Terapia ocupacional – uma abordagem em internação neurológica de adultos



“A enfermidade implica uma contração da vida, mas tais contrações não precisam ocorrer. Ao que me parece, quase todos os meus pacientes, quaisquer que sejam os seus problemas, buscam a vida – e não apenas a despeito de suas condições, mas por causa delas e até mesmo com sua ajuda.”(Sacks, 1999)

 

         De acordo com a Organização Mundial de Saúde, Saúde é o Estado de bem-estar físico, mental ou social completo e não a mera ausência de doença ou enfermidade.

Logo, varia com o ponto de vista e os processos de aquisição de experiências realizadas  pelo indivíduo. Assim, é uma entidade não linear que não pode ser classificada como boa, má, maior ou menor.

         A saúde do homem enquanto ser único “é uma síntese de valores, um modo de vida, um processo em contínua mutação, co-criado pelo próprio homem.” (Rosemarie Parse)

         O processo de hospitalização desencadeia a necessidade de convivência com uma nova contextualização de vida e, principalmente, de expectativas, muitas vezes marcado por medos, dúvidas, dificuldades que envolvem não só o paciente / sujeito diretamente incluído no processo, mas toda a sua família e amigos.  “A ruptura do cotidiano, decorrente da internação, em geral é pouco valorizada, e espera-se que o próprio indivíduo elabore e supere os conflitos de tal condição.”(De Carlo e Luzo, 2004)

         O confronto com a doença e, muitas vezes com disfunções de várias ordens, acarreta um nível de estresse que acaba por potencializar os desconfortos físicos e emocionais, provocando uma fragilização do indivíduo e de sua família. Dependendo do tempo de internação, das intervenções que se façam necessárias e da forma como essas abordagens atravessam o inconsciente desse indivíduo, a deteriorização física, mental, emocional e relacional pode ser agravada estabelecendo-se grande dificuldade de adaptação ao novo cotidiano e à nova situação pessoal.

         Contribuir para essa reestruturação do sujeito e fomentar novas possibilidades de ajustamento criativo, são básicos na prática da Terapia Ocupacional a fim de promover a saúde e facilitar a vivência e aprendizagem com as novas experiências desse novo período ou estado de vida.

         Promover a saúde de um indivíduo, está ligado diretamente à capacitação de desempenho humano, uma vez que Saúde é capacidade pessoal de viver uma vida plena, como um ser individual e como um membro da sociedade.

         A partir desse ponto pode-se afirmar que a Saúde é estreitamente ligada ao ser, ao Ser fazendo,ao  Trabalho e este, visto por inúmeras óticas, parte integrante da abordagem do Terapeuta Ocupacional. O atendimento hospitalar tende a rotinas extremamente rígidas e, muitas vezes, reducionista ao tecnicismo. Submetendo o indivíduo à manipulação técnica, reduz-se a capacidade da natureza de regenerar-se criativamente.(Boff, 1998)

A Terapia Ocupacional, abrindo-se em seu poder criador, utiliza a atividade humana como uma via de acesso ao sujeito; aos seus conteúdos e ao mesmo tempo um meio para transformá-lo. O uso de determinada atividade depende, além do quadro patológico apresentado, do contexto em que se encontra esse indivíduo, da cultura, de sua história, suas experiências, sua subjetividade, incluindo a organização que desenvolve em seu cotidiano.

A escuta é fundamental no processo Terapêutico Ocupacional, uma vez que o próprio cliente participa da escolha do melhor caminho a ser seguido no seu tratamento. O profissional viabiliza terapeuticamente a demanda do cliente, tendo em vista que o desenvolvimento humano é um processo contínuo de conquistas, de auto-conhecimento e de transformações a partir de novas experiências e vivências. A Terapia Ocupacional utiliza-se de seus recursos terapêuticos como um processo transformador . A proposta  da Terapia Ocupacional deve estar de acordo com as necessidades do cliente enquanto ser holístico e com constante.possibilidade de aprender e se adaptar.

Pode-se dizer que a “Terapia Ocupacional é a análise e a aplicação de ocupações (característica que a difere de outras profissões), especificamente automanutenção, produtividade e lazer, através do processo de avaliação, interpretação e tratamento (processo) de problemas que interferem com o desempenho funcional ou adaptativo (meta) de pessoas cujas ocupações estão prejudicadas por doença ou incapacidade física, desordens emocionais, distúrbios congênitos ou do desenvolvimento ou do processo de envelhecimento, com o objetivo de habilitar a pessoa a alcançar um estado de desempenho funcional e adaptativo(...), prevenir prejuízos e promover a saúde ”(Mello in Duarte, 2000).

Segundo Neistadt e Crepeau, “Terapia Ocupacional é a arte e a ciência de ajudar pessoas a realizarem as atividades diárias que são importantes para elas, apesar de debilidades, incapacidades, ou  deficiências.”(2002)

 

O trabalho desenvolvido pela Terapia Ocupacional em enfermarias ou quartos hospitalares de pacientes adultos com lesões variadas, sejam de ordem neurológica, traumato-ortopédica, entre outros, é, na maioria das vezes, uma situação nova, única e irrecriável.

Ao se traçar, junto ao paciente a linha de intervenção a ser adotada, parte-se da premissa de que se pode auxiliar a vivência da internação de sujeitos que, por perdas motoras, sensoriais, cognitivas ou perceptuais, vêem-se afastados de seus entes queridos, de seu trabalho, de seus afazeres domésticos, de sua escola, enfim, de todo o seu cotidiano, construído ao longo do tempo.

Doenças como Acidentes Vasculares de várias ordens, traumatismos graves envolvendo lesões encefálicas ou medulares, exigem um cuidadoso acompanhamento terapêutico ocupacional, visto que podem causar déficits permanentes ou temporários que prejudicam o desempenho de suas atividades de vida diária, prática, de lazer e de trabalho.

Alguns dos objetivos mais importantes da Terapia Ocupacional durante a internação de pacientes neurológicos são: tornar tolerável a, muitas vezes prolongada, permanência no hospital; desenvolver atividades que organizem de maneira mais adequada o cotidiano em sua nova situação; promover a humanização do espaço hospitalar individualizando–o de forma a que este se apresente alguma identificação com o sujeito; facilitar a expressão interna procurando manter a auto estima elevada e a participação, na medida do possível, nas atividades de vida diária; orientar ao paciente e à família quanto ao posicionamento do mesmo no leito, e a melhor maneira de auxilia-lo nas trocas de decúbito e mudanças posturais (de acordo com evolução clínica).

A fim de acelerar o processo de integração e retorno ao lar, é imprescindível uma avaliação minuciosa dos aspectos ocupacionais através da observação dos níveis motores, sensoriais, percepto-cognitivos, emocionais, familiares, relacionais, envolvidos no distúrbio, para então, estabelecer de forma adequada as abordagem de estimulação, treinamento, adaptação e orientação, entre outras, de maneira a possibilitar o mais rápido retorno à comunidade, com ou sem adaptações já programadas com a família, mas com todas as orientações necessárias até que se torne possível um adequado acompanhamento ambulatorial.

Programas de fortalecimento muscular, preservação de amplitude articular, prevenção de dor, estimulação e integração sensorial, melhoria da coordenação motora, treinamento de atividades básicas da vida diária, estimulação de memória, raciocínio, sensibilidade, treinamento para superar negligência espacial e síndrome de Pusher, melhoria de distúrbios de atenção, reeducação de atividades que envolvam mobilidade geral e orientação no desempenho e organização das atividades de seu cotidiano, com ou sem modificações, são algumas das funções do Terapeuta Ocupacional.

Esse trabalho deve iniciar-se no leito, tão logo permitam as condições clínicas e neurológicas encontradas, através de atividades que facilitem essa redescoberta de potenciais e a reconstrução de metas e valores. Sabendo-se da capacidade plástica do sistema nervoso, e do esforço, muitas vezes não pensado nem planejado, do indivíduo de sobreviver em condições radicalmente alteradas, encontramos uma enorme capacidade de adaptação e até de uma “transmutação”, de criação de uma nova organização adequada à sua disposição especial.

Quanto mais precoce e adequadamente estimulado o indivíduo atingido por alteração neurológica, mais rapidamente novos circuitos se formarão, maior tranqüilidade ele obterá conhecendo um pouco mais do que lhe aconteceu, menos seqüelas e mais vida podemos estar promovendo.

 

 

 

Márcia Cristina Garcia da S. Rogério

Terapeuta Ocupacional

Docente do Curso de Graduaçãoem Terapia Ocupacionalda Escola Superior de Ensino Helena Antipoff – Pestalozzi, Niterói.

Contatos: [email protected]

 

 

Referências Bibliográficas:

 

DUARTE, Yeda Aparecida de O; DIOGO, Maria José D’Elboux. Atendimento Domiciliar – Um Enfoque Gerontológico. Ed. Atheneu, Rj, 2000.

NEISTADT, Maureen ; CREPEAU, Elizabeth. Terapia Ocupacional. Editora Guanabara Koogan, RJ.2002.

ROWLAND, Lewis. MERRITT – Tratado de Neurología –Editora Guanabara Koogan, RJ. 2002.

HAGEDORN, Rosemary. Fundamentos da Práticaem Terapia Ocupacional. Dynamiseditorial, SP. 1999.

BOFF, Leonardo. O despertar da águia. Editora Vozes, RJ. 1998.

SACKS, Oliver .Um Antropólogoem Marte.Editora Companhiadas Letras, SP. 1999.

 

 

 


Autor: Marcia Cristina Garcia Rogério


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