Uma experiência na pré-escola



Trabalho realizado com alunos da Rede Pública moradores de Barrios periféricos da Cidade de Salvador - Bahia.

 As crianças na faixa etária de 06 anos, oriundas de famílias de baixa renda, nível cultural baixo, uns viviam com os avós outros filhos de pais separados, muitos deles alcoólatras extremamente agressivos, famílias numerosas (06 a 10 filhos).   

 Era tempo de estágio, tempos de desafios. Partimos para a grande jornada, preparadas, conscientes e ansiosas por realizar um bom trabalho.

Em dupla iriamos vivenciar o que existe de mais gratificante na arte de educar: chegar, observar, intervir e colher resultados. Seguimos todos os passos acima. Afinal saímos vitoriosas frente a um universo tão adverso.

Ora de tirar a máscara e aplicar toda teoria apreendida no Curso em benefício daquelas pequeninas criaturas carentes de amor, justiça, oportunidade, dignidade, solidariedade, ternura, afeto e o mais importante: c-o-m-i-d-a  (naquela época não tinha o Programa Bolsa Família a comida  muitas vezes levávamos de casa, pois a merenda não era regular e a carência muito grande, então para  viabilizar as atividades com os alunos recorríamos ao nosso bolso. Era fome no duro! Estudar com fome não é fácil.  Quem vivenciou conhece).

Mãos a obra fomos levando atividades vivas e significativas a começar pelo tema: “Criança Sonho e Magia” e os sub temas:   Criança Mistura de Cor, som e alegria, Como a Criança sente e vê o mundo, A criança e seu meio físico e social, A criança agindo e tomando consciência do mundo que a cerca, A criança e suas descobertas, A criança construindo o mundo em que vai viver.

Com o planejamento já estruturado começamos a fase de regência. Decidimos eu e minha colega que a convivência juntas seria a solução na tentativa de conciliar casa-filhos-trabalho-estudo da melhor forma possível resultando desta união muitas críticas, reflexões, construções, alegrias e tristezas, porém movidas por uma só paixão: fazer educação com amor e compromisso oferecendo a criança afeto, fantasia, magia e atividades ricas e significativas para sua vida.        

 Desta forma no primeiro contato com as crianças foi proposta na roda pelas estagiárias a construção de um circo que foi recebido pelos alunos com entusiasmo.

Tratamos logo em seguida de dá vida aquele ambiente cinzento sem nenhum atrativo para o aprendizado das crianças e assim fomos junto com os educandos construindo o cantinho da leitura, do faz de conta, ciências e no fundo da sala começamos a montagem de um enorme circo sob a aprovação e entusiasmo de toda turma.

  

No geral as crianças eram muito ativas e constantemente se envolviam em conflitos entre eles, alguns não se concentravam durante as        atividades, porém uma em particular nos chamou atenção e apresentou-se como um grande desafio para as estagiárias: Meire Ane era a menorzinha da sala, não falava, mas a cada ação nossa ela destruía o que nós e os outros alunos íamos construindo, não participava das atividades, não sentava na roda, não interagia com as estagiárias e os colegas, rasgava os livros do cantinho da leitura, não falava só agredia e destruía tudo, sempre com os cabelos em desalinho, em silêncio a fazer travessuras mil.

 Certa ocasião quando todos estavam sentados na roda ela pegou uma vassoura e começou a passar em nossas cabeças foi o primeiro sinal, bem ao estilo dela, que queria participar da roda.

Foi imediatamente convidada por todos a participar e para nosso espanto aceitou e muito tímida e grosseiramente fez sua estreia na roda sentando-se ao meu lado todos aplaudiram por certo tempo à menininha silenciosa e travessa.

A partir deste dia ao seu jeito ela começa a trilhar uma nova etapa em sala de aula.  

 

Na semana seguinte participou com entusiasmo da atividade: “Adivinhe o que tem dentro da caixa” levamos uma caixa enorme bem colorida e através de algumas pistas dadas pelas estagiárias os alunos tentavam adivinhar o conteúdo da caixa. (o objetivo da ação era apresentar um dos personagens do circo: o mágico) e assim a caixa se abre e de dentro dela sai o personagem, sob uma chuva de papel picado realizando algumas mágicas. Impressionando a todos. Pode-se observar a alegria e felicidade dos alunos inclusive Meri Ane que nunca sorria esboçou um tímido e pequeno sorriso. Foi um momento de sonho e magia para aquelas crianças.

Na roda junto com os alunos com a proposta de construção do nome do circo depois de várias sugestões foi escolhido com a participação dos educandos o seguinte nome:  Circo Pirilampo. A  alegria e entusiasmo transformou a sala o semblante das crianças era de paz  e a turma toda junta passaram a recortar de revistas as letras com a finalidade de formar o nome do circo  e com nossa ajuda confeccionaram  o mesmo e colaram na entrada do circo  no fundo da sala.

 A partir dai o comportamento dos alunos foi melhorando já se concentrava nas atividades, na roda a interação entre estagiarias e alunos e alunos/alunos permitiam o diálogo e a aprendizagem.

Neste clima de total magia perguntamos aos alunos qual outra personagem do circo desejavam criar? Em uníssono responderam – O Palhaço! E assim deu-se início a confecção de dois palhaços um grande e outro pequeno (foram momentos inesquecíveis onde as crianças recortaram, coloriram, colaram, encheram com espuma os palhaços, fizeram com lã os cabelos um loiro e outro moreno)

No dia seguinte na roda foi momento da escolha do nome dos palhaços a euforia era grande muita confusão, discursão e finalmente o consenso o nome do palhaço grande seria: “Pim-pim” e o menorzinho ”Marrom”. Escrevemos os nomes em uma ficha lemos para as crianças que depois leram em voz alta e colaram nos palhaços.

Ora na rodinha de escolher os animais do Circo Pirilampo e os alunos usando de muita imaginação foram falando o nome de vários: elefante, macaco, leão, cobra e finalmente escolheram o macaco e deram o nome de “Simão”, depois também o elefante e o seu nome ficou sendo “Mimo”.

Em seguida passamos a confecção do macaco foi colocado pelas crianças o enchimento na moldura de pano em formato de um macaco enorme. Depois de cheio os alunos colaram o pelo e desenharam orelhas, boca, pregaram botões para fazer os olhos.  

Depois de pronta à obra de arte, as estagiárias fizeram uso das fichas e escreveram junto com os alunos o nome do macaco “Simão” diante de uma sala inteira empolgada realizamos a leitura das fichas e penduramos no macaco que foi levado pelos alunos ao fundo da sala e colocado dentro do circo em destaque.

Vale salientar que junto com o nome dos personagens do circo trabalhávamos também o nome das crianças (música ”Tudo tem nome” Toquinho) eram momentos de completa emoção ao som da música as crianças iam desenhando cada um a sua maneira o seu nome.

 Já no outro dia iniciamos a confecção do elefante “Mimo” o clima da sala de aula era de efervescência com as crianças enfeitando o grande elefante interagindo uns com os outros opinando sobre a cor, os olhos do animal. Com as fichas em mãos escrevemos o nome, cantamos a música (um elefante incomoda muita gente) realizamos a leitura em voz alta e pesquisamos sobre o animal. O elefante também foi levado ao fundo da sala e colocado dentro do Circo Pirilampo o cenário da sala de aula era de felicidade, participação, interação e aprendizagem.

   

Aproveitamos a oportunidade para trabalhar com as crianças os animais com o objetivo de desenvolver hábitos de curiosidade e interesse pelo mundo natural despertando a consciência ambiental.

Na rodinha as crianças vão dando opiniões, contam o que sabem sobre os animais, inventam rimas e músicas, aprendem sobre os animais em extinção, são discutidas atitudes de respeito, amor, carinho e são alertadas sobre a importância da preservação para o equilíbrio do planeta.

O próximo passo seria estabelecer com os alunos quais personagens ainda faltam para completar o elenco do circo Pirilampo. Momento de reflexão e são citados a bailarina, o equilibrista. Neste instante colocamos para tocar a música “O Circo” composição de Sidney Millier “Vai, Vai começar a brincadeira...” as crianças cantam o refrão, pulam, dançam com os palhaços, macaco, elefante e o mágico. Grande emoção e magia contamina o ambiente de sala de aula.

Desta forma apresentamos o nome e a história do compositor da música “O Circo’’ Sidney Millier, em seguida surge à moldura da balaria sob aplausos dos alunos começa todo processo de criação: roupas, sapatos, escolha da cor do cabelo, enfeites são colocados nas roupas e cabelos finalmente está pronto mais um personagem do circo para alegria de todos.

Uma das estagiarias caracterizada de bailarina entra pega a bailarina produzida pelos educandos e recita a poesia de Cecília Meireles “A bailarina” (essa menina tão pequenina quer ser bailarina...) Ao final distribui com os alunos uma folha com a poesia e o desenho de uma bailarina momento de tirar o folego os aplausos e a felicidade daquelas crianças encontra-se estampado em cada rostinho.

Próximo passo todos com a poesia iniciaram a leitura, os alunos acompanham com os dedinhos. Propomos a dramatização da mesma foi quando correram para o cantinho do faz de conta à procura de roupas de bailarina voltam caracterizados e então dramatizamos com perfeição e muito entusiasmo “A bailarina” de Cecília Meireles.    

Ressaltamos que diante de atividades significativas e de interesse dos alunos o clima hoje na sala de aula é diferente observamos: as crianças calmas, absortas a produzirem conhecimento através da magia que o circo desperta no imaginário delas.

Contudo, ainda faltava alguma coisa, um dos alunos lembrou: - É o nome da bailarina já que tudo tem nome, não é pró? Foi assim que na roda nasceu o nome da bailarina, Violeta, nós passamos a chamá-la a partir daquele dia. Em grande estilo a bailarina é levada pelas crianças para o fundo da sala e entra triunfante no Circo Pirilampo.

No dia seguinte na roda as crianças aguardavam silenciosas e curiosas à confecção do equilibrista. Assim esticamos um barbante no chão da sala e solicitamos que um a um os alunos tentassem se equilibrar em cima do mesmo qual um equilibrista, alegria total na realização da tarefa. Realizamos alguns questionamentos acerca do personagem e os alunos deram asas á imaginação e iam cada um a sua maneira falando do seu equilibrista. Em seguida uma das estagiarias entra em cena vestida qual o personagem a surpresa deixou os alunos boquiabertos todos queriam tocar andar com ele em cima do barbante equilibrar o guarda-chuva alegria geral. Na oportunidade surge à proposta de confecção do personagem desta forma foi espalhado papel colorido, cola, botões e a moldura de um boneco que as crianças irão transformar no equilibrista, o qual deram o nome de Serafim completando o elenco do Circo Pirilampo.

As estagiárias distribuem folhas, revistas, cola e as crianças procuram as letras nas revistas e realizam a colagem do nome do equilibrista Serafim.

Então todos deixam a sala de aula e no pátio da escola propomos aos alunos brincar de amarelinha junto com o Equilibrista Serafim foi uma festa. As crianças pulam, equilibram-se em uma perna só dão vazão a suas fantasias acompanhadas dos personagens do circo Pirilampo que agora não se separavam mais dos alunos (palhaços, elefante, macaco, bailarina, mágico).

De volta à sala de aula as estagiárias distribuem fichas com os alunos e na roda é proposto um ditado rápido com o nome de todos os personagens do Circo Pirilampo. A concentração das crianças na atividade é total. Cada uma tentando fazer o melhor.

Desta forma fomos a cada dia levando atividades do interesse das crianças como: bingo, quebra-cabeça, histórias, jogos, realizamos experiências com o ar, construímos pipas junto com os alunos, ouvíamos músicas, cantávamos, liamos poesias e dramatizávamos aquelas que os alunos mais gostavam, trazíamos parlendas, textos variados e conversávamos muito na roda com os alunos.

Vale ressaltar que todas as ações tinham relação com o tema. A aceitação das crianças com relação às atividades era completa e a aprendizagem acontecia espontaneamente em clima de magia, emoção, descoberta e muita criatividade.    

Certo dia, na roda acontece o inevitável:

 Meire Ane

Tão pequenina,

Era a menorzinha da sala,

Parecia um bichinho bem selvagem: desconfiada, arisca, não falava, sussurrava baixinho, às vezes.

E destruía, destruía tudo que encontrava.

Suas mãozinhas pareciam um raio que caia sobre os objetos com rapidez devastando tudo.

Muita energia emanava daquele corpinho, sempre séria a fazer travessuras mil, sorrir para quem? Por quê? Tão marcada em plena infância.

A sua história não é diferente da de milhões de crianças que castigadas convivem com todo tipo de violência.

O seu primeiro sorriso foi como uma linda manhã de muito sol.

O seu primeiro beijo teve sabor de manjar (e olhe que não sabia beijar).

A primeira vez que sentou na roda o brilho dos seus olhos iluminou e deu vida a rodinha o lápis aprendeu a segurar, a tesoura pegou para recortar e olhando concentrada com a ficha do seu nome na mão começou a rabiscar.

Olhando espantado o que tinha feito, feliz gritou: - Pró, Pró escrevi meu nome, Meire Ane. 

Sem palavras, sem comentários a conquista de Meire Ane emocionou a nós todos pela sua história (de sofrimento, desprezo e humilhação) e a superação da mesma prova à força de uma educação voltada para o afeto, a ternura, o amor partindo dos interesses dos alunos, proporcionando atividades ricas e significativas mexendo com seu imaginário. Foi possível construir o impossível. (Meire Ane era caso perdido a escola estava desistindo dela e a família completamente desestruturada a muito a abandonara)

               

Aproxima-se o final do estágio e começam os preparativos para a culminância dos trabalhos com os alunos.

Com a proposta de um dia de festa no Circo Pirilampo com as crianças caracterizadas de mágicos, bailarinas, palhaços, elefantes e macacos ao som da música: Vai, Vai Começar a Brincadeira, muita animação, mágicas mil, bailarinas saltitando nas pontas dos pés, equilibristas praticando malabarismos e fazendo bolinhas de sabão, palhaços engraçados dando o tom e a cor da festa.

Assim encerramos uma etapa da nossa experiência em sala de aula, que ficara para sempre guardada em nossas vidas são lembranças que jamais esqueceremos e felizes por ter possibilitado aquelas crianças momentos de pura magia em contato com o saber e a fantasia aprendendo através do lúdico, do afeto, do amor que constrói coisas belas, tão distante da realidade fria e desumana ao qual estavam acostumadas.

E tudo termina, restando várias certezas: que existem milhares de Meire Ane por esse Brasil afora esperando uma oportunidade para voltarem a brilhar nos palcos da vida, o compromisso de que devemos fazer muito mais daqui para frente pela educação pública do nosso país. O Brasil é nosso e a responsabilidade também está nas mãos de cada brasileiro. 

Carmen Maria Alves Santana em  04.11.2011, às 19:00h.

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Autor: Carmen Alves Santana


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