Absolvição sumária e a limitação da competência do tribunal do juri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida



Absolvição sumária e a limitação da competência do tribunal do juri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

 

A Constituição Federal em seu Art. 5º, inciso XXXVIII:

 

é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”

 

Tal artigo constitucional estabelece que os crimes dolosos contra a vida serão julgados pelo Tribunal do Juri, entretanto nosso Código de Processo Penal restringe, ou até mesmo fere tal disposição, eis que estabelece a absolvição sumária amparada na excludente de ilicitude.

 

Segundo Nucci, a absolvição sumária trata-se de uma decisão de mérito, a qual coloca fim ao processo, “julgando improcedente a pretensão punitiva do Estado. Ocorre quando o magistrado reconhece: a) Estar provada a inexistência do fato; b) Estar provado não ter sido o réu autor ou partícipe do fato; que o fato não constitui infração penal; estar demonstrada excludente de ilicitude (causa de exclusão do crime) ou de culpabilidade (causa de isenção da pena).”

 

Há que salientar que tal competência do Tribunal do Juri pode ser estendida, existindo previsão no CPP, Art. 78, inciso I, entretanto tal competência não poderia ser restringida ou excluída, tendo em vista que sua materialização se dá por uma norma constitucional.

 

O CPP em seu Art. 413 esboça que:

 

O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.”

 

Entende-se desta forma que caso o juiz monocrático vislumbre a existência do fato típico, bem como o nexo de causalidade levando a crer que o requerido tenha sido autor ou partícipe do crime teria que pronunciar, levando o infrator ao julgamento no Tribunal do Juri.

 

Neste contexto, percebe-se que a pronúncia é um juízo de admissibilidade da acusação, ao passo que o processo será julgado pelo conselho de sentença.

Julio Fabbrini Mirabete esboça que na absolvição sumária, o juiz deve estar em posse de prova inequívoca, entretanto parece que mesmo em posse de tal prova, existe uma limitação na competência do tribunal do juri.

 

Quando o juiz monocrático vislumbra alguma causa excludente de ilicitude, o mesmo profere a absolvição sumária, entretanto tal ato fere o disposto no Artigo 5º da Constituição Federal, pois o crime continua sendo doloso contra a vida, sendo assim tal julgamento deveria ficar a cargo do tribunal do juri e não do juiz monocrático.

 

A absolvição citada assemelha-se com o julgamento antecipado da lide na esfera cível, eis que a decisão se constrói de modo prévio, e na esfera penal obsta o julgamento na forma prevista em lei, havendo uma constatação preliminar de excludente de ilicitude.

 

A constatação da existência de uma causa excludente de ilicitude ultrapassa a competência do juiz monocrático, de modo que a presente valoração está alienada a uma interpretação de certa forma subjetiva, de modo que constatar que um indivíduo agiu amparado pela legítima defesa, hipoteticamente, perfaz uma atividade que muitas fazes transcende uma simples análise de prova.

 

Apesar da absolvição sumária, amparada por alguma das excludentes de ilicitude, honrar os princípios da dignidade da pessoa humana, duração razoável do processo, dentre outros, esta decisão põe à prova o enunciado constitucional de competência do Tribunal do Juri, pois retira-o a prerrogativa de julgamento.

 

É cristalino o entendimento que a absolvição sumária é uma decisão de mérito, e sendo assim estaria em via contrária ao princípio de soberania do juri, isto é, caso haja a constatação de excludente de ilicitude, esta deveria ser proferida pelo Tribunal do Juri e não antecipada pelo juiz monocrático.

 

Neste artigo gostaria de colocar em discussão a constitucionalidade da absolvição sumária embasada em alguma das causas excludentes de ilicitude, eis que conforme elencado acima, tal juízo é atributo constitucional do Tribunal do Juri, tendo em vista sua competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

 

Merece citação o artigo da professora Maria Celina Tepedino, que brilhantemente esboça a questão da aplicabilidade das normas constitucionais nos demais diplomas pátrios:

 

Acolher a construção da unidade (hierarquicamente sistematizada) do ordenamento jurídico significa sustentar que seus princípios superiores, isto é, os valores propugnados pela Constituição, estão presentes em todos os recantos do tecido normativo, resultando, em consequência, inaceitável a rígida contraposição direito público-privado. Os princípios e valores constitucionais devem se estender a todas normas do ordenamento, sob pena de se admitir a concepção de um “mondo in frammenti” , logicamente incompatível com a ideia de sistema unitário ”

 

Desta forma percebe-se que a lei infra constitucional não deveria limitar atributos já resguardados por nossa Carta Magna. Esta assertiva nos remete a necessidade de uma análise e reforma do nosso Código de Processo Penal de 1941, eis que precede nossa Constituição de 1988, diploma este instituído em um novo paradigma de estado, o Estado Democrático de Direito. Esta dissonância culmina naturalmente em contradições legais visto que tais diplomas foram criados em distintas situações sociais, econômicas e principalmente políticas.

 


Autor: Diego Starling Pessim Silva


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