Resenha: Rodrigo, Lídia Maria. Maquiavel: educação e cidadania. Petrópolis: Vozes, 2002, 124 p.



Resenha: RODRIGO, Lídia Maria. Maquiavel: educação e cidadania. Petrópolis: Vozes, 2002, 124 p.

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

            A obra Maquiavel: educação e cidadania, de Lígia Maria Rodrigo, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), discute as interfaces entre política, cidadania e educação, a partir do pensamento de Nicolau Maquiavel (Niccolò Machiavelli) (1469-1527), no que se revela um significativo e bem sucedido desafio teórico de conceber esses temas no interior do pensamento maquiaveliano, que, muito embora não oriundo necessariamente de um pedagogo – e sim de um dos pais da ciência política moderna –, assume a questão educativa como de grande importância para um projeto político mais amplo.

            Dedicando-se ao estudo da política, Maquiavel assumia como projeto político a construção de um Estado forte, a par da situação débil, violenta e instável da região onde estava a sua terra natal, Florença, no que emerge a sua concepção acerca da natureza do homem, concebendo-o como mais propenso ao mal que ao bem, o que inclusive se toma como algo intrínseco à condição humana.

            No ínterim do pensamento do florentino – como desenvolvido por Lídia Maria Rodrigo, que trabalha na obra outros relevantes aspectos histórico-conceituais capazes de situar o leitor em uma perspectiva de compreensão ampla – tem-se a astúcia como elemento de significativa relevância, de maneira que, quase como reflexo dessa condição humana ruim, o governante – “príncipe” – não seja alguém de fato possuído de virtude, mas sendo apto a construir uma imagem de boa aparência junto aos governados – “súditos” –, subvertendo ação e representação para a manutenção dela (p. 49).

            Embora tenha deixado críticas ao cristianismo, Maquiavel entendia a religião com um propósito educativo, visto contribuir para a manutenção da ordem – e em paradigma de oposição ao caos –, visto possibilitar a obediência do povo às leis e aos dirigentes (p. 74), no que, por oportuno, se soma o julgamento do florentino que o povo não é capaz de uma distinção verdadeira acerca do bem e do mal, igualmente incapaz de apreender de forma global e mais ampla o projeto político do príncipe (p. 81).

            A autora resgata a técnica de Maquiavel de se servir do passado enquanto elemento de comprovação de seu raciocínio, resgatando excerto da obra Discorsi, III, 28:234), acerca de Spúrio Mélio, rico cidadão romano que distribuiu suas reservas de cereais em um surto de fome. Conquistando o favor popular e sendo potencial causador de inconvenientes, acabou por ser executado (p. 87), ilustrando o perigo da reputação obtida por meio privado. Segue, então, a suspeição do cidadão ambicioso, de maneira que, diferentemente do principado, em uma educação republicana a educação para a cidadania colima ao esforço do indivíduo em aliar-se às leis e instituições e menos às figuras pessoais das autoridades (p. 89).

            A educação para a cidadania lembre-se, é parte de um projeto maior em que no Estado haja a convivência harmônica dos homens, imersos em suas diferenças, maus em sua natureza, além de egoístas e divididos conforme seus interesses (p. 91). A malignidade do homem é, então, um dado importante para a compreensão da ação educativa, redirecionando os homens dela, esbarrando, no entanto, nos limites relacionados à impossibilidade de sua extinção, emergindo, ainda assim, verdadeira alternativa para lhe possibilitar uma vida civil (p. 92). Daí que se constrói e educa o indivíduo público – membro de uma comunidade, em sua dimensão pública, a par da privada –, que tem conduta orientada por leis e instituições.

            Essas são preocupações – como com precisão bem apontou a autora – com o comportamento exterior do indivíduo, são-nos a razão pela qual essa orientação política não possa ser pedagogia stricto senso, uma vez que esse interesse presente no estudo do regime republicano não é suficiente para fazer de Maquiavel um pedagogo (p. 93). Coerentemente, nisso se põe a distinção entre moralidade e legalidade, onde a primeira autoconstrange a consciência e a segunda, cabe na regulamentação de convivência entre os homens (p. 93), no que surge importante papel da persuasão e coação para a modificação de conduta.

            Haveria a virtú – que na obra O Príncipe (redigida em 1513) se dedica ao exame da monarquia e do soberano –, a excelência, com a prevalência do interesse público sobre o privado, reposicionando a natureza do homem que converge em sentido contrário (p. 97).

            Reitere-se, então, que a educação para a cidadania cria freios aos impulsos dos homens – valendo-se dos mecanismos do constrangimento e persuasão –, possibilitando a convivência entre eles, mesmo com os limites já mencionados (p. 107), posto que a bondade – edificada na ação educativa – se coloca como circunstancial face à insatisfação humana diante do inerente infinito desejo, seguindo-se a advertência de seus limites e de uma possível insolência do povo tendente a fazê-lo ultrapassar as barreiras de coação, de leis e armas, somada ao insucesso da retórica em persuadir o governante rumo ao governo de glória e não naquele do caminho da tirania (p. 108).

            Por derradeiro, a obra Maquiavel: educação e cidadania, de Lídia Maria Rodrigo, constitui-se em importante referência para a compreensão dos temas da educação e cidadania no interior do pensamento político do florentino, que enxergou na ação educativa um dos mecanismos de estruturação e manutenção do poder, tarefa inerente ao governante e à manutenção da estabilidade do Estado.


Autor: Rogério Duarte Fernandes Dos Passos


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