Lei maria da penha: um estudo sobre sua fundamentação, sua aplicabilidade e seus reflexos na sociedade



A violência doméstica em nosso País é um grande problema que vem alcançando números assustadores, com índices alarmantes chegando até mesmo a configurar uma questão de saúde pública.

Segundo dados colhidos em pesquisa realizada em dez países, inclusive no Brasil, no período compreendido entre 2000 e 2003 intitulada “a saúde das mulheres e a violência doméstica” obtendo os resultados em novembro de 2005 foram preocupantes. Senão vejamos: entre 15% das mulheres no Japão e 71% na Etiópia foram vítimas de violência física ou sexual por parte de seu parceiro, ou dos dois tipos.

O relator especial da ONU sobre violência contra a mulher, Yakin Ertürk, disse que o estudo questiona a ideia de que o lar é o local de mais segurança ao demonstrar que é justamente onde as mulheres são mais expostas à violência. Coadunando com suas palavras, Maria Celina Bondin de Morais (2009, p. 311) argumenta que “para muitas delas, é reconhecido que o risco é maior de serem agredidas em sua própria casa – pelo pai de seus filhos ou companheiro – que o de sofrer alguma violência fora do âmbito familiar”.

Conjugando com as referidas palavras já mencionadas os conflitos domésticos já detonou o mito de “lar doce lar”, pois a violência contra a mulher encontra-se localizada justamente em um espaço onde é considerado seguro, acolhedor e confortável.

Esse tipo de violência é um problema que atinge não somente a vítima, mas todos que se encontram ao seu redor, ocasionando grandes transtornos físicos, psíquicos e morais, por vezes irreversíveis. Os prejuízos causados às vítimas acometidas por esse tipo de violência, consequentemente podem gerar a reprodução de mais violência.

A violência de gênero em nosso País salta aos olhos, atingindo graves proporções, lesando a integridade física da mulher, acarretando danos à saúde, violando a sua dignidade, condição esta inerente ao ser humano, ferindo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana considerado como princípio basilador do ordenamento jurídico pátrio.

Assevera com propriedade Maria Celina Bondin de Morais (2009, p. 317) que “a igualdade de gênero é condição essencial de democratização de qualquer instituição, sendo necessário pôr termo à desigualdade fática da mulher nas mais diversas situações”.

Assim,em um Paísdemocrático como o nosso seria incongruente a tolerância de discriminação e preconceito que qualificam a mulher como ser inferior dando status de superioridade ao homem.

Apesar de a Lei nº 11.340/06, Lei Maria da Penha, ser aplaudida por muitos, existem aqueles que tentam sua resistência, alegando que a mesma é inconstitucional por ferir o princípio da igualdade previsto na Constituição.

Segundo Maria Celina Bondin de Morais (2009, p. 319):

 

Parece haver um engano de fundo nessas críticas: a Lei justamente espelha a concretização de tal princípio por meio da promoção da igualdade substancial entre os gêneros, ao buscar aquele princípio que de forma mais completa realiza o ditado constitucional da dignidade da pessoa humana.

 

A violência doméstica praticada contra a mulher é um concreto exemplo de violação da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.

A Carta Magna de 1988, logo em seu primeiro artigo erige a dignidade da pessoa humana à condição de princípio fundamental, instituindo como um novo valor que confere suporte axiológico a todo sistema jurídico e que deve ser sempre levado em conta quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do ordenamento jurídico pátrio.

A recente Lei nº 11.340/06 teve de se adequar aos documentos internacionais de proteção aos direitos das mulheres, em seu artigo 6º, onde afirma taxativamente que “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação aos direitos humanos”.

Ademais, esta Lei fundou-se em normas e diretrizes consagradas na Constituição Federal de 1988, no artigo 226 §8º, na Convenção da Organização das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de violência contra a mulher e na Convenção Interamericana para punir e erradicar a violência contra a mulher. Registre-se ainda o fundamento político-jurídico da Lei.

Segundo Maria Celina Bondin de Morais (2009, p. 319):

 

Em especial, a nova Lei veio restabelecer a situação anterior, não mais considerando, não mais considerando a violência doméstica como de pequeno potencial ofensivo à lesão corporal leve e a lesão culposa, sujeitando-a, pois, à ação incondicionada proposta pelo MP. Além de outras novidades, cria juizados especiais para o julgamento de tais casos, os chamados “Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM)” com competência cível e criminal.

 

Portanto, esta Lei visa coibir a conduta dos agressores que praticam delitos de lesões corporais, ameaças, maus-tratos. Enfim, repudia qualquer forma de tratamento desumano contra a mulher a abrangendo a violência conjugal, assim como dos companheiros e agressões que envolvam ascendentes e descendentes, merecendo destaque as crianças e adolescentes, sendo estas filhas e enteadas.

Vale ressaltar que o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 proíbe a aplicação da Lei nº 9.099/95, impedindo, assim, a proposta de suspensão condicional do processo, mesmo que a pena mínima cominada ao delito seja inferior a um ano. Conclui-se que sendo a mulher vítima de violência doméstica e familiar, figurando no polo passivo do delito de lesões corporais, imporá para o autor do delito um tratamento mais rigoroso.

Desta mesma forma para a hipótese de violência doméstica prevista no §9º do artigo 129 do Código Penal, ainda se configura como lesão corporal leve, embora qualificada que seria possível a aplicação das penas substitutivas previstas no artigo 44 do Código Penal brasileiro. Porém preconiza o artigo 17 da Lei 11.340/06 que se o sujeito passivo for mulher, tal substituição não poderá importar na aplicação de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como no pagamento isolado de multa. Assim, a aplicação desta Lei afasta a possibilidade de penas brandas como as penas alternativas.

Conforme Luiz Edson Fachin e Rosana A. G. Fachin (2009, p. 342):

 

Se o porvir responder as mulheres mutiladas, violentadas e agredidas com a falácia de uma cesta básica de servis conceitos jurídicos que caem ao menor sopro de vento, dar-se-á um grande exemplo que não responde ao direito, à justiça e à dignidade humana.

 

A sociedade não deve suportar tais mazelas perante as injustiças que afligem as mulheres vítimas dessa violência de gênero recompensando-as de forma banal como o exemplo citado: a cesta básica em substituição de um crime cometido pelo seu agressor que em sua maioria chega a ser um dano irreparável.

1.   REFERÊNCIAS

 

 

FACHIN, Rosana Amaral Girardi; FACHIN, Luiz Edson. Igualdade e diferença na constitucionalidade da Lei Maria da Penha. In Direito das famílias. DIAS, Maria Berenice (organizadora). São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 341 a 342.

 

MORAIS, Maria Celina Bondin. Vulnerabilidade nas relações de família: o problema da desigualdade de gênero. In Direito das famílias. DIAS, Maria Berenice (organizadora). São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 306 a 322.

 

PINTO, Antonio Luiz Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Vade Mecum. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


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