Da inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º da lei (9.613/1998), da lei de lavagem de dinheiro



Da inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º da Lei (9.613/1998) da Lei de Lavagem de Dinheiro

RESUMO

     Este artigo tem o escopo de demostrar a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º da Lei (9.613/1998), da Lei de Lavagem de Dinheiro, que veda a aplicação do artigo 366, do Código de Processo Penal, haja vista que, fere diretamente os princípios do devido processo constitucional, princípio do contraditório, princípio da ampla defesa, e princípio da presunção de inocência, previstos na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, direitos estes que são inerentes ao homem para uma maior segurança jurídica indo sentido oposto à dignidade da pessoa humana e aos bens jurídicos tutelados na Constituição Federal.

INTRODUÇÃO

     Segundo o grande mestre Guilherme de Souza Nucci "O réu, citado por edital, se não comparecer, nem constituir advogado, não será processado enquando durar sua ausência. Suspende-se o curso do processo e igualmente o da prescrição. Pode-se determinar a produção de provas urgentes e, conforme o caso, decretar-se a prisão preventiva (art.366, CPP)". Como podemos ver o objetivo da norma do art.366 CPP teve como finalidade garantir a ampla defesa e o contraditório efetivos do acusado no processo penal bem como evitar uma série de erros judiciários, já que é quase certo que o mesmo não tenha conhecimento de que se tornou réu, razão pela qual não poderá se defender. Acontece a suspensão do processo, em face da citação  por edital do réu e consequentemente ausência,  a todos os procedimentos previstos em  legislação especial, salvo se houver expressa  disposição em contrário, como acontece com o  artigo 2º, § 2º da Lei (9.613/1998). Lei esta que iremos abordar mais atentamente, objetivando esclarecer se a mesma está de acordo com nossa Lei maior a Constituição Federal de 1988.

 DESENVOLVIMENTO

     Os crimes de lavagem de dinheiro mereceram uma maior atenção do nosso legislador pátrio devido a evolução da sociedade, pois conquentemente a criminalidade também alterou seus métodos criminosos para garantir a impunidade. Nas palavras de André Luís Callegari:

     “De acordo com o estudo realizado pode-se afirmar que a lavagem de dinheiro se encontra estreitamente vinculada à criminalidade organizada, pois, na maioria dos casos, a comissão desse delito requer uma estrutura não só para a comissão da lavagem como também do delito previsto, o que origina os bens que serão lavados. É certo que, na maioria das vezes, o delito que gera mais ganhos é o tráfico de drogas e, portanto, está muito vinculado à lavagem de dinheiro. Porém, no Brasil, não somente ele gera grandes quantidades aptas à lavagem. Assim, podemos citar outras atividades criminosas com as quais se obtêm grandes somas de dinheiro ou bens, como o tráfico de armas, o jogo ilícito, a subtração de veículos e seu contrabando, a extorsão mediante seqüestro, as redes de prostituição e a exploração sexual, os crimes contra a administração pública, o roubo de cargas etc. As organizações criminais se movem pela facilidade de obtenção de grandes quantias de dinheiro com a comissão de alguns delitos que ultrapassam as fronteiras dos países. Essas grandes somas tendem a ser recicladas mediante sua introdução nos circuitos financeiros, obtendo assim uma aparência de legalidade”.

     Já a palavra "processo" tem sua origem no latim procedere, e significa seguir adiante, caminhar, avançar, sendo que todo processo deve estar em harmonia com a Teoria Geral do Processo, e consequentemente com a contituição federal que é nossa lei maior. Alguns princípios são basilares para um Estado Democrático de Direito e limitam o poder do Estado de punir e é na Constituição Federal, que encontramos a norma de validade e o ponto de partida para todo o ordenamento jurídico brasileiro. Porém o artigo 2º, § 2º da Lei (9.613/1998) da lei de lavagem de dinheiro, fere claramente os princípios processuais penais que encontram garantia constitucional como: princípio do devido processo constitucional, princípio do contraditório, princípio da ampla defesa, e princípio da presunção de inocência.

     Referente ao Princípio da Presunção de Inocência ou Estado de Não Culpabilidade Por este princípio ninguém será considerado culpado senão após uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado, segundo o disposto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal. Segundo Guilherme de Souza Nucci:

     "O princípio do devido processo legal é, sem dúvida, o aglutinador dos inúmeros princípios processuais penais (art. 5º, LIV, CF). Constitui o horizonte a ser percorrido pelo Estado democrático de Direito, fazendo valer os direitos e garantias humanas fundamentais. Se esses forem assegurados, a persecução penal se faz sem qualquer tipo de violência ou constrangimento ilegal, representando o necessário papel dos agentes estatais na descoberta, apuração e punição do criminoso”.

     “Quer dizer que a toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo por uma das partes, tem o adversário o direito de se manifestar, havendo um perfeito equilíbrio na relação estabelecida entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade e à manutenção do estado de inocência do acusado (art. 5º, LV, CF)”. Já sobre a ampla defesa aduz Bárbara Profeta:

     "Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de trazer para o processo todos os elementos permitidos na lei que possam esclarecer a verdade. O réu ou o acusado também pode omitir-se ou calar-se, se entender necessário. Caso seja comprovado que o réu ou o acusado foi inibido de exercer esse direito por algum mecanismo qualquer, o processo pode ser anulado."

     “(...) cuida referido artigo (366) da suspensão do processo decorrente da citação por edital. O direito de ser informado da acusação é impostergável (v. Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8º, que tem ‘status’ constitucional, por força do art. 5º, § 2º, da CF). Todo acusado tem esse direito. Faz parte da ampla defesa. É garantia constitucional, que não pode ser suprimida pelo legislador infraconstitucional. Conclusão: o art. 2º, § 2º, da Lei 9.613/98 ganhou vigência, mas não possui validez (Ferrajoli). Não é juridicamente válido. É um nada jurídico” Conforme preconiza Luiz Flávio Gomes."

 CONCLUSÃO

     De acordo com o modelo penal garantista de Luigi Ferrajoli em um sistema em que há rigidez constitucional, a Constituição, de acordo com a visão piramidal proposta por Kelsen, é a "mãe" de todas as normas. Todas as normas consideradas inferiores nela vão buscar sua fonte de validade. Não podem, portanto, contrariá-la, sob pena de serem expurgadas de nosso ordenamento jurídico, em face do vício de inconstitucionalidade. A constituição nos garante uma série de direitos, tidos como fundamentais, que não poderão ser atacados pelas normas que lhe são hierarquicamente inferiores. dessa forma, não poderá o legislador, infraconstitucional proibir ou impor determinados comportamentos, sob a ameaça de sanção penal, se o fundamento de validade de todas as leis, que é a Constituição nos protege da arrôgancia e da prepotência  do Estado, garantindo-nos contra qualquer ameaça a nossos direitos fundamentais.

     Portanto O direito de ser informado da acusação é irrenunciável, assim, todo acusado tem esse direito, que inclusive tem status de norma constitucional (artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal), já que o mesmo encontra previsão expressa no Pacto de São José da Costa Rica, incorporado pela ordem jurídica interna no Decreto 678/1992, no artigo 8º além do mais, devemos objetivar sempre os direitos e garantias previstos na Constituição Federal, que assegura a todos o contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, aplicando-se, portanto o artigo 366 do Código de Processo Penal, visto que referida proibição é completamente inconstitucional.

     Destarte, diante a inconstitucionalidade do supracitado artigo da Lei de Lavagem de Dinheiro, bem como do conflito legal entre dispositivos, a solução extraída é a aplicação da norma mais benigna, ou seja, a que ordena a suspensão do processo e da prescrição, quando o acusado, citado por edital, não comparece à audiência nem constitui advogado.

BIBLIOGRAFIA

CALLEGARI, André Luís. Lavagem de Dinheiro. Barueri: Manole, 2004.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

GOMES, Luiz Flávio; OLIVEIRA, William Terra; CERVINI, Raúl. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 357.

TAVARES, Paulo Sérgio Araújo.

BOBBIO, Norberto.

FERRAJOLI, Luigi.

KELSEN, Hans.


Autor: Matheus Coelho Machado


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