A ilegitimidade do ministério público em promover investigações criminais



INTRODUÇÃO


 A proposta deste artigo é discutir a polêmica instaurada na comunidade jurídica acerca da ilegitimidade do Ministério Público em promover investigações criminais.

 Este tema vem causando grande repercussão no que se refere à interpretação dos poderes conferidos ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988.

 Baseado em dispositivos constitucionais e em posicionamentos doutrinários, serão abordadas as principais questões que vem sendo suscitadas por ambas as partes; aqueles que defendem a atuação do Ministério Público na fase investigativa e aqueles que se posicionam contrariamente devido a atribuição de competência expressa pela Constituição.

 

 EXPOSIÇÃO

 O sistema processual penal brasileiro na persecução penal é tido como misto, pois, compreende as fases de investigação e de juízo, a primeira a ser realizada pela Polícia Judiciária e a segunda a ser presidida pelo Ministério Público, por ser este a instituição competente a promover a Ação Penal.

 Dentre as prerrogativas atribuídas ao Ministério Público estão: a promoção privativa da Ação Penal Pública, a instauração do inquérito civil e da Ação Civil Pública, a requisição para instauração do inquérito policial, o controle externo da atividade policial, a solicitação de diligências e informações à polícia judiciária, e por fim, o oferecimento da denúncia.

 Em contra partida, à Polícia Judiciária, a saber, Polícias Civis (Civil e Federal), incumbe-se a realização de investigações criminais que visam a coleta de provas e apontamentos quanto a autoria e materialidade do crime. Por meio das informações compiladas no Inquérito Policial o Ministério Público se embasa sustentando o oferecimento ou não da denúncia.

A discussão se instaura a partir dos entendimentos conflitantes derivados da interpretação dos dispositivos constitucionais.

 Quanto aos poderes conferidos ao Ministério Publico, prevê a CF/88:

 “Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

 § 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

 Neste sentido, preceitua Alexandre de Moraes:

  “(...) a Constituição Federal de 1988 ampliou sobremaneira as funções do Ministério Público, transformando em um verdadeiro defensor da sociedade, tanto no campo penal com a titularidade exclusiva da ação penal pública quanto no campo cível como fiscal dos demais Poderes Públicos e defensor da legalidade e moralidade administrativa, inclusive com a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública”.

 É inegável que atuação do Ministério Público tende a manter o direito como unidade e a zelar pelos interesses individuais e coletivos indisponíveis, no entanto, não há que se falar em extensão de poderes. Os poderes conferidos ao Ministério Público não são amplos e, por assim dizer, devem ser limitados ao interesse público.

 Não obstante a este argumento, um percentual expressivo da comunidade jurídica favorável à atuação do Ministério Público na fase investigativa, também se vale da interpretação em que, o Ministério Público enquanto titular da Ação Penal não pode se comportar como mero sujeito passivo.

 Ou seja, cabe ao Ministério Público não apenas requisitar informações à polícia judiciária como também, realizá-las diretamente, pois esta conduta facilita a formação de seu convencimento quanto aos fatores idealizadores do crime.

 No entanto, a Carta Magna é clara ao atribuir em seu texto a competência investigativa criminal.

 O Art. 144, §4º da CF/88 prevê:

  Art. 144: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

                         I - polícia federal;

                        II - polícia rodoviária federal;

                        III - polícia ferroviária federal;

                        IV - polícias civis;

                        V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

           § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

 Conforme termos acima, expressamente foi conferida à Polícia Judiciária a competência para realização das investigações criminais.

 Desde já, ressalta que não há que se falar em poder implícito instituído ao Ministério Público frente a um dispositivo expresso da constituição. Assumir uma possível presunção de competência é suprimir funções que originalmente são da Polícia Judiciária.

Nos termos da lei, compete à Polícia Judiciária investigar, ao Ministério Público promover a Ação Penal e ao Juiz, amparado pelos ditames da lei, garantir a proteção dos direitos e garantias fundamentais do investigado.

 Certo é que a fase investigativa não confere ao investigado o mesmo direito de pronuncia instituído na fase processual, e neste sentido, permitir que o Ministério Público proceda com as investigações é o mesmo que desconsiderar os princípios basilares da constituição, tais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Sabiamente, contribuiu com seus dizeres o Doutor e Mestre em Direito Processual Penal, Professor Guilherme de Souza Nucci:

  “O sistema processual penal foi elaborado para apresentar-se equilibrado e harmônico, não devendo existir qualquer instituição superpoderosa. Note-se que, quando a polícia judiciária elabora e conduz a investigação criminal, é supervisionada pelo Ministério Público e pelo Juiz de Direito. Este, ao conduzir a instrução criminal, tem a supervisão das partes – Ministério Público e advogados. Logo, permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisaria ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal”.                  

Como bem fora exposto, o direito constitucional deve ser interpretado de maneira a evitar as verdadeiras antinomias jurídicas entre suas normas e entre os princípios constitucionais. A insistência em extrapolar os limites conferidos ao Ministério Público, pelo simples fato de ser este o defensor da ordem pública, somente vislumbra a inobservância da subordinação instituída pela própria constituição.   

           

 

CONCLUSÃO 

Nota-se que, os argumentos sob os quais se apóiam os defensores pela atuação do Ministério Público, se resumem a estratégias comuns de interpretação de dispositivos devido à inexistência de norma contrária. O que neste caso, não deveria se aplicar haja vista a prerrogativa expressa conferida à Polícia Judiciária. 

A questão não é tão somente a interpretação literal dos termos constitucionais, mas sim a preocupação quanto a aplicação da lei penal e processual penal frente às garantias do investigado numa relação em que ele é a parte hipossuficiente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 MORAES, Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo. Revista dos Tribunais 2011.

 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª Ed. São Paulo: 2010.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. – 12. Ver. E atual. – São Paulo: Saraiva 2005.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de penal interpretado. 10ª Ed - 2005.

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