Por dentro da escola: contradições vividas por professores e alunos na cultura da incerteza



POR DENTRO DA ESCOLA: CONTRADIÇÕES VIVIDAS POR PROFESSORES E ALUNOS NA CULTURA DA INCERTEZA[1]

 

                                                                                                    Arnaldo Nogaro[2]

                                                                                            Lucina E. C.Francio[3]

 

RESUMO: O texto “Por dentro da escola : as contradições vividas por professores e alunos na cultura da incerteza”, tem sua gênese em um projeto de pesquisa[4] e tem objetivo refletir sobre o papel da escola e do professor na contemporaneidade. O cenário atual, com suas contradições e transformações, reaquece o debate em torno da instituição escola e de seus protagonistas. Não basta o acesso à escola, é necessário que o aluno aprenda, adquira saberes e conhecimentos, desenvolva habilidades que lhe permita construir-se como ser humano e também preparar-se para enfrentar os desafios que suscitam neste novo contexto. A tradição da escola está assentada na cultura da certeza, mas ela se depara com a necessidade de trabalhar voltada para a cultura da incerteza, característica maior dos tempos atuais. Como ela desenvolverá seu trabalho? Quais dificuldades enfrenta e enfrentará? O que está reservado ao professor? O que se espera do aluno? Os questionamentos são infinitos e a busca por respostas tem tirado o fôlego de educadores, teóricos, pensadores que se perguntam sobre qual a responsabilidade e parcela de contribuição que pais, professores e alunos devem dar naquilo que denominamos educar as novas gerações.

 

PALAVRAS-CHAVE: Incerteza. Escola. Professor.

INSIDE THE SCHOOL: CONTRADICTIONS FACED BY TEACHERS AND STUDENTS IN THE CULTURE IF UNCERTAINTY

 

Abstract: The text “Inside the school: contradictions faced by teachers and students in the culture of uncertainty” has its genesis in a research project and aims to reflect upon the role of the school and the teachers in the present. The current scenario, with its contradictions and transformations, raises the discussion about the school and its protagonists. It is not enough to have access to school, but it is necessary the student to learn, to acquire knowledge, to develop abilities allowing him a self-construction as a human being and a preparation to face the challenges of this new context. The school tradition is based on the culture of certainty, but if faces the need of working towards uncertainty, which is the biggest characteristic of the current times. How can the school develop its duties? What difficulties are and will be faced? What is expected for the teacher? What is expected from the student? Questionings are infinite and the search for answers has taken the breath of educators, theoreticians, thinkers that wonder about responsibility and parents’, teachers’ and students’ contribution for what we call educating the new generations.

 

Key words: Uncertainty. School. Teacher.

 

 

INTRODUZINDO O TEMA

 

            O advento da modernidade possibilita à escola instituir-se como o principal agente que pode dar uma contribuição significativa para promover o progresso, fomentar a ciência e o conhecimento e libertar as pessoas do obscutantismo cultural, preparando os indivíduos para o mercado de trabalho. Com o passar do tempo ela vai assumindo outras tarefas, que somadas às transformações que se processam no campo social, da ciência e da tecnologia, vão suscitar as contradições vividas por ela e demonstrando sua incapacidade de responder às tarefas que vinha incorporando como suas. Nas últimas décadas, tais transformações são profundas, provocando mudanças no seu papel e na sua ação, muito mais substantivas do que em outras épocas, levando a questionamentos sobre seu ser e agir. Na afirmação de Afonso (2008), isto faz com que haja hoje outros desafios à escola, às políticas educacionais e à profissão docente que devem ser equacionados e confrontados.

            O olhar para esta realidade, reforçado por uma pesquisa de iniciação científica que realizamos, nos instigou a tratar da escola e de seu entorno. Fazemos isso de forma cuidadosa e refletida procurando averiguar os diferentes ângulos do problema para não reincidirmos nos equívocos de uma análise superficial que apenas identifica alguns culpados e vítimas da situação. Temos acompanhado alguns artigos em revistas e jornais de grande circulação que se comprazem em responsabilizar professores e alunos pelo desempenho verificado nos testes e avaliações que têm sido realizadas em nosso país. Certamente não podemos eximi-los de parcela de responsabilidade pelo que tem ocorrido, mas também temos a convicção de que não são eles os únicos que devem responder pela baixa qualidade da educação no Brasil. De acordo com Moreira (2008), talvez seja pertinente, então, voltar a refletir sobre o professor capaz de contribuir, efetivamente, para a construção de uma escola de qualidade no país e, vale esperar, para a promoção de melhores resultados nas avaliações.

      Na pesquisa desenvolvida, tivemos como objetivo mapear os pensamentos, sugestões, aspirações e críticas à escola como se apresenta hoje. Buscamos a opinião de lideranças sociais, educacionais e institucionais para, ao final da mesma, podermos sugerir novas perspectivas de ação, quem sabe, conjugando o posicionamento dos entrevistados e os dos teóricos que também têm se preocupado com os rumos que a escola tem tomado, embora Becker (2004) afirme que discurso renovado não seja condição suficiente de prática inovadora.

Organizamos este artigo em três partes: primeiramente abordamos o contexto educacional de maneira ampla, a escola e o professor hoje, os desafios, os problemas, os pontos de referência, como as pessoas veem a escola hoje e o que esperam para o seu futuro; num segundo momento falamos sobre os papéis e funções da escola, ou seja, analisar o que ocorre neste espaço; se é apenas socialização ou também aprendizagem, se ela oportuniza o desenvolvimento de competências, habilidades, cidadania, etc. Por fim, enfatizamos o papel do professor. Como ele pode agir e o que cabe ao aluno. Queremos também falar sobre a formação do profissional da educação e como se posiciona em relação à cultura da mudança e ao convívio com a incerteza.

 

1 Educação, escola e professor hoje

 

      Vários teóricos e pensadores preveem mudanças significativas para a escola, baseando suas previsões no desenvolvimento científico e tecnológico e nas novas formas de aquisição do conhecimento a partir das recentes e inovadoras tecnologias da informação. A fala de um sujeito do projeto de pesquisa referido no início do texto ilustra como estas transformações são percebidas e sentidas. Vejo a escola em um momento de transição e reflexão diante de fatores externos a ela própria. A sociedade mudou muito, de forma rápida e isso remeteu a escola a refletir uma série de pontos e talvez alguns deles ela não estivesse devidamente preparada para enfrentá-los: o tipo do aluno, a expectativa do aluno, as exigências, em fim, as novas tecnologias... (Sujeito 8[5]).

      Também há os que argumentam em favor do desaparecimento das atuais formas de organização escolar em razão das mudanças que a sociedade vem sofrendo do ponto de vista social e cultural. Além desses, há posicionamentos que defendem que o atual sistema de organização da escola está esgotado[6] e não cumpriria mais sua função originária o que estaria demandando que se repensasse o mesmo, como condição para o seu não desaparecimento.

      A relação escola-mundo exterior é complexa e intensa. Não há como pensar na escola sem pensar no contexto onde está inserida. Na visão de Cabezudo (2004) os acontecimentos “extra-murros” repercutem na comunidade escolar com grande intensidade. Para ela

 

[...] fora da escola, nesse incerto mundo das ruas, se produzem “outras práticas” que ameaçam desorganizar essa ordem escolar. Talvez porque essas práticas não ficam de fora, mas se inserem nas instituições e, ao fazê-lo, produzem ruído, em alguns casos emudecem os atores. (CABEZUDO, 2004, p. 34).

 

       No entendimento de Becker (2004), a realidade, porém, não respeita limites. Tudo o que acontece na sociedade causa impacto, maior ou menor, na estrutura e no funcionamento da escola; não importa o tempo que ela demore a admitir isso.

      Pimenta (2004, p. 177) nos fala da transformação da escola de uma forma ampla, ou seja, ela afirma que

 

[...] a escola precisa ser transformada com certeza, na sua forma de gestão, na forma de organizar o processo de ensino e aprendizagem. Ela precisa ser transformada, portanto, no seu espaço e no seu tempo, nas suas relações com a comunidade, ela precisa ser transformada em sua própria inserção no sistema de ensino. Diz-se que as escolas precisam ser autônomas, mas como é que se constrói e se trabalha essa autonomia?

Precisamos deixar muitas das nossas certezas sobre como ensinar e como aprender, para começar a pensar sobre como se transforma a escola num espaço de formação que eu chamaria de cultural, porque não se pode abrir mão da necessidade de crianças e jovens serem alfabetizados. O que significa ser alfabetizado hoje, neste mundo em que vivemos?

 

      Percebemos, assim, que o que se sugere é transformar o ambiente escolar em um espaço de formação e, para que isso aconteça, primeiro, precisamos pensar em termos de “mudar as escolas” e depois “o sistema escolar”. Num segundo plano, necessitamos abandonar a concepção individual e técnica do processo de mudança. Em terceiro lugar, devemos abdicar da idéia de que mudanças paralelas e sucessivas teriam efeito cumulativo, por fim, questionar a idéias de “mais formação”, dentro de uma lógica adaptativa a posteriori, como um instrumento decisivo para a concretização da mudança (CANÁRIO, 2006).

      Além dos fatores externos, há os de ordem interna que contribuem para a complexidade do trabalho do professor e da organização da escola. Nesse sentido, o que precisamos é mudar os processos de integração social dentro da escola, pois o que percebemos é que ela passa a desempenhar papéis diferenciados daqueles desenvolvidos tradicionalmente, incumbindo-se de responder por demandas que vão além da tradicional transmissão de valores e conhecimentos. Ela também é incumbida de atribuições no que diz respeito ao desenvolvimento social, afetivo, atendimento de diferenças individuais, a dar sentido à aprendizagem, entre tantas outras. Trabalhar mais a questão do humano. (Sujeito 14)

      Nesse sentido Canário (2006, p. 47), enfatiza que

 

[...] o professor, além de suas várias funções (informação, supervisão, avaliação, etc.), tem como responsabilidade fundamental contribuir para oferecer aos alunos situações de aprendizagem pertinentes, em relação ao público e ao contexto. Serão cada vez mais os “criadores de sentido” para um trabalho escolar que possa ser vivido pelos alunos como uma “expressão de si”. 

 

      Além disso, o autor citado também afirma que a reformulação do funcionamento da escola e a ruptura com a sua matriz organizacional de origem não podem ficar restritas ao seu funcionamento interno, uma vez que a escola é um sistema aberto, e sua organização interna está intrinsecamente vinculada com o ambiente exterior. Ela vai ter que se adaptar a algumas exigências sociais no sentido de ela ser mais eficaz, mais efetiva na vida das pessoas. (Sujeito 15). Sob tal perspectiva percebemos que incumbimos à escola responsabilidades muito maiores que transmissão de conhecimentos. Esperamos que se torne um processo social formador de todas as dimensões humanas e espaços sociais. Responda pela formação integral dos seus alunos e por isso precisa trazer para dentro de seus meandros, atualização constante do professores, envolvimentos da comunidade escolar (pais, funcionários, direção, etc), trabalho voltado para todas as dimensões do ser humano, valorização profissional do docente e sua capacitação, maior eficácia na gestão escolar, entre outras.

Nesse sentido, a Educação, entendida como o processo de formação humana, atua sobre os meios para a reprodução da vida – e essa é sua dimensão mais visível e prática -, bem como coopera para estender a aptidão do homem para olhar, perceber e compreender as coisas, para se reconhecer na percepção do outro, constituir sua própria identidade, distinguir as semelhanças e diferenças entre si e o mundo das coisas, entre si e outros sujeitos. A educação envolve todo esse instrumental de formas de percepção de mundo, de comunicação e de intercomunicação, de autoconhecimento, e de conhecimento das necessidades humanas. (RODRIGUES, 2001, p. 243).

 

      Quando falamos em educação, escola e professor hoje e sua prospecção para o futuro, o que precisamos ter em mente é que estamos em um momento de transição e que não só teremos que nos adaptar às novas realidades sociais, como também estarmos preparados para construir, a partir dessa nova realidade, o futuro que sonhamos, melhorando cada vez mais a nossa formação enquanto professores para, assim, podermos formar alunos-cidadãos conscientes, maduros, críticos, engajados e responsáveis. De acordo com o pensar de Britto (2009), o desafio da educação de qualidade pressupõe o enfrentamento da questão da formação de qualidade e das condições de trabalho que possam promover maior profissionalização. Isso requer formação pensada como processo de construção da prática docente qualificada e, também, como processo de formação da profissionalidade do professor.

            É possível mudar a escola? Quais as condições que possuímos para isso? O que deve ser feito? Quem serão os protagonistas dessa mudança? Para Moll (2004), para os que acreditam que não, que a escola é o lugar da mesmidade, não vale a pena nenhum esforço reflexivo, por que a lógica aqui posta é a de que a escola é, apenas, uma fase da vida a superar. No entanto, quem tem esperança e acredita na escola como tempo e espaço pleno de possibilidades deve pensar de modo contrário.

 

2 Papéis/ função da escola hoje

 

      Tradicionalmente temos ouvido dizer que as escolas são estabelecimentos de ensino que têm como base a compartimentalização dos tempos (aula de uma hora), dos espaços (sala de aula), do agrupamento dos alunos (turmas) e dos saberes (disciplinas), aos quais correspondem formas determinadas de divisão do trabalho entre os professores. Dentro desta sistemática acaba-se organizando o conhecimento de forma cumulativa e repetitiva. Tal modalidade de organização tem-se revelado uniforme e estável, o que contribui para que as escolas não sejam somente semelhantes, mas idênticas, se forem apresentadas as descrições que delas se faz, mesmo que em períodos históricos muito diferentes. Neste tipo de organização os alunos são tratados com base numa concepção de exterioridade do saber já que este lhes é alheio, sem considerar as experiência e vivências particulares de cada um.

      Na ótica de Moll (2004) a escola constituiu-se na dinâmica de um tensionamento instituinte enquanto espaço de acesso a direitos sociais, de aprendizagens, de possibilidade de autonomia, mas também como espaço de produção de ignorância, de silenciamentos, de homogeneizações e de aprofundamentos de preconceitos construídos sobre a ideologia do reproducionismo, de produção de identidades a partir de ícones e padrões universalizados.

      Sob este fato Canário (2006, p. 16) ressalta que

 

[...] ao longo dos últimos séculos, essa forma de organização que é histórica e contingente, sofreu um processo de naturalização, passando a ser encarada como algo inelutável, ou seja, como “natural”. Essa naturalização desarma os educadores para uma perspectiva de compreensão crítica do modo como exercem a sua profissão. Por outro lado é essa naturalização que explica a permanência desse modelo organizacional, apesar dos ventos de mudança que varrem os sistemas escolares depois dos anos de 1960. É preciso reconhecer que, em vez de as reforma mudarem as escolas, foram as escolas que mudaram as reformas.

 

      Mas, a escola que temos hoje não é a mesma que marcou a primeira metade do séc. XX, pois, ela passou de um contexto de certezas para um de promessas, inserindo-se, atualmente, em um cenário de incertezas. A escola da certeza foi a da primeira metade do século XX, ou seja, a que a partir de um conjunto de valores intrínsecos e estáveis, formava cidadãos, fornecendo as bases para uma inserção na divisão social do trabalho. Ela era o pilar central do Estado-Nação permitindo somente a alguns a ascensão social, pois funcionava como um registro elitista.

      Após a Segunda Guerra Mundial a escola passa a ser de massa já que, com a expansão quantitativa dos sistemas escolares, mais pessoas passaram a freqüentá-la com a intenção de inserir-se mais facilmente nos padrões culturais e no modelo sócio-econômico. As pessoas associavam a maior quantidade de escolas a três promessas: desenvolvimento, mobilidade social e igualdade. A não concretização dessas expectativas levou a escola a seu patamar atual, ou seja, escola das incertezas, pois o fato do indivíduo estar na escola não é sinônimo de efetivação de tais promessas.          Este modelo de escola surge da dicotomia entre o acréscimo de qualificação, acréscimo de desigualdades, desemprego estrutural de massas, precariedade do trabalho e desvalorização dos diplomas escolares. Somado a isto a escola vê desaparecer um de seus traços mais marcantes que é o de “fabricar” bons cidadãos no quadro do estado nacional.

   Tendo em vista o atual estágio de incertezas relativas à escola e à escolarização, acreditamos que chegou a hora de construirmos uma outra educação que represente uma saída para as dificuldades atuais. Assim, temos que agir, por um lado, no sentido de superar a forma escolar e, por outro, de reinventar a organização escolar, o que nos leva a construção de uma nova legitimidade para ela. Formar cidadãos conscientes do seu papel como construtores de uma sociedade que pensa, que age, que sente, que busca e ela auxilia na formação, na opinião e também na construção do saber. Dando este novo sabor às coisas, às situações, à realidade que se encontra. (Sujeito 10). Não basta que as crianças e jovens tenham acesso à escola, faz-se necessário que eles aprendam e que esta aprendizagem seja criadora, transforme profundamente os alunos que eles não consigam retornar ao estágio anterior. Becker (2004) insiste que a ação da escola deveria provocar no aluno o impacto na capacidade cognitiva, na subjetividade, na estrutura cognitiva desenvolver no aluno a capacidade de cada vez mais buscar novas respostas.

   Para que ocorra essa transformação e reconfiguração da escola é preciso que reavaliemos vários de seus aspectos, dentre eles, de quem são os sujeitos que a freqüentam? Que características possuem? Como se dá o relacionamento entre escola e criança/adolescente? Como deverá se organizar para trabalhar com este público? Que formação deverá ter o professor que trabalha neste ambiente? Como esse professor deverá se estruturar, internamente e enquanto sujeito coletivo, que metodologias poderá utilizar? Em que base teórica deverá apoiar-se?

   Em nossa pesquisa de iniciação científica, elaboramos algumas perguntas aos nossos entrevistados no sentido de saber em que a escola precisa mudar na sua forma de ser. Sob tal perspectiva, as informações coletadas foram no sentido de que, muito mais que transmissora de conhecimentos, a escola precisa tornar-se formadora integral dos seus alunos e por isso surge a necessidade de trazer para dentro de seus meandros atualização constante do professores, envolvimentos da comunidade escolar (pais, funcionários, direção, etc), trabalho voltado para todas as dimensões do ser humano, valorização do profissional docente e sua capacitação, maior eficácia na gestão escolar, entre outras.        Assim, nossos entrevistados afirmaram que a escola está mudando e precisa mudar cada vez mais para se adaptar às novas realidades sociais e que, para que isso ocorra é necessário, desde a elevação da autoestima do professor até a melhoria na sua estrutura física.

            No entanto quando questionados a respeito do futuro que anteveem para a escola, de forma geral manifestam um grande otimismo e esperança. Eu vejo a escola como indispensável, na formação de um indivíduo e ainda assumindo responsabilidades, muitas vezes, sem as condições necessárias para que possa realmente ter tudo o que seria necessário para que este aluno tivesse uma boa formação. (Sujeito 17). Este posicionamento se fortalece nas palavras de Costa (2003, p. 45)

 

[...] quando ressalta que parece que a escola do século XXI, ainda se mantém como uma instituição central na vida das sociedades e das pessoas. Ela não carece de vitalidade. Seu propalado anacronismo parece ser seu catalisador, como uma fênix que renasce das próprias cinzas. Se a escola da modernidade não se sustenta mais, ela se transmuta, se hibridiza em múltiplos cruzamentos e se reproduz nos infinitos discursos que sobre ela se enunciam. Ela certamente não é de um único jeito, não toma uma só forma. Ela própria já começa a se reconhecer como território da diversidade, contorcionista da incerteza, prisioneira dos poderes que a dobram. Mas uma escola que fala a língua do seu tempo-espaço poderia continuar fazendo a diferença no processo de socialização e educação dos humanos.

 

   Assim, fazemos nossas as palavras de Pimenta (2004), para quem a escola pode até mudar de nome, mas precisa existir como um espaço de aprendizagem, de ensino e aquisição sistemáticos da cultura.

Estudos surgidos, nas últimas décadas, sobre a inteligência e a aprendizagem apresentam descobertas inovadoras que denotam a necessidade da escola e seus protagonistas repensarem a forma como trabalham e como agem em relação às formas como os alunos aprendem.  Novas concepções e teorias questionam práticas pedagógicas padronizadas e uniformizadas utilizadas pelos professores, demonstrando que todos podem aprender de forma diferente, por métodos diferentes, em estilos diferentes e ritmos diferentes, vindo ao encontro de um postulado fundamental defendido por Becker (2004), de que devemos respeitar a capacidade de aprendizagem construída até aquele momento por cada sujeito. Reconheço “[...] que há capacidade de aprendizagem se ela foi construída e se continuar a ser, indefinidamente, reconstruída.” (2004, p. 44).

 Estas constatações demandam uma nova organização do trabalho da escola e do agir do professor. Embora saibamos que aprendemos de formas diferentes, a ciência não conseguiu demonstrar como se dão estes processos diferenciados, aumentando a obscuridade na direção que a escola deve dar à condução do trabalho pedagógico.

Quanto mais os neurocientistas nos ajudam a entender esses mecanismos causais subjacentes, maior será nossa capacidade de entender os mistérios do aprendizado dos seres humanos e qual o papel que nosso ambiente e experiências exercem nessa capacidade. No momento, porém, a incerteza persiste. (CHRISTENSEN, 2009, p. 38).

 

Mesmo diante da incerteza, há uma certeza: precisamos repensar os processos didáticos pedagógicos desenvolvidos nas escolas e para esta tarefa os professores são fundamentais.

 

3 O papel do professor

 

   Para falarmos de professores temos que ter consciência de que vivemos em uma sociedade muito heterogênea, imersa em culturas variadas, diferentes cenários econômicos e ambientes sociais. Quem trabalha com ensino e aprendizagem, assim, precisa levar em conta todas essas variantes considerando a experiência de que quem aprende o faz de forma sui generis e a partir desta heterogeneidade. “Tempo de aprendizagem não é tempo de estocagem. Tempo de aprendizagem é tempo de gênese. Isto é, tempo de nascimento de algo novo, no sentido coletivo e no sentido individual; no sentido do sujeito, portanto.” (BECKER, 2004, p. 45). Significa, em termos de produção do saber, privilegiar as perguntas, ou seja, centrar o conhecimento em um processo de pesquisa que tem como ponto de partida a vivência dos sujeitos envolvidos.

   Tendo presente isso podemos voltar nossos olhares para o professor. O docente, nesta perspectiva, não pode simplesmente ter como base a aplicação ou à execução rotineira de técnicas e comportamentos determinados, mas, conforme nos explicita Canário (2006, p.34), deverá sim

[...] construir a profissão de professor, como um ato de criação na relação com os alunos, entendendo-os como aliados e colocados em uma situação de reversibilidade. O bom professor precisa ter disponibilidade para saber escutar os alunos e, assim, aprender com eles. É nessas condições que o trabalho escolar, quer para os professores quer para os alunos, pode deslocar-se de uma lógica de enfado para uma de prazer. O prazer da criação pessoal e do trabalho vivido como uma expressão de si. Precisamos, então, simultaneamente, ter nas escolas professores e alunos que sejam e se sintam como artistas.

 

      Para que isso aconteça é preciso, nas palavras de Canário (2006), recriar o ofício de professor, reorganizar seu perfil profissional em torno de quatro dimensões essenciais apresentadas na sequência ao nos apropriar-nos de suas idéias. A primeira refere-se ao professor entendido como “analista simbólico”, que é o que equaciona e resolve problemas em contextos marcados pela incerteza e complexidade e não o que dá respostas certas em situações previsíveis. Em seguida temos o professor que é visto como artesão, pois constrói e reconstrói permanentemente o seu saber profissional. Em terceiro lugar temos o professor como profissional da relação, que ocorre quando este profissional não ensina o que sabe e sim o que é. Por fim temos o professor como um construtor de sentido que, como a própria expressão diz, procura dar sentido para as situações educativas.

      A infra-estrutura das escolas pode mudar, os equipamentos podem ser mais sofisticados, de última geração, enfim, as condições objetivas da escola podem ser renovadas, mas se o professor não se comprometer, não se desafiar e compreender que faz diferença ser um professor que desenvolve ensino e aprendizagem dinamizados, a probabilidade de haver transformação na escola será pequena. Becker (2004) conclui que se o professor não melhorar não há como produzir melhoria significativa na educação. Posição partilhada por Moll (2004, p. 104-5), que situa o professor como agente de possibilidades ou de fracasso:

 

A questão que se impõe, a partir dessa perspectiva, é a de como operar mudanças na escola que sejam respeitosas com os educadores, com suas memórias, suas experiências e suas trajetórias e que sejam, ao mesmo tempo, desestabilizadoras de todo sistema de valores que ainda atravessa nosso olhar social e cultural e diminui os alunos e seu universo de relações e saberes, colocando-os como portadores de fracassos e não de possibilidades de sucesso e de aprendizagem?

 

 

      Para Arroyo (apud MOLL, 2004) educar é situar-nos no cerne do devir humano, qualquer intervenção que pretenda situar-se nesse cerne provoca resistência. O educador não pode abrir mão de ser um anunciador da esperança, do novo, o que exigirá de si desapego rompimento com padrões estabelecidos. O que também pode ser verificado na resposta do Sujeito 30: [...] o professor deve persistir, ter a coragem de ser ousado e não ter medo de ser um pouco louco também na questão da educação. O louco é aquele que inventa as coisas novas.  As mudanças dar-se-ão no ambiente e convívio externo e também no seu “eu”. Isto gerará curiosidade, questionamentos, teorizações, apreciações a favor ou contra as mudanças na própria identidade docente. É preciso enfatizar que a construção de uma nova identidade para o professor deve ocorrer concomitantemente à construção de uma outra relação com os alunos, principalmente percebendo-os como aliados e não como problemas, como pessoas e não como simplesmente alunos.

      Para que haja essa mudança no modo de ver os alunos há que se mudar também a natureza das situações educativas, tornando professores e alunos produtores de saber. Urge mudar relações de poder, o que supõe uma prática pedagógica que não seja exclusivamente fundada na oposição entre quem sabe e quem ignora, mas que possa contemplar a reversibilidade dos papéis educativos.

      Ao pensarmos nas duas clássicas vertentes da escola, alunos e os professores, e seu relacionamento no sentido da construção do conhecimento, é que podemos voltar nossos olhares para nossas expectativas e anseios referentes à “escola do futuro” e como será a educação na sociedade contemporânea. Que lugar ocupará a educação dentro das políticas públicas e dos interesses das pessoas? Relativamente ao futuro da educação não nos podem restar quaisquer dúvidas de que ela manterá toda a sua importância (Sujeito 23). A visão otimista, referida nesta fala, mantém viva a confiança na escola. Embora adquira, provavelmente, contornos mais difusos e, em muitos aspectos, menos profissionalizada, a ação educativa continuará a apelar por profissionais autônomos e criativos, capazes de pensar e de definir o seu ofício. O que aparece como inevitável, em termos de futuro, é a ruptura com o modelo de escola que conhecemos e que, em termos históricos, está se esgotando. Por isso, de nada adianta aos professores quererem resolver os seus problemas atuais, virando-se nostalgicamente para o passado e para hipotéticos “anos dourados” da escola, (será que foram de ouro mesmo?) para os quais não poderá mais regressar. Para Canário (2006), a educação do futuro será marcada pela centralidade na pessoa que aprende, o que implica repensar os modos de trabalho dos educadores. É na relação com o aluno (hoje, muitas vezes encarados pelos professores como seu principal problema), no modo de tratá-los, que se joga o futuro.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM ESBOÇO PARA PROSSEGUIR

 

            Talvez, para quem está lendo este texto e percebe que se aproxima das considerações finais poderá imaginar, que neste epílogo, encontrará fórmulas de como mudar a escola e como solucionar problemas nela encontrados. Quem sabe, até espera que haja alguma orientação prática de como guiar-se, enquanto educador ou estudante de um curso que prepara para ser professor. Concretamente, não encontrará nem receitas, nem metodologias milagrosas, pois elas não existem, mas deparar-se-á com apontamentos sobre o sentido da mudança e da importância da reflexão desestabilizadora. Encontrar-se-á com questionamentos, desafios e possibilidades em que se constitui a complexa tarefa de educar.

            Qual a real responsabilidade da escola e dos professores em relação aos estudantes? Este questionamento permanece intrigante e instigante. Acompanharemos muitos embates políticos, teóricos, pedagógicos e propostas de inovação a respeito da função social da escola e do educar, enquanto prática docente, sem chegarmos a soluções efetivas. Nesta direção Arroyo (apud MOLL, 2004) afirma ser necessário recuperar a educação. Colocar o foco nos educandos e em seus processos formadores, reconhecer neles um ser humano em formação. Esta inclui processos de ensino, de aprendizagem e de construção do conhecimento.

            O que é importante que os alunos aprendam na escola? Que habilidades, saberes, devem desenvolver? Há muitas expectativas sobre o trabalho da escola e a ação do professor. Espera-se que atue centrado na incumbência do desenvolvimento cognitivo do estudante, na construção do conhecimento, mas há outras dimensões que são necessárias ao processo de formação dos seres humanos. Formá-los “ [...] como totalidades humanas que têm direitos a se constituir como humanos, a aprender  as complexas artes de ser gente.” (ARROYO apud MOLL, 2004, p. 13).

            Quem deve liderar o processo de mudança da escola? Qual o tamanho e a dimensão da mudança? A mudança na escola deve ocorrer em várias frentes. Independente de ordem cronológico ou prioridade é urgente que se instaure uma nova cultura social sobre o trabalho da escola. Ela ainda é vista como redentora e solucionadora de todas as mazelas sociais e como uma instituição capaz de recuperar os indivíduos cultural, moral e cognitivamente. Ela nunca teve e nem terá tanto poder e capacidade para isso. A escola precisa ser pensada dentro de suas reais capacidades e condições. Paralelo a esta mudança de cultura deve vir somar-se um redimensionamento da epistemologia do professor, pois não haverá transformação nos processos didático-pedagógicos se ele continuar a pensar orientado pelo senso comum e por teorias ultrapassadas. Espera-se que a “cabeça” do professor mude para que as atitudes sejam diferentes. É salutar que ele busque novos saberes e conhecimentos, que os transforme em práticas, ao mesmo tempo, que tenha a capacidade de fazer a crítica e autocrítica de suas concepções e experiências. No pensar de Becker (2004), o professor não conseguirá sustentar uma prática transformadora, em sala de aula ou na escola, se ele não desenvolveu um corpo teórico capaz de levá-lo a avaliar sua postura didático-pedagógica, postura de colegas e desempenho da escola. Para que isso ocorra há a necessidade de repensarmos os processos de formação inicial e continuada do professor.

            Qual a responsabilidade dos pais para com o filho que freqüenta a escola? Que parcela de colaboração poderá dar à escola e aos educadores? Para que o trabalho da escola possa estar respaldado e surtir maiores efeitos, a família, os pais deverão envolver-se com a educação de seus filhos, conhecer os objetivos da escola e acompanhar os mesmos em sua trajetória escolar. Em muitos casos, os pais acompanham e dão o suporte necessário para que o processo educativo desenvolvido pela instituição escola seja legitimado, mas em muitas situações eles estão ausentes e não há a quem recorrer em situações críticas. A maior participação (e para muitos começar a participar) dos familiares pode contribuir, sobremaneira, para o êxito do trabalho do professor e função da escola, que não pode ser subestimada.  

 

REFERÊNCIAS

 

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BECKER, Fernando.  Tempo de aprendizagem, tempo de desenvolvimento, tempo de gênese: a escola frente à complexidade do conhecimento. In: MOLL, Jaqueline (org.). Ciclos na escola, tempos na vida: criando possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2004.

 

BRITTO, Vera L. Ferreira A. de. A construção de uma nova identidade docente e a formação de professores. In: COELHO, Maria I. de M.; COSTA, Anna E. B. de (Orgs.) A educação e a formação humana: tensões e desafios na contemporaneidade. Porto Alegre: Artmed, 2009.

 

CABEZUDO, Alicia. Cidade educadora: uma proposta para os governos locais. In: GADOTTI, Moacir (org.) Cidade educadora: princípios e experiências. São Paulo: Cortez, 2004.

 

CANÁRIO, Rui. A escola tem futuro? Das promessas às incertezas. Porto Alegre: Artmed, 2006.

 

COSTA, Wanda Maria M. Pedagogia da complexidade: uma articulação necessária. In: CARVALHO, Edgar (org). Ensaios de complexidade 2. Porto Alegre: Sulina, 2003.

 

COSTA, Marisa (org.). A escola tem futuro? Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

 

CHRISTENSEN, Clayton M. Inovação na sala de aula: como a inovação de ruptura muda a forma de aprender. Porto Alegre: Bookman, 2009.

 

MOLL, Jaqueline (org.). Ciclos na escola, tempos na vida: criando possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2004.

 

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VEIGA, Ilma P. (org.) Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas. São Paulo: Papirus, 2008.

 

 

 

 

Arnaldo Nogaro – Av. 7 de setembro, 1621 – Centro – 99700 000 – Erechim/RS –

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Luciana Elena Colapni  Frâncio – Av. 7 de setembro, 1621 – Centro – 99700 000 – Erechim/RS. Tel. (54) 3520 9000


[1] Artigo publicado na Revista de Ciências Humanas da URI – Campus Frederico Westphalen,  ano X, número 14, 2009. ISSN 15184684

[2] Professor da URI – Campus de Erechim. Doutor em Educação – UFRGS. [email protected]

[3] Bolsista de iniciação científica pelo PIIC-URI e acadêmica do 6º semestre de Pedagogia. [email protected]

[4] Pesquisa de iniciação científica que realizamos em um município da Região Alto Uruguai (RS) e que tem como título “O futuro da escola: o que pensam os representantes de diferentes segmentos sociais”.

[5] Para localizar as falas e não expor os respondentes identificamos os mesmos como “sujeitos” acrescendo números, 1, 2, 3 de acordo com a ordem das falas.

[6] Recentemente, entre os meses de dezembro de 2008 e fevereiro de 2009, jornais e revistas de grande circulação nacional (podemos citar os exemplos de Zero Hora, Revista Veja, Nova Escola, dentre outras) têm trazido reportagens relacionadas à educação, abordando a organização da escola, a formação dos professores, o papel da família, disciplina/indisciplina, aprendizagem e outros. Estes veículos de informação procuraram mostrar as contradições e desafios que o sistema educacional brasileiro enfrenta. Vale ressaltar que há que se fazer a leitura destas reportagens com o olho aguçado da crítica.


Autor: Arnaldo Nogaro


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