Direitos humanos: evolução histórica, universalização e efetividade jurídica



 

Tatiane de Gois Ferreira

 Palavras-chave: Direitos Humanos, Cidadania,universalização, efetividade jurídica.

 

1  Construção e positivação dos direitos humanos ao longo do processo civilizatório e seus reflexos para a construção da cidadania no Brasil.

 

A primeira forma de se abordar essas complexas questões é apontando a necessária advertência: Cidadania e Direitos Humanos assumem uma estreita relação de completude, pois estes constituem pressupostos para a realização da cidadania, e ambas são noções revestidas de importante análise. Há que se frisar, nesse sentido a importância de se analisar a evolução histórica para que se possa compreender o plano fático social, jurídico e político contemporâneo.

A concepção embrionária de direitos humanos dar-se-á na Antiguidade Clássica. Percebe-se, portanto da concepção Grega a notória aferição de direitos humanos deduzidos de um dado objetivo e constante, advindo da natureza humana, ou seja, inerente a condição do homem, aludindo-se a uma perspectiva eminentemente jusnaturalista. Há que se ressaltar que tal assertiva pressupõe a ilegitimidade do legislativo no âmbito de criar os referidos direitos, pois estes derivam precisamente da personalidade. Portanto o legislador munido de suas atribuições limitar-se-á a declarar os direitos humanos em um documento solene.

Deve-se, no entanto atentar que essa concepção sofre evidentes restrições, refletindo direitamente o contexto social da época que perpetuou até a Idade Moderna. Faz-se referência a postura excludente, negando ao escravo a perspectiva de direito humanos advindos da condição humana, conseqüência previsível em face do entendimento predominante, pois, estes não eram considerados cidadãos e tinham características essencialmente de “coisas”, propriedade do senhor.

Quando, porém, se analisa a questão sob o entendimento da Roma Antiga vislumbra-se uma significativa garantia de institucionalização dos direitos humanos. Em síntese destaca-se a possibilidade do tribuno da plebe opor veto as determinações injustas dos patrícios e a Lei de Valério Publícola que proibia em situações específicas o emprego de sanções físicas ao cidadão. Tais evidências refletem uma germe tímida de judicalização dos Diretos Humanos, porém em negativo, pois como já foi acentuado direcionava-se a um auditório minorizado.

Os preconceitos tradicionalmente sedimentados de que no período da Idade Média não houve produção filosófica significativa é um equívoco. Atendo-se a temática em questão é notória a participação da igreja na produção de uma contribuição no que concerne aos direitos humanos. Evidentemente a referida reflexão recai comumente sobre os parâmetros da doutrina religiosa, todavia não há que se menosprezar a concepção emitida pelos importantes filósofos da época. Exemplificadamente Tomás de Aquino que pontificou a classificação dos direitos humanos na idéia de dignidade humana e mais ainda, um valor natural, inalienável e incondicionado.

É errôneo suprimir as peculiaridades e a contribuição desses povos na evolução dos direitos humanos. Contudo o marco econômico da passagem do sistema feudal para o capitalista representa no final da Idade Média o ápice da reflexão, reporta-se essencialmente a hegemonia econômica adquirida pela burguesia que previsivelmente ascendeu-se socialmente, resultando em um poder vinculante e de exigência, passando a determinar as prerrogativas que lhe eram favoráveis, neste ato subsidiou do discurso de direitos humanos, ensejando assim na primeira dimensão de direitos humanos.

1.1 Primeira Dimensão de Direitos Humanos

A primeira dimensão de direitos humanos origina-se sob o contexto social de resistência aos monarcas absolutistas travado pela luta da burguesia. A referida dimensão representa essencialmente o caráter de liberdades do homem perante o Estado e tem seu marco de positivação expresso na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 influenciado pelo ideário da Revolução Francesa.

Atendendo a expectativa anteriormente elencada afere-se a análise do fenômeno da cidadania do Brasil em face das elucidações desenvolvidas.

Neste sentido, há que se dizer que vislumbra-se no Brasil um contexto histórico de colonização em dada época, contudo mesmo sob esta ressalva é mister destacar que nesse período se constituíram marcantes movimentos sociais que faziam apologia aos ideários da Revolução Francesa enunciados em Liberdade, Igualdade e Fraternidade.  Cumpre asseverar que é elucidativo o exemplo da revolta da Inconfidência Mineira e mais popular ainda a Revolta dos Alfaiates em 1798 na Bahia. Enfim trata-se de compreender que a histórica formação de cidadania no Brasil encontra-se fortemente marcada pelas influências externas.

No entanto o período colonial encerra-se com a grande maioria excluída de direitos civis são eles: escravos, mulheres, analfabetos etc.. Contexto este que se apresenta essencialmente antagônico em observância aos ideários da Revolução Francesa que antecipadamente inspirou a declaração em um documento solene de direitos e liberdades inerentes ao gênero humano repudiando a discriminação em categorias, se diferentemente disto ocorresse não seriam direitos e sim privilégios, caso específico do ocorrido no Brasil.

1.2 Segunda Dimensão de Direitos Humanos

A segunda dimensão de direitos humanos assume uma diferente categoria de protagonistas, inteiramente identificados com a natureza dos direitos pleiteados, são os trabalhadores que migravam do campo para trabalhar nas fábricas da cidade. Este fenômeno dar-se em decorrência da revolução industrial ensejadora do início da fase do capitalismo industrial.

Em virtude deste crescente deslocamento para as cidades, vislumbra-se a inaptidão destas em atender a demanda.

Saliente-se que a classe trabalhadora se viu em uma situação precária, pois a automação gerara uma massificação de desempregados. Ademais as condições trabalhistas eram extremamente deploráveis. O referido cenário de caos foi fator determinante a reação de trabalhadores urbanos que defendiam a consolidação de direitos sociais sendo merecedores desta prerrogativa, pois sua atuação como agente producente constituía alicerce do sistema econômico vigente.

Diante do nítido quadro social ocorre a positivação desses direitos de prestacionismo do Estado em 1917 com a Constituição Mexicana, em 1918 com a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e em 1919 com a Constituição Alemã e após a 2° Guerra Mundial expandiu-se em diversos ordenamentos jurídicos.

Nesse sentido não se pode olvidar que no Brasil os reflexos incidiram entre os anos de 1930 e 1945 em que houve grande atuação da legislação social, em destaque a legislação trabalhista, marcada pelo populismo do então presidente Getúlio Vargas.

No contexto brasileiro, na referida época os direitos sociais tiveram uma revolucionária evolução, evento este oposto aos direitos civis que progrediram lentamente, pois, sua garantia real expressava-se precária para a maioria dos cidadãos e durante a ditadura de 1937 muitos foram suspensos.

1.3 Terceira Dimensão de Direitos Humanos

A terceira dimensão de direitos humanos é marcada por reclamos espraiados da sociedade em face das transformações sociais, portanto caracterizam-se basicamente como interesses coletivos incidindo-se sobre a proteção ao meio ambiente, a paz, a comunicação, ao patrimônio da humanidade e autodeterminação dos povos, reclamos estes que originam-se de problemas oriundos da Idade Moderna.

Ampliaram-se as reivindicações e a positivação é elucidativa na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, emitida pela ONU (Organização das Nações Unidas).

2 Universalização: condição indispensável para o reconhecimento dos Direitos Humanos.

Diante das elucidações aqui desenvolvidas acerca da evolução histórica dos direitos humanos é pertinente apresentar a plausibilidade pela opção de universalização dos direitos humanos em face de impedir sua violação sob o argumento de preponderância das bases culturais.

Diante da concepção exposta é mister frisar que os direitos humanos não podem sujeitar-se as variações de acordo com a cultura de determinada sociedade, sob pena de comprometer em essência a concepção de que os direitos são oriundos da personalidade humana.

É reconhecida a dificuldade de se pronunciar a universalidade dos direitos humanos em face dos distintos e peculiares valores éticos e morais de cada país.

Contudo é necessário frisar que os direitos declarados da Declaração Universal dos Direitos Humanos constituem como um mínimo ético irredutível, neste caso é legítimo as intervenções em Estados que não criaram condições institucionalizadas para garanti-los, ou seja, a relativização dos direitos humanos é inconcebível. Ademais frisa-se a importância de um diálogo transcultural, a fim de aplicar os devidas cautelas objetivando a defesa dos direitos humanos.

3 A apreciação jurídica em ações relativas aos direitos humanos no sistema jurídico brasileiro.

É reconhecida e louvável a abertura do Estado brasileiro ao regime democrático e proteção aos direitos humanos na constituição federal de 1988. Exemplificadamente o art. 1° III, CF/88 que consagra o princípio da dignidade humana que constitui um elemento basilar de todo o ordenamento jurídico, o art. 5° parágrafo 2°, CF/88 que assume que tratados internacionais que versam sobre os direitos humanos inserem- se no ordenamento jurídico com natureza da norma constitucional.

No entanto há que se ressaltar, a princípio acerca da crise de justicidade dos direitos humanos no sistema jurídico brasileiro, em face da dificuldade da sociedade civil em considerar os direitos acionáveis e justiçáveis.

No âmbito da aplicabilidade vislumbra-se a ineficiência do Estado em garantir os direitos sociais, pois estes exigem uma atuação positiva do Estado, dependentes de recursos econômicos e políticas públicas racionais para garanti-los. Em contrapartida os direitos de liberdades, estão assegurados no plano da efetividade quase que em sua totalidade após a constituição federal de 1988, reerguer esses direitos suspensos com a ditadura militar tornou-se propósito prioritário para consolidar o Estado democrático de direito, facilitou-se, pois,estes exigem somente uma postura negativa do Estado.

Por fim diante do cenário jurídico brasileiro alude-se que os direitos sociais no Brasil tornaram-se expectativas de direito, normas programáticas. Exigindo-se maior atuação do Estado para sua real efetivação.

CONCLUSÃO

A evolução dos direitos humanos no cenário internacional desecandeou importantes transformações na formação da cidadania nacional. Estes direitos que consolidaram-se juridicamente através de lutas de grupos da sociedade nos casos específicos dos direito de primeira e segunda dimensão, em contrapartida os direitos de terceira dimensão constituiu-se como um almejo da coletividade frente as condições da idade moderna que exigiam soluções imediatistas.

Os direitos no Brasil caminharam em velocidades díspares diferentemente da evolução dos direitos humanos que necessariamente obedeceu a uma ordem cronológica em consonância com as mutações sociais. Há que se ressaltar, nesse sentido que os direitos sociais em 1934 foram os protagonistas da formação embrionária de cidadania no Brasil, no entanto direitos civis e políticos foram suspensos em 1937 com a ditadura e tal evento repetiu-se com maior ênfase na ditadura de 1964, registrando a ocorrência de sistemáticas violações a vida, a integridade física, as liberdades e etc...

Em prol de evitar essas violações e proteger os indivíduos em sua dimensão de direitos humanos é unânime reconhecer a importância de se fortalecer um discurso a favor da universalização, todavia com ponderação em respeito ao multiculturalismo, que não deve ser utilizado como argumento para que o Estado não garanta meios eficazes de proteção aos direitos humanos.

Por fim há que dizer que não se exige com tanta veemência um discurso ético filosófico acerca de direitos humanos e sim um imediatismo em efetivar as diretrizes teóricas para vislumbrar sua real aplicabilidade e obtenção de resultados favoráveis em toda a humanidade.


Autor: Tatiane De Gois Ferreira


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