Neoliberalismo e mercantilização da educação



NEOLIBERALISMO E MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

 

 

Idanir Ecco[1].

 

Querem nos impor uma nova mentira como verdade histórica: a mentira da derrota da esperança, a mentira da derrota da dignidade, a mentira da derrota da humanidade.

                                                             (Subcomandante Marcos do Exército Zapatista  

                                                               de Libertação Nacional – México, 1996)

 

RESUMO

A intenção em problematizar a educação no contexto do neoliberalismo consiste em averiguar e compreender a realidade educacional relacionada ao modelo de sociedade vigente. Além da educação, sociedade e práticas docentes, são tematizados os contextos em que se processam  o ensinar e o aprender. O presente estudo atesta ,também, que está em curso um processo de mercantilização da educação, impactando os contextos, os espaços da educação institucionalizada. Aponta e justifica que tomar o ser humano como centralidade, como parâmetro da educação consiste na possibilidade viabilizadora para reverter/superar a experiência mercadológica educacional. Finaliza enfatizando que o desafio da educação consiste em contribuir na edificação de um mundo mais solidário, cooperativo, bem como em ajudar a nascer um novo humanismo.

 

Palavras-chave: Neoliberalismo; Educação; Mercantilização; Humanização

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A preocupação para com a educação relacionada com o contexto sócio-político-econômico acompanha o processo histórico das sociedades humanas. Pareceria ser o centro de todas as atenções, prioridades eternas das políticas sociais e econômicas, acompanhada de juras inabaláveis de políticos que, “fervorosamente” e “convictamente”, concebem educação como fator de desenvolvimento.

Observa-se com nitidez governos de todas as esferas (internacional, nacional, estadual e municipal) declamando educação como prioridade número um. Até o Banco Mundial se tem por Banco da Educação! Discursos cínicos em relação à educação são notórios. Prega-se sua relevância, e, no entanto, se faz dela um negócio: educação atrelada ao mercado, a “mão invisível” que comanda títeres.

E, considerando o processo educacional escolar, é possível identificar essa relação, pois, conforme Gandin (2000, p. 08)  “o sistema escolar se organiza segundo as linhas estruturais da sociedade em que se insere [...]”. Giroux (1997, p. 46), por sua vez, confirma que:

[...] as escolas não existem em perfeito isolamento do resto da sociedade. Elas incorporam atitudes coletivas que permeiam todos os aspectos de sua organização. Em essência, elas não são coisas, mas manifestações concretas de regras específicas e relacionamentos sociais. A natureza de sua organização é baseada em valores.

 

Este texto objetiva mediante o auxílio de um referencial teórico, apreender e compreender elementos da política neoliberal no contexto educacional. A pretensão não é esgotar o assunto, mas provocar o debate, inquietar, contribuir para a reflexão nesta conjuntura.

A reflexão temática justifica-se, considerando que a mercantilização da educação, representa a privatização de direitos que deveriam ser de todos, eqüitativamente.

As ponderações transcritas são decorrentes da formulação de questões e da estruturação das respostas referentes. O que segue, são algumas indagações que possibilitaram problematizar o tema em questão: que elementos do neoliberalismo são identificáveis na prática educacional? Que medidas (ações concretas) adotadas atestam a co-relação educação/mercado? Que parâmetros/princípios educacionais a sociedade neoliberal re-clama na formação dos seres humanos? Qual a concepção de aluno (de homem) que subjás às práticas pedagógicas? Qual o destino da maioria da população? Será que devemos nos submeter aos desígnios do mercado?

1 Educação: “vende-se” / “compra-se”

 

O fenômeno da globalização[2], como processo de reestruturação do sistema capitalista, mediante a adoção de políticas que perpassam não somente a dimensão econômica, caracteriza a sociedade relativa aos dias atuais. A forma ou estratégia de administração da globalização, está adequada aos princípios do modelo neoliberal[3], que é uma veemente reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem estar.  Incontestavelmente, é um processo sem precedentes na história das sociedades humanas, considerando sua abrangência, sua amplitude e poder de dominação. Expressa-se no consumo de supérfluos e descartáveis, no gosto condicionado das pessoas, na divisão da sociedade em consumidores e mercadorias. Obviamente, prima-se por “bons” clientes. Vender e comprar: a magnífica e sedutora epígrafe.

A educação, enquanto fenômeno social, sofre influências da ampla reestruturação

da sociedade (em curso), numa escala sucessiva e globalizante, redefinindo práticas e políticas educacionais. Está evidente a globalização da educação, como processo cultural mediante o processamento, difusão e transmissão de informações. Implica, portanto, numa uniformização de padrões econômicos e culturais.

Nesse contexto, a lógica empresarial, mercantil, se impõe à política. Com a retirada do Estado no plano de desenvolvimento das sociedades, conseqüentemente, “entra em cena” a privatização dos serviços públicos e a restrição aos direitos sociais. Indubitavelmente, a exclusão de grupos humanos revela-se como a face trágica e macabra deste momento histórico. Insiste-se em fazer crer que “o destino é isso mesmo”, “não existem alternativas à acumulação do capital”, “é o fim da História” [...]. As insistências para a legitimação da ideologia neoliberal são muitas, como afirma Malaguti (2000, p. 07): “o ideário neoliberal é totalizante e totalitário. Apresenta-se [...] como uma espécie de ‘pensamento único’ ou ‘verdade inquestionável’, procurando impor-se, por esta via, como interpretação exclusiva da realidade social.”

A imobilização da História, apregoada pelo pensamento neoliberal, proclama a “vitória” do presente. Ao ser humano, nessa condição, cabe-lhe, unicamente, a adaptação. Portanto, é um discurso fatalista, pragmático, que, em suma, caracteriza uma prática político-conservadora. Em contraposição, afirmamos com Fiori (1983, p. 08) que “a ‘hominização’ não é adaptação: o homem não se naturaliza, humaniza o mundo” e humaniza a si próprio. Duarte  (2003, p. 25) fundamenta, argumentativamente, a atividade transformadora e humanizadora do ser humano:

 

Ao produzir os meios para a satisfação de suas necessidades básicas de existência, ao produzir uma realidade humanizada pela sua atividade, o ser humano humaniza a si próprio, na medida em que a transformação objetiva requer dele uma transformação subjetiva. Cria, portanto, uma realidade humanizada tanto objetiva como subjetiva.

 

Urge interpelar quanto à educação, quanto aos destinos da escola pública, na conjuntura globalizante e neoliberal. Como resposta, uma astuta inversão ( e/ou intervenção):  ao caráter de direito é imposto uma nova interpretação, reduzindo a educação à condição mercantil, representando a privatização de direitos que deveriam ser de todos eqüitativamente. Gentili (2001, p. 24), pensando essa realidade afirma:

 

 

 

O neoliberalismo ataca a escola pública a partir de uma série de estratégias privatizantes, mediante a aplicação de uma política de descentralização autoritária e, ao mesmo tempo, mediante uma política de reforma cultural que pretende apagar do horizonte ideológico de nossas sociedades a possibilidade mesma de uma educação democrática, pública e de qualidade para as maiorias.

 

 

O desmonte do que é público e  a ênfase à sua ineficiência fazem parte de um projeto social que privilegia uma pequena parcela da sociedade. Quanto à educação, o grande objetivo “oculto” é a sua despolitização e conversão em bem de mercado.

A “comercialização do ensino” é, também, tema de discussão na Organização Mundial do Comércio (OMC). O jornal Correio do Povo (19 de junho, 2002, p. 10), expõe ao público,  destacadamente, a concepção de educação como serviço: “Comissões da Câmara dos Deputados debatem inclusão da Educação como serviço a ser negociado no Acordo Geral sobre Comércio de Serviços  - Gatt.”

A citação anterior traduz o interesse dos países ricos em dominar um setor vital para a formação de cidadãos. Eis a grande “onda”: educação na perspectiva de acordo comercial, isto é, transformação em mercadoria de livre comércio para suprir interesses globalizantes (interesses econômicos). É o “novo produto”, disponível nas “prateleiras do mercado”. O acesso à educação, nesse contexto, está relacionado e condicionado às possibilidades econômicas dos indivíduos.

Observando a configuração dessa realidade, Gandin (1994, p. 78),  afirma que:

 

Se a sociedade como um todo aceitar a idéia de que a educação não é um direito, mas uma mercadoria (igual a qualquer outra) a ser adquirida no mercado (que os neoliberais insistem ser franqueado a todos os indivíduos na medida de sua competência [...]), teremos a cristalização da já existente desigualdade de educação recebida.

 

Ressurge, enfaticamente, a ética individualista, pulverizando o ideário das pessoas com lemas do tipo: “vence quem for o melhor”, “é preciso ser o primeiro”[...]. E no campo educativo, está em evidência uma nova nomenclatura: “competências”, “habilidades”, “empregabilidade”[...] que, segundo Frigotto (2002, p. 07), “constituem uma construção social ideológica, ou do imperialismo simbólico da perspectiva mercantilista de educação”.

Contatando com alunos e problematizando as possibilidades de trabalho, pude observar a interiorização passiva dos aspectos individualistas e de competição referendados pelo mercado de trabalho, traduzidos nas formulações expressas em suas falas e tidas como verdadeiras: “para vencer é preciso ser o melhor”, “tem trabalho quem estiver melhor preparado”. O outro não passa de um mero competidor.

O campo educativo é guiado por uma concepção produtivista e empresarial. Objetiva-se a formação para a competitividade. O critério final não é a dignidade humana ou a cidadania, pois “o pragmatismo neoliberal, não tem nada a ver com formação”. (FREIRE, 2000, p. 123). Consagra-se a diferença como fonte de privilégios.

Esboça-se, pelo exposto, o estigma da “qualidade total”, que não passa de um discurso sutil do neoliberalismo, reduzindo-a a um mero critério produtivista, pois traz para a educação a lógica do mercado capitalista: perpetuar a exclusão social.

A ofensiva neoliberal dirige-se, também, para o interior das escolas, pois, segundo Silva (2002, p. 20):

 

[...] a estratégia neoliberal não se contentará em orientar a educação institucionalizada para as necessidades da indústria nem em organizar a educação em forma de mercado, mas que tentará reorganizar o próprio interior da educação, isto é, as escolas e as salas de aula, de acordo com esquemas de organização do processo de trabalho.

 

 

Os ditames mercadológicos colaboram com a manutenção das desigualdades. Enfaticamente prima-se pelo individual, em que  “ser criativo” é sinônimo de estrategista, cujo objetivo é vencer (dominar) o outro, na desenfreada, desigual e injusta competição.

Os princípios supracitados, na concepção neoliberal, estão determinados pelo lucro e subordinados ao capital. Logicamente,  não promovem a humanização dos seres humanos envolvidos nos processos educativos, pois promovem sutilmente a mercantilização das relações interpessoais. Os princípios educacionais operacionalizam-se mediante uma concepção educacional centrada na técnica, no fazer, no empreendedorismo.

O sucesso na venda de um determinado produto relaciona-se à propaganda do mesmo, mediante a capacidade de persuadir as pessoas para que consumam, adquiram satisfatoriamente. E a educação insere-se nesse modelo mercadológico, pois se comercializam cursos em todos os níveis. A esfera da cultura tem sido invadida pelo convencimento, mediante a adoção de estratégias equivalentes e aceitas sem fortes resistências. Essa naturalização é, também, constatada e denunciada por Gandin (2000, p. 20) e assim registrada: “para as escolas que simplesmente querem responder às demandas do mercado de trabalho e da introdução da lógica do mercado na educação, o caminho de buscar a propaganda e mostrar que elas estão adaptadas às novas exigências, parece natural.”

A difusão propagandística das instituições escolares, bem como a ênfase na oferta de seus cursos profissionalizantes, visível nos centros urbanos, liga-se diretamente às transformações que estão ocorrendo na profissionalização e na possibilidade de trabalho. É a escola adaptando-se às configurações da sociedade. O crescente número de cursos de licenciaturas, de especializações implantados expressa a dimensão econômica da educação e “este fato fez com que proliferassem em grande número em instituições de ensino, uma vez que se tornam grandes fontes de lucro para as empresas educacionais”. (FONSECA, 1994, p. 26).

 

2 Algumas Implicações da mercantilização educacional

Afirmar que educação pode ser comparada a uma mercadoria implica a existência de clientes, de consumidores. E os alunos não são  concebidos na sua humanidade, que almejam, pela escolaridade, seu desenvolvimento integral ou, ao menos, um norte em seu percurso de formação. Eclipsa-se a dimensão formadora dos estudantes, como pessoas humanas, ao concebê-los como clientes, interagindo no mercado, com opção restrita: ou compra ou deixa de comprar. É o rompimento da lógica dos direitos, que é política, pela lógica mercadológica, que não tem espaços para articulações reivindicatórias. O saber, segundo Fiori (1991, p. 78), “[...] se transforma em instrumento de mistificação das consciências: não liberta, justifica a servidão. [...] se transformaem domesticação. Oensino não propicia a participação comum”.

Zaffari (2001, p. 02), enfatiza essa inversão, referindo-se à concepção de aluno e, também, ao papel desempenhado pelo professor, nesse contexto:

 

[...] o aluno de pessoa passa a ser cliente e como tal é visto na óptica do consumidor do saber [...] o professor, por sua vez se constitui um super ou micromercado, “possuidor” de algumas mercadorias, cujo prazo de validade é constantemente remarcado em encontrinhos de fim de semana.

 

 

No paradigma educacional escolar caracterizado por relações mercadológicas, o aluno, verdadeiramente, é concebido como cliente, e o professor, prestador de serviços para a empresa escola.

É importante destacar que palavras e conceitos estão carregados de significados, isto é, não são neutros. Identificar alunos como “clientes” e não como “sujeitos” é afirmar uma concepção política. Portanto, não se refere apenas a uma alteração de nomes. A palavra “cliente” correlaciona-se a palavras como “consumidor”, “mercado”, “mercadoria”, “aquisidor”, “comércio”.

Observa-se que os pais que enviam seus filhos para as escolas que anunciaram a eficiência de seus cursos,  que afirmaram suas vantagens na disputa de espaço no mercado de trabalho, em suma sua educação, esperam que o ensino e seus resultados correspondam à propaganda.

O ajuste educacional às exigências neoliberais manifesta-se, com efeito, mediante a adoção de medidas político-administrativas que objetivam a construção de uma nova cultura, de uma ideologia capaz de justificar e explicar a nova configuração social. No Brasil, intensifica-se o estabelecimento de um currículo hegemônico e padronizado, confirmado pelos Parâmetros Curriculares (PCNs). Cursos de formação de professores (treinamento) são implementados por diferentes instituições. Identifica-se um conjunto de artefatos culturais pedagógicos, contribuindo para com o obscurantismo e a acomodação, principalmente de professores, que “religiosamente”, traduzem a concepção educacional oficial. E para acompanhamento e controle da aplicação catequética dos “ensinamentos”, o Ministério da Educação instituiu a avaliação externa, premiando as escolas que apresentarem melhores escores, melhores resultados, situação, esta, observada também por Gentili (2002, p. 34):

 

A partir da década de 1990 aqualidade da educação acabou restrita à implementação de uma série de estratégias de avaliação orientadas a quantificar a produtividade escolar nos diferentes níveis do sistema, promovendo rankings institucionais que permitissem mapear a hierarquia das escolas em virtude dos resultados das provas aplicadas à população estudantil.

 

Os elementos supracitados identificam com translucidez a visão empresarial transferida para o contexto educacional. Em decorrência, uma indagação axiomática clama por resposta: qual é o papel da mercoescola? Silva (1999, p. 28), argumenta:

 

[...] produzir uma cultura que integre as novas gerações às demandas globais do mercado. Seus princípios fazem o elogio à desigualdade como um valor positivo e natural. A concorrência, a competição, o individualismo são considerados valores e atitudes superiores e a causa fundamental do progresso humano .

 

As políticas educacionais baseadas e referendadas por esse sistema, em síntese, constituem uma estratégia de classe, retificando os sucessos e/ou insucessos associados à classe social. Ball (2001, p. 224) lança um alerta e o registra nos seguintes termos:

 

O perigo é que estamos indo em direção a um mercado deformado, marcado por discriminações de classe [...] existem evidências e um maior potencial, tanto nos Estados Unidos, quanto no Reino Unido, de uma estratificação e de uma diferenciação sociais nos sistemas educacionais, [...] uma redistribuição dos recursos em favor dos estudantes mais capazes.

 

 

CONSIDERAÇÕES OU DAS POSSIBILIDAES DE SUPARAÇÃO

 

A possibilidade de reverter esse quadro, com projeção assombrosa, está em tomar  o ser humano como parâmetro para a educação[4], economia,  desenvolvimento. A educação deve ser “[...] comprometida com a cidadania, e não um simples processo de ensino aprendizagem ou de instrução”. (ROSSATO, 1998, p. 25). Quanto ao compromisso  e à competência da instituição escola em superar o processo consumista da cultura educacional, Mühl (2003, p. 27), declara com firmeza:

 

A escola deve ser, efetivamente, um esfera pública de acesso ao saber, em que haja espaço para o aluno, na interação aos dados culturais a que passa a ter acesso, tendo direito a apropriar-se com rigor dos conhecimentos existentes, de expressar sua compreensão e, caso sinta a necessidade, de contradizer “verdades reveladas”, evitando ser mero consumidor ou receptor dos mesmos.

 

É imperioso discutir e eleger, em nossos espaços de atuação, outros valores, que não os forjados na ética do mercado, objetivando fundamentar práticas e princípios educativos na perspectiva da emancipação e conquista da cidadania plena. A solidariedade[5]  e a colaboração são categorias que viabilizam a superação  das  estruturas forjadoras da competição, do individualismo, da visão mercadológica da política educacional.

Sabedores somos de que a solidariedade foi a experiência decisivamente vital na organização social dos ancestrais hominídios. De modo geral, as sociedades humanas estão na sua dependência, tanto ontem, quanto hoje. Sem sombra de dúvida, é clamoroso resgatá-la em todos os contextos, pois, “questões que afetam diretamente toda a humanidade merecem uma preocupação comum e solidária de toda a humanidade.” (BOFF, 2003, p. 90). E a educação ou os temas, problemas e situações educacionais são questões que dizem respeito, direta ou indiretamente, aos seres humanos.

A experiência e a vivência da solidariedade não ocorrem “num passe de mágica” e muito menos em situações, ambientes impregnados pelo individualismo, pela superioridade, com intenção determinista de certos grupos ou facções.. O coletivismo e a dialogicidade são suas possibilidades:

 

O que permite, porém, a construção coletiva da solidariedade é o recurso sistemático ao diálogo em todas as frentes e em todos os níveis. [...] O ser humano [...] é um ser de relações e de comunicação, portanto um ser dialógico. É sua dimensão ôntica e transcendental, sempre presente em todos os sujeitos humanos de ontem, de hoje e de sempre. Essa dimensão ganha concreção e feição na história e na cultura. (BOFF, 2003, p. 33).

 

Documento recente da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), organizado por Delors (2001, p. 11 e 49), em relação à política de educação, destaca como objetivo primordial:

 

 

Um desenvolvimento mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social [...] A educação tem pois a responsabilidade na edificação de um mundo mais solidário [...] É, de modo algum, um novo humanismo que a educação deve ajudar a nascer [...] para contrabalançar uma globalização em que apenas se observam aspectos econômicos ou tecnicistas. (grifos meus).

 

 

Indiscutivelmente, é uma necessidade imediata “destronar”, “dessacralizar” o “deus mercado”, ao conceber os fazeres educacionais na perspectiva de um “novo humanismo”. E a contribuição do conhecimento crítico é fundamental para exceder, superar as impregnações ideológicas manifestas cotidianamente. Por outro lado, a ausência de uma postura crítica,  propicia à educação reproduzir relações opressivas e manter situações desumanizantes, como afirma Severino (1997, p. 22): “sem essa vigilância crítica, a intervenção educacional pode tornar-se instrumento muito forte de dominação, de reprodução das relações sociais opressivas e de manutenção de situações desumanizadoras no universo das relações sociais”. (grifos meus).

Impreterivelmente, porém, é preciso ter presente que o saber crítico é, também, uma construção histórica, inerente ao processo de desalienação:

 

Uma cultura alienada e alienante não se desaliena, pois, tão só pelo esforço exclusivo de um saber crítico. Enquanto o saber se compromete existencialmente e assume sua função de reflexividade concreta, no processo global da práxis, responde à sua vocação essencial: a de ser consciência crítica do referido processo. Essa consciência não se constitui fora, mas dentro do processo[...]. (FIORI, 1991, p. 77).

 

Todos estamos compromissados no redesenhar de um mundo novo. Para isso, é preciso compreendê-lo melhor e conscientizarmo-nos do nosso papel na participação dos processos de transformação da realidade, nesse particular, a realidade educacional. E resgatar a perspectiva humanista, bem como identificar e trabalhar as resistências, representam a real possibilidade de superação dos projetos sócio-político-educacionais, com intenções deterministas.

A compreensão profunda da realidade  sócio-educacional e a forma como ela se apresenta são a “meta” a ser perseguida constantemente, pois aí poderão estar os caminhos de uma ação transformadora. 

  REFERÊNCIAS

 

BALL, STEPHEN G. Mercados Educacionais, Escolha e Classe Social: o mercado como uma estratégia de classe. In GENTILI, P. Pedagogia da Exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, 196-227.

 

BOFF, L. Ethos Mundial: um consenso mínimo entre humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

 

BRANDÂO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

 

DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 5. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2001.

 

DUARTE, N. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Quatro ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.

 

FIORI, E. M.  Aprender a dizer a sua palavra. In. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 02-16.

 

_________ Textos Escolhidos: v. II: Educação e Política. Porto Alegre: L&PM, 1991.

 

FONSECA, S. G. Caminhos da história ensinada. 2. ed. Campinas, SP: Papirus: 1994.

 

FREIRE,  Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

 

FRIGOTTO,G. Trabalho, Educação e Construção social do Conhecimento. In Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual de Educação. Caderno Pedagógico: seminário Estadual de Educação Popular. Porto Alegre, 2002.

 

GANDIN, LUIS A. A Escola a Procura de Clientes. In Revista de Educação AEC, v. 29, n. 116, Brasília, 2000.

 

_________. Qualidade Total em Educação: a fala mansa do Neoliberalismo. In. Revista de Educação AEC, v. 23, n. 92, Brasília, 1994.

 

GENTILI, P. A Educação e as razões da esperança numa era de desencantos. In. OSOWSKI, C. I. Educação e Mudança Social: por uma pedagogia da esperança. São Paulo: Loyola, 2002, p. 25-40.

 

_________ . Pedagogia da Exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

 

GIROUX, H. Os professores com intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

 

HOUAISS, A.e VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

JORNAL CORREIO DO POVO. Ano 107, n. 294, Porto Alegre, 2002.

 

MALAGUTI, MANUEL L. et al. Neoliberalismo: A tragédia do nosso tempo. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

 

MÜHL, E. H. Habermas e a educação: ação pedagógica como agir comunicativo. Passo Fundo: UPF, 2003.

 

ROSSATO, R. Educação em tempos de globalização. In. Espaço Pedagógico, n. 01, v. 05. Passo Fundo, 1998, p. 11 – 30.

 

SEVERINO,   A. J. A Epistemologia contemporânea e a educação: saber, ensinar e compreender. In. Revista de educação AEC, v. 26, n. 102, Brasília, 1997.

 

SILVA, LUIZ H. et al. Escola Cidadã: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

 

SILVA, TOMÁS TADEU DA. A “Nova” Direita e as Transformações na Pedagogia da Política e na Política da Pedagogia. In GENTILI P. E SILVA, T. T. Neoliberalismo, Qualidade e Educação: visões críticas. 11. ed. Petrópolis: vozes, 2002.

 

ZAFFARI, N. Mística do Educador Mercado. Erechim, 2001, (impresso).

 

 

 

 

 

 


[1] Mestreem Educação UPF/RS,  Professor da URI – Campus de Erechim.

[2] A globalização é um fenômeno estruturalmente associado ao capitalismo, não recente e mundial que “[...] tem como base o avanço do capital (empresas e bancos) em busca de novos mercados e locais de investimentos para além das fronteiras geopolíticas. [...] este avanço tem se acentuado notavelmente e envolvido além do comércio e da produção material, os serviços, os bens culturais [...]”. (ARRUDA apud ROSSATO, 1998,  p. 12).

[3] Define-se Neoliberalismo como “doutrina proposta por economistas franceses, alemães e norte-americanos, na primeira metade do sXX, voltada para a adaptação dos princípios do liberalismo clássico às exigências de um Estado regulador e assistencialista [...] desenvolvida a partir da década de 1970, que defende absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim em grau mínimo.” (HOUAISS e VILLAR, 2001, p. 2009).

[4] No tocante a essa questão, Brandão (2002, p. 72-120) apresenta e fundamenta dez idéias, princípios para pensar uma educação destinada a  formar  um ser humano com vocação cidadã.

[5] A concepção de solidariedade não se identifica como prática de ações de caridade auxiliando pobres (assistencialismo), mas a um imperativo ético frente as injustiças, a exclusão, a discriminação. Estou de acordo com Gentili (2002, p. 33) quanto à definição de solidariedade como “[...] sinônimo de compromisso social e de luta pela transformação radical das práticas que historicamente condenam à miséria e à exclusão milhares de seres humanos.”

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Autor: Idanir Ecco


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