A poesia negra e social em: a cachoeira de paulo afonso
A POESIA NEGRA E SOCIAL EM: A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO1
Marcia Jovelina de Jesus2
“Amor e arte, amor e poesia. Castro Alves não é o poeta da falta e da ausência, mas, como já vimos o poeta da presença. É o amor presente que gera a poesia, daí ela estar para o poeta mais próximo do canto do que do lamento”. RONCARI, 2002, 488.
“ Os estudos da africanidade tem a finalidade de promover o respeito ao direito dos descendentes de africanos, assim como cidadãos brasileiros, a valorização de sua identidade étnica-histórica- cultural, de sua identidade de faixa etária e sexo”. Petronilha apud MUNANGA 2001, 157.
O nosso ensaio primazia analisar a poesia de Castro Alves, mais precisamente A Cachoeira de Paulo Afonso, o seu engajamento poético e político, esta é a razão pela escolha da A Cachoeira de Paulo Afonso, que é a união de 33 poemas, o seu teor denunciativo na construção, que tão bem retrata questões de amor, sertão, sofrimento, sangue, resistência, e são frutos de uma aproximação da realidade do nosso país.
A Cachoeira de Paulo Afonso é composta por 33 poemas, que retratam situações do dia, de uma sociedade escravocrata, foi por muito tempo esquecido pela crítica e estudiosos, em alguns livros vem acoplado com os Escravos, em outros, porém, vem separado. Os poemas possuem ritmos, tamanhos e medidas diversificadas, ao todo são 1.271 versos.
A ousadia de Castro Alves incomodava muito os poderosos da época, e hoje 164 anos após a sua morte ainda gera polêmica. Castro Alves é da geração romântica, com tendência realista.
No parsianismo, os poetas usavam seus trabalhos para fins artísticos e não humanitário e denunciativo como os de Castro Alves. Para enfatizar SODRÉ (2002, p. 354), foi jovem que escreveu os seus versos e leu-os ou declamo-os aos auditórios, e jovem morreu; muito amou e transmitiu à sua poesia todo o ímpeto amoroso.
Buscando entender os diversos espelhos, nos que refletiam as imagens, as mazelas, as misérias, a negritude, o eu de uma sociedade tradicional e escravocrata, Castro Alves apostou na busca de coletâneas do cotidiano. Portanto propomos a seguinte problematização: como se dá o engajamento poético denunciativo, da poesia negra de Castro Alves, em A Cachoeira de Paulo Afonso?
Não pretendemos esgotar todas as análises acerca do poema A Cachoeira de Paulo Afonso, descreveremos os aspectos que se fazem presentes nos poemas. Segundo Massaud Moises( 2004, p. 358), “poesia Gr. Poísis, fazer, criar, alguma coisa, pelo lat. Poesis”. A poesia saí do prolixo, e retira as mascaras da sociedade.
“Toda poesia é sempre política. Pois forma no leitor, uma consciência do sensível, criando palavras que sejam a Expressão desta sensibilidade e que correspondam a novas formas de percepção da realidade”. LIMA (2001, p. 76)
Na poesia castroalviana, as mulheres são concretas e materializadas. Os temas abolicionistas e republicanos são constantes, mais em dados momentos acoplam e em outros momentos divergem. O poeta foi seguidor da literatura de Vitor Hugo, em seus poemas procurou evidenciar a realidade nua e crua, as quais as pessoas eram submetidas, buscava um ideal democrático e social.
Para BOSI, (2002, p. 146) a palavra do poeta baiano seria no contexto em que se inseriu uma palavra aberta. Aberta à realidade maciça de uma nação que sobrevive a custa de sangue escravizado.
Os aspectos sociais e políticos da poesia é remota, cabe-nos dizer que o poeta baiano castro Alves não foi o primeiro, nem o último a retratar essa temática, mas o que foi precursor para outros subsequentes. Uma representação fiel da politização estética, uma vez que: um traço especial que, com marca de qualidade superior, lhe confere uma posição única entre nós: Castro Alves foi o poeta do povo, SODRÉ (2002, p.355).
RONCARI, (2002p. 486) O amor entre a escrava Maria e o escravo Lucas, não é diferente do vivido entre os brancos nos dramas heroicos românticos. Nos poemas de Castro Alves o amor adquire essa universalidade (transcende os estigmas de classe, raça e cultura), na medida em que é naturalizado, faz parte do movimento e ciclo da natureza, com ela nasce e com ela morre e, por isso, deve ser compartilhado por todos.
No poema A tarde, são 7 estrofes com 8 versos cada uma, poema com beleza estética, que é de arrumação e estrutura tradicional, mais vem acompanhado de reticencias, travessões no meio das palavras, com hipérboles, personificação, metáforas, e antíteses.
A tarde
Era a hora em que a tarde se debruça
Lá da crista das serras mais remotas...
E d'araponga o canto, que soluça,
Acorda os ecos nas sombrias grotas;
Quando sobre a lagoa, que s'embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas ...
E a onça sobre as lapas salta urrando,
Da cordilheira os visos abalando.
Era a hora em que os cardos rumorejam
Como um abrir de bocas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfumadas ...
A hora em que as gardênias, que se beijam,
São tímidas, medrosas desposadas;
E a pedra... a flor... as selvas ... os condores
Gaguejam... falam... cantam seus amores!
Hora meiga da Tarde! Como és bela
Quando surges do azul da zona ardente!
... Tu és do céu a pálida donzela,
Que se banha nas termas do oriente...
Quando é gota do banho cada estrela.
Que te rola da espádua refulgente...
E, — prendendo-te a trança a meia lua,
Te enrolas em neblinas seminua!...
Eu amo-te, ó mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E, se não te dá mais da infância o grito
Que menino elevava-te arrogante,
É que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos! ...
Mas não m'esqueço nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos
Da embaíba nos ramos me apontavas;
Nem, mais tarde, dos lânguidos segredos
De amor do nenufar que enamoravas...
E as tranças mulheris da granadilha!. . .
E os abraços fogosos da baunilha! ...
E te amei tanto - cheia de harmonias
A murmurar os cantos da serrana, —
A lustrar o broquei das serranias,
A doirar dos rendeiros a cabana...
E te amei tanto — à flor das águas frias
Da lagoa agitando a verde cana,
Que sonhava morrer entre os palmares,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares! ...
Mas hoje, da procela aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quisera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do horizonte...
... Para então, — do relâmpago aos livores,
Que descobrem do espaço a larga fronte, --
Contemplando o infinito. . ., na floresta
Rolar ao som da funeral orquestra!!!
No poema, Na margem ocorrem diálogos, o poeta trás as falas de Maria, é um poema que se passa nos juncos, na zona rural e nos dá o sinal:
“assim dizia a Escrava”...
A senzala também nos remete ao sertão com rotinas de um sertanejo escravo, os animais, a casinha de sapé, a ‘ tranquilidade da vida no campo’.
A senzala
Qual o veado, que buscou o aprisco,
Balindo arisco, para a cerva corre...
Ou como o pombo, que os arrulos solta,
Se ao ninho volta, quando a tarde morre...,
Assim, cantando a pastoril balada,
Já na esplanada o lenhador chegou.
Para a cabana da gentil Maria
Com que alegria a suspirar marchou!
Ei-la a casinha... tão pequena e bela!
Como é singela com seus brancos muros!
Que liso teto de sapé doirado!
Que ar engraçado! que perfumes puros!
Abre a janela para o campo verde,
Que além se perde pelos cerros nus...
A testa enfeita da infantil choupana
Verde liana de festões azuis.
É este o galho da rolinha brava,
Aonde a escrava seu viver abriga...
Canta a jandaia sobre a curva rama
E alegre chama sua dona amiga.
Aqui n'aurora, abandonando os ninhos,
Os passarinhos vêm pedir-lhe pão;
Pousam-lhe alegres nos cabelos bastos,
Nos seios castos, na pequena mão.
Eis o painel encantado,
Que eu quis pintar, mas não pude...
Lucas melhor o traçara
Na canção suave e rude...
Vede que olhar, que sorriso
S'expande no brônzeo rosto,
Vendo o lar do seu amor...
Ai! Da luz do Paraíso
Bate-lhe em cheio o fulgor.
Nos 33 poemas as figuaras mais encontradas são metaforas, hiperboles, antiteses, personificação, símile, apostrofe, pleonasmo. Supresão de palavras.
Aqui também Castro Alves, retrata as mazelas da senzala, supreção de palavras, exclamações, figuras de linguagem:
História de um crime
"FAZEM HOJE muitos anos
Que de uma escura senzala
Na estreita e lodosa sala
Arquejava u'a mulher.
Lá fora por entre as urzes
O vendaval s'estorcia...
E aquela triste agonia
Vinha mais triste fazer.
"A pobre sofria muito.
Do peito cansado, exangue,
Às vezes rompia o sangue
E lhe inundava os lençóis.
Então, como quem se agarra
Às últimas esperanças,
Duas pávidas crianças
Ela olhava... e ria após.
"Que olhar! que olhar tão extenso!
Que olhar tão triste e profundo!
Vinha já de um outro mundo,
Vinha talvez lá do céu.
Era o ralo derradeiro.
Que a lua, quando se apaga,
Manda por cima da vaga
Da espuma por entre o véu.
"Ainda me lembro agora
Daquela noite sombria,
Em que u'a mulher morria
Sem rezas, sem oração!...
Por padre — duas crianças...
E apenas por sentinela
Do Cristo a face amarela
No meio da escuridão.
"As vezes naquela fronte
Como que a morte pousava
E da agonia aljofrava
O derradeiro suor...
Depois acordava a mártir,
Como quem tem um segredo...
Ouvia em torno com medo,
Com susto olhava em redor.
"Enfim, quando noite velha
Pesava sobre a mansarda,
E somente o cão de guarda
Ladrava aos ermos sem fim,
Ela, nos braços sangrentos
As crianças apertando,
Num tom meigo, triste e brando
Pôs-se a falar-lhes assim:
A cachoeira de Paulo Afonso, o poeta apresenta ao leitor a vida dos escravos, sujeitos à crueldade dos senhores, que arrancam os filhos das mães para vendê-los, estupraram as mulheres, torturavam e matavam impunemente:
Em O Bandolim da Desgraça,
Assim, Desgraça, quando tu, maldita!
As cordas d'alma delirante vibras...
Como os teus dedos espedaçam rijos
Uma por uma do infeliz as fibras
Os poemas de Castro Alves são empenhados e engajados, pois tem uma lingaugem moderna, onde o clássico e o moderno se misturam. Segundo SODRÉ 2002, é dificil precisar o nível de praticipação de Castro Alves no contexto em que vivera, todavia sua construção poética traduz-se em um grito de liberdade.
REFERÊNCIAS
ALVES, Antonio Frederico de Castro Alves. Clássicos da Literatura Os escravos. São Paulo: editora galex 2009
BOSI, Alfredo. Antonio Frederico de Castro Alves In: História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
CUNHA, Fausto in COUTINHO, Afrânio (direção) A literatura no Brasil. 7ª edição. São Paulo: Cultrix, 2007.
LIMA, Carlos. “quem tem medo da poesia política?” In: 100 anos de poesia- um panorama da poesia brasielira do século XX. RODRIGUES, Claufe; MAIA, Alessandra (org) Rio de Janeiro: O Verso Edições, vol II, 2001.
MOISÉS, Massaud, Castro Alves In. A literatura brasileira através dos textos. 25ª edição,. Cultrix, 2005
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 36ª edição. São Paulo: Cultrix. 2008.
RONCARI, Luiz. Antonio Frederico de Castro Alves In. Literatura brasileira, dos primeiros cronistas aos ultimos românticos. 2ª edição. São Paulo: Edusp, 2002.
SODRÉ, Nelson wernewck. História da Literatura brasileira10 edição. Rio de Janeiro: grapia, 2002, p. 354- 360