucificado, sua normalidade e poder voltam e sua estabilidade se restabelece.

           Mas eu pergunto: até que ponto se pode viver nesse martírio? Medo do quê? Que controle é esse que passa por cima de qualquer obstáculo, de certa maneira imaginário?

         O bem e o mal, a morte e a vida, estão muito próximos um do outro. Essa dualidade de sentimentos perdura durante toda nossa existência, refletindo nossas certezas e incertezas.

         Diante das certezas, vem acoplado o bem-estar, pulsante em nossa essência, que vive ou morre em nós, dependendo de como se administra durante toda a vida. Quando ele morre ou se esconde é que vem o problema, porque ao perdermos, esquecermos ou omitirmos que ele existe deixamos o lado “oportunista” tomar seu lugar, tornando uma constante, porém reversível, situação de risco, um terrível sentimento de perda de si mesmo.

         “Professores proprietários” não do poder dos outros e sim do poder de si mesmo, são seguros e tranqüilos, percebem que seu caminho só tem valor quando compartilhado. Sábios que são, tem plena certeza que realizam um bom trabalho e que esse pode se perpetuar através daquele que lhe vem pedir ajuda “a ensinar”.

         Ao ensinar a ensinar se está simplesmente passando adiante o que se tem feito de correto para auxiliar na aprendizagem daqueles que estão ali sob a sua responsabilidade.

         Esse sentimento é para além de competições e poder. É um sentimento de missão cumprida. Um orgulho inexplicável de que seu trabalho está contribuindo para a sociedade.

         De uma maneira metafórica, é como se estar dirigindo um ônibus, cheio de passageiros, não importa quem são, mas todos têm que chegar ao seu destino. E de quem é a responsabilidade? Do motorista, é claro. Mas têm-se duas opções ou se dirige de uma maneira abrupta, insegura e incoerente, ou de uma maneira tranqüila, responsável e equilibrada. A estrada, certamente é cheia de obstáculos, mas nós é que decidimos de que maneira vamos passar por ela, pensando principalmente, que marcas vamos deixar para a posteridade.

         E, falando em marcas para posteridade: boa ideia para se pensar em como fazer isso em bem-estar e estagiários.

        

 


Autor: Luz Mary Padilha Dias


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