O Menino-monstro



Em uma aldeia, distante da cidade, morava um menino muito desobediente à sua mãe. Ela sentia-se inundada de contentamento em fazer tudo para a felicidade do filho, mas ele ignorava tal gesto de pura doação e afeto materno. Certo dia, ao retornar da escola, encontrou a mãe acamada. A febre a deixara sem forças para cuidar dos afazeres domésticos.

- Meu filho, veja minha situação, não pude fazer nada para comermos, porque amanheci muito doente. Prepare alguma coisa para nós!- Disse-lhe com voz trêmula e chorosa, porém, delicada e amável!

- Não faço! Você não tem nenhuma doença - respondeu-lhe, enfurecido feito um leão.

A pobre mãe, silenciosamente, ouviu tal desaforo. Gostas de lágrimas passaram a correr dos seus olhos. Mas ele, indiferente, foi mais duro ainda, chamando-a de todos os nomes.

Triste, sentira-se ela. Sem marido, o filho não sabia fazê-la feliz, como tanto o fizera!Mesmo assim, a mãe pronunciou palavras de doçura para abrandar seu coração. Mas ele, ao contrário, dirigia-lhe adjetivos ofensivos e desrespeitosos. A mãe, num suspiro de dor, desfaleceu. O silêncio foi por completo. Percebendo o que havia acontecido, o menino saiu em disparada para fora da casa. Não controlando seu medo, enlouqueceu. O povoado todo ouviu seus gritos e desespero. Foram até a casa do menino, onde encontraram sua mãe estendida sobre o chão. Os moradores procuraram reanimá-la, mas foi inútil, pois já estava morta. Então, trataram de velar e sepultar a defunta. Seu rosto estava muito tristonho. O menino não voltou para casa, a fim de se encontrar pela última vez com a mãe. Também não foi ao cemitério. Aquilo foi estranho para a vizinhança. E o menino passou habitar em lugares ermos e solitários. Ninguém podia se aproximar dele. À noite, uivava, parecendo um lobo à procura de alguém; seus gemidos eram escutados à distância. As pessoas sentiam compaixão, mas não sabiam o que fazer, e já não dormiam direito. O menino não entrava na aldeia nem visitava as famílias. Habitava às margens dos riachos e grotas. Com o tempo, seu rosto se desfigurou por completo: os olhos, avermelhados, pareciam soltar fogo; as orelhas cresceram desproporcionalmente; a boca salivava continuamente; os dentes se alongaram; os dedos das mãos e dos pés cresceram enormemente. Os lavradores tentavam pegá-lo, mas eram feridos com suas enormes unhas; seus músculos tornaram-se grandes cuja força detinha qualquer objeto. Ele vagava nas noites escuras, e somente nos lugares solitários podiam encontrá-lo. Assobiando, saia após a meia-noite. As crianças já não brincavam mais, à noite; as mulheres gestantes não podiam vê-lo, porque seus filhos poderiam nascer como aquele monstro; os homens evitavam encontrá-lo, porque poderiam atrair maldições sobre suas famílias. Ninguém tinha coragem de enfrentar o menino. Porém, certa noite, ele foi ao cemitério. Caminhando por entre os falecidos, sentou-se numa das covas e começou a chorar amargamente. Apareceu-lhe uma mulher alta e jovem. Bem vestida e exalando um perfume nunca sentido, perguntou-lhe porque chorava. Ele expôs-lhe toda sua culpa; disse que estava arrependido de ter feito mal contra sua mãe; narrou também que se sentia infeliz, porque a fez sofrer muito e que seria amaldiçoado por Deus. A mulher o acalentou, falou ao seu ouvido palavras de gratidão, afagou-o sobre seu peito; mostrou-lhe que a vida é melhor quando se ama; que a doação é um gesto de solidariedade às pessoas que necessitam de alguém. E assim ficaram dialogando por muito tempo. O menino adormeceu, e a mulher desapareceu. No dia seguinte, os moradores foram ao cemitério, onde o encontraram desfalecido. Pasmados, viram que estava totalmente mudado, não parecia mais aquele monstro; o corpo não estava mais deformado; tudo voltara como era antes, sem nenhum sinal de monstruosidade. Trazia um sereno e angélico sorriso em seu rosto. Toda a comunidade se reuniu em torno do corpo e rezou. Numa só voz professaram que fora a mãe que havia devolvido ao menino o aspecto de um ser humano. Ali, ninguém duvidava da força transformadora do afeto de uma mãe. As crianças também rezaram com os seus pais. Agiram rapidamente, para reanimar o menino. Todos festejaram o seu retorno à vida. Fizeram homenagens: cantavam e dançavam, sorriam e se abraçavam. Todos queriam levá-lo para casa. E também feliz, o menino abraçava e beijava as pessoas. Todos perguntavam o que acontecera! Ele simplesmente dizia que tinha se encontrado com uma mulher encantada, que o tinha levado para um lugar bonito, onde ele pudera nascer de novo. E assim, o dia inteiro, todos queriam ouvi-lo.

Moral da história, daquele dia em diante, todas as noites a comunidade se reunia para fazer orações, preces e festejar a vida... Desde então, meninos e meninas cresceram com um coração bom e amável, e passaram a ser solidários uns com os outros. Ao longo do tempo, esse fato passou a fazer parte do imaginário daquela aldeia.

 Antonio Leandro da Silva

São João del Rey - MG, 06 de setembro de 2007


Autor: Antonio Leandro


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