Decadência e prescrição previdenciária sob a ótica da "actio nata" um novo olhar sobre a questão



Todo o estado democrático e de direito tem a isonomia, isto é, a  igualdade como seu princípio basilar de justiça e aplicação do direito e o Brasil não pode fugir à regra  insculpida no caput do artigo 5ª da Constituição da República.

 

Nos dias atuais é de notório conhecimento que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)  é um dos maiores demandados de todas as esferas do Poder Judiciário como um todo, sendo que um grande número de demandas se refere ao volume  de ações visando o pagamento de uma ou outra revisão e que não foram constitucional ou legalmente observadas pela autarquia previdenciária.

 

A imprensa seja na sua forma televisiva, escrita ou virtual, todos os dias, noticia questões sobre o pagamento de diferenças devidas pelo INSS, e seus desdobramentos como, por exemplo, o caso do “teto previdenciário”.

 

É dentro desse contexto que se encontram regulada as questões da prescrição e da decadência do direito de revisão dos benefícios previdenciários e cuja norma legal encontra-se prevista nos artigos 103 e 103-A da Lei 8.213/91 cujo teor é o seguinte:

 

Art. 103. É de dez anos o prazo de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia do primeiro mês seguinte ao recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ser pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes na forma do Código Civil.

Art. 103-A.  O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)

§ 1o  No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)

§ 2o  Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004) 

 

Deve-se levar em conta que a prescrição na esfera previdenciária e prevista no dispositivo legal em comentário é relativa ao pagamento das ações judiciais e requerimentos administrativos relativos às prestações vencidas e não atinge o direito relativo à constituição do benefício do segurado.

 

Já a decadência, trata da perda do direito em si, no caso o direito de revisão do beneficio previdenciário, de maneira que o direito de revisão do benefício, segundo a lei, é de dez anos e a cobrança das prestações ou diferenças atrasadas é de cinco anos.

 

Também de dez anos é o prazo para o INSS anular seus atos administrativos e que sejam favoráveis aos beneficiários, salvo má-fé  comprovada.

Nos últimos anos, uma nova corrente jurisprudencial, isto é, várias decisões dos Tribunais Regionais Federais, em especial do Egrégio Tribunal Federal da 3ª. Região que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul, vem aplicando em ações de execução fiscal promovidas pelo INSS o princípio denominado em latim como “res actio nata”, oriundo do art. 189 Código Civil dos artigos 26 e 27 do Código de Defesa do Consumidor para determinar, a grosso modo se dizendo, que o prazo de prescrição do direito de ação surge à partir do momento em que se torma patente a violação do direito, como por exemplo daquele contratante que deveria pagar em uma determinada data uma parcela do contrato e não o faz.

 

Veja-se a decisão que tomamos por paradigma, disponibilizado no Diário Oficial da União de 02/12/2010.:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I - TRF
SUBSECRETARIA DA 1ª TURMA

00020 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0012498-60.2010.4.03.0000/SP 2010.03.00.012498-1/SP

RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI

AGRAVANTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL) ADVOGADO : MARLY MILOCA DA CAMARA GOUVEIA E AFONSO GRISI NETO

ENTIDADE: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ADVOGADO : HERMES ARRAIS ALENCAR

AGRAVADO : CALCADOS MAZZEO LTDA ADVOGADO : MAURICIO SERGIO CHRISTINO e outro

ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA DAS EXEC. FISCAIS SP No. ORIG. : 00026666719994036182 3F Vr SAO PAULO/SP

Decisão "Trata-se de agravo legal, interposto pela União Federal, em face da decisão de fls. 146/148 que, negou seguimento ao agravo de instrumento, com base no art. 557, caput, do Código de Processo Civil. O recurso de agravo de instrumento foi interposto pela União Federal, em face de decisão que, em sede de execução fiscal de contribuições previdenciárias, indeferiu o pedido de inclusão dos sócios, co-responsáveis solidários, no pólo passivo da demanda, com fundamento em que está prescrita a pretensão da Fazenda de cobrar o crédito dos co-responsáveis. "...

 "A Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos contados da constituição definitiva do crédito tributado para cobrar judicialmente o débito. " ...

Ora, é pacífico o entendimento na Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, em conformidade com o art. 174 do Código Tributário Nacional (AgRg no REsp 734.867/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Órgão Julgador Primeira Turma, julgado em 23/09/2008, DJE 02/10/2008). No caso sob estudo, os débitos em cobro referem-se ao período de formação da dívida de janeiro/97 a agosto/98, conforme CDA de fls. 14/28, tendo a ação de execução fiscal sido ajuizada em janeiro/99, não se verificando, portanto, a prescrição. A empresa executada foi citada em 30 de abril de 1999 (fl. 33), o que interrompeu o lapso prescricional nos termos do art. 174, I do CTN e, o pedido de inclusão dos sócios foi formulado apenas em julho de 2009 (fls. 137/141), mas apenas após a exequente ter despendido todos os esforços a fim de localizar bens da empresa para saldar o débito. Ora, por força do Princípio da Actio Nata, deve ser considerado como início do prazo prescricional o momento em que a exequente tomou ciência da inexistência de bens da empresa executada, o que ocorreu em abril de 2009 (fl. 133). O Princípio da Actio Nata é o princípio de Direito segundo o qual a prescrição e decadência só começam a correr quando o titular do direito violado toma conhecimento da existência de um fato e da extensão de suas conseqüências. Está encampado pelo ordenamento jurídico pátrio no Código de Defesa do Consumidor (arts. 26 e 27), no Código Civil (art. 189) e também restou reconhecido na Súmula nº 278 do STJ, segundo a qual: o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral. Ademais, a análise dos autos indica que a exequente não permaneceu inerte no feito originário, diligenciando no sentido de localizar o devedor e bens da sociedade para saldar o débito. (destaques do autor).

 

Se assim o é o mesmo entendimento deve ser aplicado aos beneficiários e pensionistas do INSS com as seguintes ponderações:

 

Quando um segurado ou pensionista do INSS recebe a carta de concessão saberá se todos os índices e correções foram aplicados corretamente?

 

Se a resposta fosse positiva não haveria tantas ações contra o INSS e ensejarem, por exemplo, as questões das revisões “do teto previdenciário”, “do buraco negro”, etc.

 

Ousamos afirmar, sem o menor temor, que a grande massa das pessoas que se aposentou até hoje NÃO tem suficiente discernimento para constatar se o benefício concedido foi corretamente calculado.

 

Somente uma análise mais aprofundada do processo administrativo de concessão do benefício ou pensão é que pode apontar o erro na grande maioria das vezes e salvo raras exceções oculta do cidadão.

 

Hoje existe um verdadeiro exército de advogados, contadores e peritos que conhecem os erros de cálculos e errada aplicações de índices pelo INSS. São esses profissionais que informam ao beneficiário quais os direitos que possuem e, quais as revisões que o aposentado ou pensionista tem direito. Outra parcela dos aposentados se dirige diretamente para os Juizados Especiais Federais e ingressam com ações postulando os benefícios, mas cujo resultados nem sempre serão os esperados.

 

É risível considerar que para saber se a aposentadoria, auxílio ou pensão foi corretamente calculo, deva o beneficiário consultar um profissional para conferência do valor a ser recebido.

 

Se assim o é e seguindo a mesma linha de entendimento do E. Tribunal Regional Federal da 3ª. Região (SP/MS) e que é o mesmo Órgão de Poder que julga as questões previdenciárias e, considerando que o segurado não tem o imediato conhecimento do erro ou omissão em seu benefício, não será a contar do “o dia do primeiro mês seguinte ao recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, no dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”, informa a lei, mas o momento em que efetivamente que souber que foi lesionado.

 

É a consequência lógica da aplicação do mesmo entendimento para reconhecimento do direito do INSS redirecionar a ação de execução para os sócios de uma empresa, uma vez que foi somente quando a autarquia previdenciária constatou que não existiam bens da referida sociedade que lhe nasceu o direito de acionar aos mesmos sócios.

 

Portanto somente quando uma vez constatada uma lesão ao direito do segurado por erro na forma do cálculo da aposentadoria ou benefício desse é que iniciar-se-á o prazo decadencial para propositura do pedido de revisão.

 

Mas qual o termo inicial do prazo para o segurado verificar se houve erro no cálculo de sua aposentadoria ou benefício?

 

Em que pese à existência de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais em sentido diverso temos que o direito de pleitear a revisão o benefício, com base no entendimento acima, terá como data inicial a data do efetivo conhecimento do erro, mas a questão aqui apresentada ainda haverá de gerar diversos debates.

 

            Aliás, a questão da decadência somente teve um prazo firmado após 28 de junho de 1997, quando a Lei Federal 9.528/1997 alterou a redação primitiva da Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios), antes dessa nova lei, não era prevista qualquer decadência de direito em desfavor dos segurados.

 

            Ora, como não se discutiu a questão da segurança jurídica anteriormente à vigência da Lei 9.528/97, tal argumento não pode ser agora utilizado.

 

            Diga-se mais: Ao nosso ver, toda a vez que a administração pública afronta a constituição ou a lei  de má-fé  como qualquer pessoa ou ente sujeito a aplicação do direito como um todo, com a aplicação analógica da parte final do caput  do art. 103-A da Lei Federal 8.213/91 em sua atual redação.

 

            Em síntese: Com base na aplicação do princípio da “actio nata” que o Poder Judiciário aplica em favor ao próprio INSS, o prazo para o segurado pedir a revisão da sua aposentadoria ou de seu benefício deve ser contado do momento em que esse tiver conhecimento do erro ou lesão, podendo o termo inicial tornar o pedido imprescritível, como já o era antes de 28 de junho de 1997, o que não gera qualquer insegurança para o INSS, pois, em havendo erro por violação da constituição ou da lei, há consequente má-fé da administração a obstar a decadência.

 

            Por fim, de qualquer maneira, o prazo par cobrar  as diferenças deverá ser o de cinco anos, em observância ao regramento legislativo existente.

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Autor: Maurício Sérgio Christino


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