Breves considerações sobre os crimes de lavagem de dinheiro



1. Introdução

 

Os crimes de lavagem de dinheiro são previstos na 9.613, de 03 de Março de 1998, e pune aquele que introduz na economia, recursos obtidos através de meio ilícito, e aparentemente transformados em legais.

O crime somente se consuma se houver um delito antecedente.

            A lei possui nove Capítulos assim divididos: Capitulo I – Dos Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores; Capitulo II – Disposições Processuais Especiais; Capitulo III – Dos Efeitos da Condenação; Capitulo  IV – Dos Bens, Direitos ou Valores Oriundos de Crimes Praticados no Estrangeiro; Capitulo V – Das Pessoas Sujeitas À Lei; Capitulo VI – Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros; Capitulo VII – Da Comunicação de Operações Financeiras; Capitulo VIII – Da Responsabilidade Administrativa; Capitulo IX – Do Conselho de Controle de Atividades Financeiras.

            Será demonstrado neste trabalho os delitos antecedentes ao crime, as fases da lavagem de dinheiro, como se dá o ônus da prova, as modalidades típicas, a ação penal, a competência, as medidas assecuratórias, como se aplica a teoria da cegueira deliberada nesses crime, os efeitos da condenação.

 2 Conceito:

 A lavagem de dinheiro é caracterizada pela introdução, nos mais diversos setores da economia de recursos obtidos através do meio ilícito e transformados aparentemente em recursos legais. Daí o falar-se em “lavagem de dinheiro” (segundo a nossa Lei n.º9.613/98), “branqueamento de capitais” (em Portugal), “blanqueo de capitales” (na legislação espanhola), “riciclaggio del denaro” (na legislação italiana) e “money laundering” (nos Estados Unidos). A origem do termo lavagem de dinheiro era empregado pelas organizações mafiosas americanas, que utilizavam lavanderias automáticas para dissimular a origem criminosa dos seus recursos financeiros.

Ela somente se caracteriza se existir um crime anterior, ainda que haja a imputabilidade do agente, a autoria seja desconhecida, haja causa de excludente da culpabilidade ou a punibilidade esteja extinta, e este for: de tráfico de drogas; terrorismo e seu financiamento; contrabando ou trafico de armas; extorsão mediante seqüestro; contra a Administração Publica; contra o Sistema Financeiro Nacional; praticado por organizações criminosas ou contra a administração publica estrangeira. Se o autor foi absolvido do crime anterior, com base em uma causa de excludente da tipicidade ou ilicitude não será possível sua condenação pela lavagem de dinheiro. O objeto jurídico tutelado, para a grande maioria da doutrina, é a Administração da Justiça ou a proteção da ordem socioeconômica, uma vez que segmentos da economia estariam sendo atingidos pela pratica de atos criminosos. O objeto material a que se quer proteger seriam os bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente do crime.  

Se houver causa de excludente de ilicitude de crime anterior não haverá o delito de lavagem de dinheiro.

 

3 Fases da lavagem de dinheiro

 O crime de lavagem de dinheiro possui três fases, são elas:

Introdução: é a fase onde ocorre a entrada do dinheiro ilícito no sistema financeiro.

Transformação: é onde fica mais difícil descobrir a origem ilícita do dinheiro, porque este passa por várias movimentações financeiras.

Integração: o dinheiro já com aparência regular é reincorporado ao sistema financeiro.

 

4 A inversão do ônus da prova no art. 4º §2º da Lei 9.613 de 03.03.98

             Dispõe o art. 4º § 2º:

“O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem”.

            A obrigação de provar a origem lícita dos bens em seu poder é do acusado, ocorre nesse caso a inversão do ônus da prova, uma vez que de acordo com o art. 156 do Código de Processo Penal, o ônus da prova caberá a quem fizer alegações. Comprovada a licitude dos bens o juiz determinará sua liberação dos mesmos.

            Essa inversão é precursora de várias discussões, uma vez que existe o princípio constitucional de presunção de inocência, previsto no art. 5º LVII, onde ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, no entanto as provas que o acusado fizer contra si não irão interferir diretamente no seu direito de locomoção e sim no seu patrimônio, uma vez que o bem jurídico tutelado não é a liberdade de locomoção.                       

 

5 Constitucionalidade

 

A Convenção de Viena de 1988, trouxe as primeiras referências sobre a repressão do Brasil no que se refere ao tema lavagem de dinheiro, onde foi motivado pelos elevados lucros através do trafico de drogas, ratificada posteriormente pelo Decreto nº154 de 26-06-1991. 

No ano de 1998, mais precisamente no dia 03 de março, o crime passou a ser tipificado pela Lei 9.613, e criou juntamente com ela o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, cuja função primordial é juntamente com órgãos governamentais evitar que os setores da economia, continuem sendo usados nas operações ilícitas.

 

6 Modalidades Típicas

             A primeira modalidade típica esta prevista no caput do art. 1º da Lei 9.613, que dispõe:

“Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de crime”.

Duas são as condutas típicas desse crime: ocultar ou dissimular de qualquer maneira produto de origem ilícita, o crime é de modalidade dolosa, uma vez que para ocultação ou dissimulação do bem o agente saiba ou deva de sua origem irregular. O agente deverá responder pelo crime em concurso material com o crime antecedente. O delito é permanente, bastando para sua configuração a ocultação ou dissimulação.

A segunda modalidade típica esta prevista no §1º do art. 1º:

“Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo”.

 I - os converte em ativos lícitos;

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros

O crime e de ação múltipla, e sua consumação ocorre com a mera pratica, independente de ocultação ou dissimulação, pois se trata de crime formal. As condutas devem ter sido praticadas com a finalidade especifica de ocultar ou dissimular.

A terceira modalidade típica esta prevista no art. 1º §2º que dispõe

“Incorre, ainda, na mesma pena quem:

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo;

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.                                               Pune-se aquele que insere o bem na atividade financeira sabendo ser de origem ilícita, e aquele que e participante de grupo, associação ou escritório que realiza atividade relacionada a lavagem de dinheiro, basta que participe para configurar o crime. As condutas são puníveis na modalidade dolo direto.

7 Persecução Penal

O procedimento da lavagem de dinheiro é tratado pelo Capitulo II da Lei, onde os crime serão de competência da Justiça Federal, e a ação publica incondicionada, devendo o Ministério Publico oferece-la através da denuncia.

Há autonomia no processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro quanto ao do processo anterior, essa previsão é do inciso II do art.2º, mas há inúmeras criticas em relação a este artigo uma vez que a lavagem só se consuma com a existência de crime anterior.

8 Aplicação da teoria da cegueira deliberada

            No intuito de detectar prontamente os crimes de lavagem de dinheiro, a lei no seu artigo 10 e 11, obriga as pessoas mencionadas no art. 9º, a comunicar operações financeiras e identificar seus clientes mantendo autoridades competentes avisadas, sob pena de responsabilidade administrativa, tudo isso para detectar o crime de lavagem de dinheiro, uma vez que ele só é descoberto quando da investigação de crime antecedente.

No entanto surgiu uma teoria denominada de cegueira deliberada, também conhecida como teoria da instrução de avestruz, onde pune o agente que age de modo indiferente quanto a procedência ilícita dos bens, direitos ou valores, tudo com a intenção de levar vantagem.      

“A maior critica á teoria é a tendência de condenar o acusado sob um fundamento de negligência para crimes que requerem dolo. A crítica pode ser deflagrada após pensarmos cuidadosamente sobre como uma avestruz realmente reage. Elas, segundo popularmente se afirma, enterram suas cabeças na areia para que não vejam ou escutem más notícias. Deste modo, deliberadamente, evitam tomar conhecimento de fatos desagradáveis. A teoria da instrução da avestruz é aplicada em casos em que há evidências que o acusado, sabendo ou suspeitando fortemente que está envolvido em algum ato ilícito, enterra a cabeça para ter certeza que não tomará conhecimento exato da natureza ou da extensão desse ato. Um esforço deliberado para evitar o conhecimento do ilícito que possam levar à culpa é a culpa suficiente que a lei requer”.         

O exemplo mais comum é o do furto do BACEN de Fortaleza-CE, que ocorreu em 2.005, quando uma quadrilha no dia seguinte após o furto, compraram 11 veículos de uma revenda de carros, os responsáveis foram condenados em primeira instancia e absolvidos pelo TRF.¹

9 Causas de aumento de pena.

            O § 4º do art. 1º da Lei 4898, prevê causas de aumento de pena de 1 a 2/3 quando o crime for cometido de forma habitual ou por intermédio de organizações criminosas nos crimes de trafico ilícito de entorpecentes ou drogas afins, de terrorismo ou seu financiamento, de contrabando ou trafico de armas, munição ou material destinado á sua produção, de extorsão mediante seqüestro, contra a Administração Publica, ou contra o sistema financeiro nacional. 

10 Delação Premiada

A delação pode ser tanto na fase judicial quanto na policial, onde o autor, co-autor, ou participe poderá ter sua pena reduzida de 1 a 2/3 que começará no regime aberto podendo ate mesmo deixar de aplica-la se colaborar com a autoridade na prestação de esclarecimentos da infração ou localização de objeto ilícitos.

11 Competência

             De acordo com o art. 2º da Lei o processo e julgamento dos crime de lavagem de dinheiro, serão de competência da justiça comum, através dos juizes singulares, e independe do julgamento e processo do crime anterior. A competência só será da Justiça Federal quando o crime for praticado: contra o sistema financeiro, a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas publicas; ou quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal. (art.2º, III, a, b ).

12 Medidas Assecuratórias

Dispõe o art. 4º da Lei: “O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou representação da autoridade policial, ouvido o Ministério Público em vinte e quatro horas, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão ou o seqüestro de bens, direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu nome, objeto dos crimes previstos nesta Lei, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.”

São medidas aplicadas quando há indícios de que os bens são provenientes de ato ilícito, e que podem ser liberadas pelo juiz, quando comprovada a licitude da origem dos bens. Para liberação dos bens o acusado deverá comparecer pessoalmente, e pedir sua restituição.

13 Ação Controlada

            É o retardamento da prisão em flagrante para que as autoridades realizem a prisão no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas. É uma técnica de auto grau de eficácia.

14 Efeitos da Condenação

            Os efeitos da condenação estão previstos no Capitulo III da Lei, art. 7º, e dispõe que: “São efeitos da condenação, alem dos previstos no Código Penal: I – a perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime previsto nesta Lei, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé; II – a interdição do exercício do cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerencia das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada”. 

 

15 Conclusão

A lei 9.613/98, surgiu, no intuito de combater a criminalidade e garantir a segurança da população face aos crimes de lavagem de dinheiro, sua entrada no ordenamento surgiu como um auxilio para outras leis, uma vez que tenta combater vários outros crimes que tiram proveito das movimentações financeiras para ocultar a origem ilícita e desfrutar dos resultados que o delito cometido oferece.

É fisicamente impossível carregar esse dinheiro, então é lavado pelas quadrilhas, em volumes diversos, e é o que fazem criminosos mundo afora.

O crime em tela gera grande descontrole no sistema econômico-financeiro, e trás prejuízos para aqueles que agem dentro das normas legais.


Autor: Priscila De Araújo Satil


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