Tribunal do júri: a manutenção do direito acerca de sua composição



INTRODUÇÃO

No julgamento de crimes dolosos contra a vida, algo de extrema importância é a composição do Tribunal do Júri, aqueles que irão de fato julgar o caso em pauta.  É composto por um Juiz de Direito (presidente do Tribunal), e mais 7 escolhidos, em um universo de 21. Esta escolha é feita por sorteio, sendo que cada parte, acusação e defesa, poderá recusar até 3 sorteados. Esses 7 formam o Conselho de Sentença.

Esses 21 cidadãos intimados a participar do julgamento não necessitam de nenhuma qualificação especial, apenas devem ser maiores de 21 anos, alfabetizados, não possuírem antecedentes criminais e serem dotados saúde física e mental para a função.

Trata-se de um verdadeiro direito fundamental do indivíduo de ser julgado por seus próprios pares. Tanto é assim que a garantia vem prevista no art. 5, XXXVIII, da Constituição da República, assim sendo, os crimes enquadrados pelo dispositivo constitucional, todos eles dolosos contra a vida, são os de homicídio (art. 121, §§ 1º e 2º, CP), o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122, § único, CP), o infanticídio (art. 123, CP) e o aborto (Art. 124 a 127, CP), em suas modalidades tentadas e consumadas. Cabe, assim, aos jurados condenar ou absolver. Ao magistrado incumbe a tarefa de prolatar a sentença em conformidade com o veredito e fazer a dosimetria da pena, no caso de condenação.

Sobre o preceito constitucional do Júri, Celso Ribeiro Bastos escreveu: “o fato é que nele continua a ver-se prerrogativa democrática do cidadão, uma fórmula de distribuição da justiça feita pelos próprios integrantes do povo, voltada, portanto,muito mais à justiça do caso concreto do que à aplicação da mesma justiça a partir de normas jurídicas de grande abstração e generalidade”.

Partimos então para a questão a ser abordada: A decisão final relativa ao destino do réu deve ser posta sob júdice apenas de cidadãos leigos, sem uma avaliação mais detalhada ou mesmo técnica acerca dos fatos?

Existem alguns pontos relevantes a serem levantados quanto a este tema.

DA INFLUÊNCIA SOB OS JURADOS

Desde a recusa até a exposição, tanto a acusação quanto a defesa, em regra dominam as ações do tribunal, estão acostumados tanto ao ambiente quanto à situação. Coisa que nem todos os jurados, ou até mesmo nenhum deles, está familiarizado.

Na possível recusa dos jurados, ambas as partes já possuem um conhecimento prévio do tipo de pessoa que se encontra no júri, e dessa forma, sabem quem deve ser recusado para facilitar a sua sustentação. Ou seja, pessoas que possam eventualmente ter um conhecimento que possa vir a prejudicar sua causa, ou mesmo com peculiaridades e características específicas, serão recusadas dependendo do critério adotado pelas partes.

Na exposição, fica claro o caráter teatral que o sistema do Tribunal do Júri possui, outro aspecto que para leigos, não habituados com o ambiente, pode ser um fator impressionante. Às vezes, as pessoas se deixam convencer por fatores que não são preponderantes na decisão do crime, mas sim pela forma como são expostos. Isso permite que nem sempre a “justiça” seja feita, muito embora falar a respeito de justiça seja questionável, mas nem sempre a condenação ou absolvição possa ser de fato o mais indicado para o fato ocorrido. A parte da sustentação perante o júri é determinante para a decisão dos jurados e, talvez assim, os fatos podem não ser interpretados da maneira tecnicamente mais adequada.

DA INFLUÊNCIA MIDIÁTICA

Outro ponto relevante aos casos abordados nesses julgamentos: somente vão a júri popular os crimes dolosos contra a vida. Em voga, a intenção de matar. Em alguns casos, há uma certa exposição do fato, ou seja, a imparcialidade pode já está comprometida.  A influência midiática é algo muito constante em nossa sociedade, e temos diversos casos que a condenação já é pré-imposta.

Um preconceito (no sentido de conceito já previamente formado), por mais involuntário que seja, já provoca um julgamento, baseado nas experiências, na moral do jurado e, por mais que queira ser imparcial, a influência externa pode tornar seu julgamento tendencioso.

Ora, isso não é o que se pretende no Tribunal do Júri. Apesar de serem pessoas leigas, devem estar comprometidas como juízes, o que de fato ali representam, e a imparcialidade é o que deles se espera.

O caráter muitas vezes sensacionalista que a mídia adota pode já favorecer a condenação ou absolvição de alguém, pela simples ótica adotada para avaliar um caso. E é fato notório que os casos que mais chamam atenção nos noticiários são aqueles que chocam, que normalmente tem relação com crimes dolosos contra a vida.

DA SEGURANÇA JURÍDICA

Não se pode julgar a capacidade intelectual das pessoas que fazem parte do júri, existem pessoas de todas as classes sociais, de todo tipo de instrução e educação. Mas é sabido que nem todas, e talvez a maioria não possua o saber jurídico de muitos aspectos relevantes abordados no Tribunal do Júri.

A partir desse ponto, há de se avaliar se tal julgamento respeita alguns dos princípios estabelecidos pela nossa Constituição, algumas garantias consagradas pelo nosso ordenamento jurídico. 

Quando nos sujeitamos a um julgamento pobre de rigor técnico, estamos pondo em cheque a segurança jurídica do nosso ordenamento, já que diversas vezes, como já exposto, a decisão pode ser fundamentalmente norteada não por critérios objetivos, mas sim pela subjetividade dada à relação da exposição dos fatos para com os jurados.

Nesse ponto, vemos a análise de provas, tanto testemunhal como perícias, principalmente, tem bastante valor dependendo da maneira como são expostas ou mesmo pelo tipo que são e o que significam para leigos, e o que poderiam significar para pessoas com saber técnico mais específico ou apurado. É um fator que pode ser determinante para a construção de uma verdade, ainda mais combinados com uma eficiente sustentação.

DOS CASOS

Dentre os diversos casos com bastante impacto na sociedade, podemos citar dois específicos e recentes que descrevem bem como o Tribunal do Júri pode sofrer de pressão externa intensa. Ao abordar o Caso Isabella Nardoni, assim como o Caso Elisa Samúdio, podemos perceber a influência a que se sujeitam os indivíduos presentes no júri.

No Caso Isabella Nardoni, por exemplo, antes mesmo de ir à júri popular, os réus Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, já sofriam com a reprovação popular, devido a pressão midiática . Todas as perícias, todos os pontos do inquérito policial, assim como diversas teorias, das mais simples às mais mirabolantes, já tinha sido expostas via imprensa.

Além do que, tanto acusações quanto defesas já tinham definidas estratégias de recusa de jurados. Evidente que a defesa, por exemplo, recusaria juradas que fossem mães, pois a carga emocional poderia ser preponderante dada a natureza do caso.

Sem entrar no mérito da questão, da contundência das provas e evidências, fica evidente que ao entrar para julgamento, seriam condenados. Podemos questionar nesse ponto, se dada à grande pressão popular, se não houve uma violação do contraditório, uma vez que era impossível selecionar jurados que desconhecessem o fato, que não tivessem um julgamento que, por menor que fosse, já era pré-concebido.

No Caso Elisa Samúdio temos como réu o goleiro do Flamengo, Bruno, aguardando julgamento, preso. Ora, a prisão cautelar  preventiva tem caráter de exceção, e devem ser respeitados seus requisitos.

O artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que podem fundamentar a prisão preventiva, sendo eles: garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes); conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testumunhas ou destruindo provas); assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida). 

A manutenção de sua prisão, sob ótica da legislação, é um tanto quanto indevida, já que o réu se trata de uma pessoa com vida pública, residência fixa e a garantia do andamento processual pode ser assegurada com outras medidas que não a restrição de liberdade. É indevido no caso o indeferimento de habeas corpus, uma vez que nem ao menos o corpo da suposta morta foi encontrado, nem ao menos provas cabais de sua morte, apenas indícios e depoimentos um tanto quanto contraditórios.

Nesse caso, a pressão popular e a força da mídia claramente influenciam na decisão do magistrado, então nos perguntamos se talvez esta ainda seja mais contundente sobre outros segmentos da população, tal como os que estarão presentes no seu julgamento.

Perguntamo-nos será que, tanto no primeiro caso, quanto no segundo, houve ou haverá a garantia do contraditório, de um julgamento imparcial?

A PROPOSTA DE UM JÚRI MISTO

A proposta do Tribunal do Júri, de fato, é de relevante interesse social, e assim deve ser preservada. A idéia de composição de um júri estritamente técnico não parece interessante, pois excluiria o caráter democrático tão importante dessa instituição do nosso Direito.

No entanto, uma composição mista, mesclando cidadãos leigos e cidadãos de saber técnico desenvolvido, principalmente na área jurídica, mas não ligados ao sistema judiciário, que possam avaliar as evidências, as sustentações, a forma de abordagem de todas as situações, de maneira a garantir também um julgamento técnico adequado, além de manifestarem também a sua opinião enquanto cidadãos interessados na preservação do bem jurídico tão importante em discussão, seja talvez uma forma de preservar esse caráter popular do júri, mas também de preservar as garantias do cidadão enquanto réu.

CONCLUSÃO

A grande preocupação maior de qualquer julgamento deve ser alcançar uma sentença de maneira que os valores da sociedade e as leis em vigor sejam ambos respeitados e acolhidos. Pelo menos assim é entendida a função do Tribunal do Júri, consistindo hoje, em uma decisão voltada mais para os valores do que para as leis. É bom ressaltar que a decisão tem esse caráter, a ação penal está voltada muito mais para a lei do que para esses valores específicos.

É impossível querer dissociar dessas decisões - que partem de individuais a formar uma sentença - dos valores, das experiências, das manifestações pessoais de cada integrante do Tribunal do Júri. E essa é uma característica que deve ser preservada, pois é o que temos de mais democrático e socialmente participativo no nosso sistema judiciário.

Afinal de contas, a justiça nada tem a ver com o Direito em si, nem sempre o justo é o juridicamente proposto, às vezes até o oposto. A justiça está muito mais baseada no que a sociedade em si entende por sua palavra, pelo que considera correto, e assim como nossos valores, tem seu conceito sempre em transformação, em mutação.

A técnica deve estar presente e ser avaliada devidamente, no entanto, isolada não é suficiente para o que tratamos como intenção das decisões proferidas no Tribunal do Júri. Mas é fundamental para que as garantias, as normas, as leis, a técnica jurídica como um todo seja analisada de maneira relevante dentro do processo.

A mescla talvez traduza melhor o equilíbrio, e através deste possamos chegar o mais próximo possível de decisões que se espelhem em uma justiça cada vez mais alinhada com Direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 5ª ed., ver, atual. e aum., Saraiva, São Paulo, 2003.

HART, H.L.A. O Conceito do Direito. Ed. WMF Martins Fontes.

BASTOS, Celso Ribeiro. A reforma da Constituição: em defesa da revisão constitucional. Jus Navegandi, Teresina, a.4, 36, nov. 1999. http:/www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=141. Acesso em: 08/11/2011.

FARIA, Kelly Ricardo da Silva. Tribunal do Júri: breves considerações. Disponível em http://www.iuspedia.com.br 29 jan. 2008. Acesso em: 08/11/2011.

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Autor: Alexandre Leal Oliveira


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